#acessibilidade: A imagem é parte da capa de «A vida Secreta das Árvores » e apresenta três árvores , destacando troncos, copas e raízes.
Texto feito pelo colaborador Adriano Henrique Bonatti com revisão de Wagner Rodrigo de Souza e Lívia Seno Ferreira Camargo
Wohlleben (2017), em sua obra A Vida Secreta das Árvores, nos diz: “A árvore também sabe se defender por conta própria. Por exemplo, para matar insetos devoradores ou pelo menos para se tornar desagradável ao paladar do agressor, o carvalho libera, na casca e nas folhas, tanino, uma substância amarga e venenosa. O salgueiro produz salicina, um precursor da aspirina que tem o mesmo efeito que o tanino, mas não em nós, seres humanos: na verdade, o chá de sua casca alivia dores de cabeça e diminui a febre.”
Estes intrigantes mecanismos das espécies vegetais, aliados à propriedades de outras espécies como bactérias e fungos, e sua observação mais profunda por parte dos avanços da biotecnologia de plantas, permitiram descobertas inimagináveis, até poucos anos atrás, dentro da engenharia genética aplicada sobre tais espécies, esboçando toda uma perspectiva do que esta área da ciência pode realizar para contornar diversos problemas envolvendo, dentre outros, a segurança alimentar, otimização industrial, energia e saúde. Na verdade, toda esta perspectiva já se encontra em estado bem palpável e promissor, guardadas as limitações técnicas daquilo que pode ser realizado e, muito importante, os entraves regulatórios que devem ser considerados para sua implementação.
Plantas GM (Geneticamente Modificadas) foram desenvolvidas visando melhorar ainda mais as propriedades de defesa e sobrevivência para que tenham novas e melhores características como resistência contra pragas, clima adverso, baixa de nutrientes no solo e até mesmo características físicas quanto a sua aparência. No que diz respeito ao quão tangível estas novas espécies estão presentes na nossa realidade, além daquela farofa do churrasco de domingo com óleo de soja transgênica, já é realidade culturas como as de alfafa, beterraba, cana-de-açúcar, mamão papaia, batata, berinjela, abóbora, abacaxi e maçã, dentre outros alimentos; todos estes modificados de forma a resistir a adversidades do ambiente, o que tem contribuído para a otimização da produção agrícola e seus efeitos/benefícios em cascata, como segurança alimentar, energética e de saúde.
Hoje, as plantas GM e seus benefícios têm encontrado embasamento legal e científico em termos socioeconômicos e ambientais para sua adoção e expansão pelo mundo nas últimas décadas. Estes destaques foram divulgados pelo Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações de Agrobiotecnologia (ISAAA), segundo o qual, os ganhos com as plantas GM envolvem: aumento da produtividade, menor uso de defensivos químicos nas lavouras, preservação da biodiversidade, redução nas emissões de gases tóxicos e geração de renda para os agricultores. Por exemplo, sobre a produtividade, entre 1996 e 2018, houve aumento de 822 milhões de toneladas. Nesse mesmo intervalo, as GM reduziram em 8,6% o uso de defensivos químicos nas lavouras, o que significa que 776 mil toneladas de ingredientes ativos não foram aplicadas. Atrelado a isto, 231 milhões de hectares de terra não precisaram ser utilizados para cultivo, impactando positivamente para a conservação da biodiversidade. Os GM são responsáveis pela redução de 23 milhões de toneladas de CO2 emitidos pela atividade agrícola mundial somente no ano de 2018, este volume é equivalente a emissão do mesmo gás por 15,3 milhões de carros em um ano. 224,9 bilhões de dólares foram os ganhos proporcionados pelas culturas GM entre 1996 e 2018, beneficiando mais de 17 milhões de agricultores, sendo 95% de países em desenvolvimento. O Brasil se beneficiou com 26,6 bilhões de dólares daquele montante.
Outro exemplo muito interessante mas que, em contrapartida, exigirá um cenário regulatório responsivo para seus testes e implantação é a produção de vacinas e terapias humana em plantas. O potencial das plantas de responder rapidamente à demanda em larga escala e ameaças de doenças emergentes – como em um momento de pandemia no qual estamos inseridos atualmente – foi demonstrada pela primeira vez em 2012, quando a DARPA lançou um desafio para produzir 10 milhões de doses da vacina contra a gripe H1N1 dentro de um mês após o recebimento de uma sequência genética por e-mail. A empresa canadense Medicago respondeu com sucesso usando um parente selvagem do tabaco para produção ( Lomonossoff e D’Aoust, 2016 ). As folhas desta planta de baixo custo são usadas em ciclos de produção de menos de uma semana, exigindo apenas água, luz e o molde de DNA para o produto de interesse como insumos (Sack et al., 2015). As plantas agora podem ser adaptadas para produzir proteínas com modificações pós-traducionais semelhantes às humanas, bem como uma variedade de outras moléculas usadas como terapias humanas que são proibitivamente caras ou difíceis de produzir em outros sistemas, ampliando a gama de terapias que podem ser produzidas em plantas ( Li et al., 2016 ).
Isto torna a engenharia genética sobre plantas GM uma via robusta em termos de avanço e melhoramento em organismos de interesse em várias áreas. O cerne de toda a discussão acerca do assunto pode direcionar a novas abordagens da edição de genoma em termos da sua avaliação e regulamentação, tanto por parte dos cientistas que trabalham com genética como também por parte das entidades reguladoras das atividades em torno da biologia molecular e biotecnologia. É unânime e consolidado os diversos benefícios que a edição de genoma proporcionou nos diversos ramos das pesquisas que envolvem as ciências da vida e suas aplicações em saúde humana e animal, agricultura, alimentos e bioeconomia. Talvez a questão mais importante no momento seja a condição dessas aplicações quanto ao seu aspecto regulatório. Por exemplo, na União Europeia, existem discussões persistentes sobre plantas editadas geneticamente, onde ainda está por decidir se as mesmas são consideradas OGMs (Organismos Geneticamente Modificados), levando a questão até mesmo para os tribunais daquela região. Com o objetivo de ajudar a avaliar e esclarecer e identificar as oportunidades apresentadas pela edição do genoma e para embasar as políticas a esse respeito, o Conselho Consultivo de Ciências das Academias Europeias (EASAC) constituiu um Grupo de Trabalho formado por autores e cientistas para construir um relatório sobre as aplicações potenciais da edição do genoma e as questões éticas e sociais relacionadas. De fato, este relatório da EASAC concentrou-se em questões de relevância para a política da União Europeia, o que não torna suas considerações menos importantes para as ações globais no que tange a edição genética.
As principais preocupações das entidades reguladoras acerca do cultivo de plantas GM envolvem, dentre outras coisas, a disseminação de transgenes os quais potencialmente afetam a biodiversidade em amplitude difícil de prever. Particularmente, a expansão destes organismos no meio ambiente pode levar a eventos indesejáveis, tais como, eliminação de espécies não domesticadas, exposição de algumas espécies a novos patógenos, mudanças na dinâmica populacional ou até mesmo a eliminação de certos grupos. Além disso, existe o risco de geração de plantas daninhas super-resistentes, desequilíbrio da diversidade genética e a interrupção das atividades cíclicas envolvendo os nutrientes e energia no ambiente. Fica evidente, portanto, que existem desafios ainda a serem superados sobre o uso das plantas GM nos diversos setores em que elas caibam, mas os trabalhos realizados, se em consonância com a biossegurança e com embasamento e proteção jurídica e bioética que englobam essa atividade, deverão trazer ainda muitos mais benefícios para a sociedade de hoje e suas gerações futuras.
Referências:
Bonnie C Wintle, Christian R Boehm et al. (2017) Point of View: A transatlantic perspective on 20 emerging issues in biological engineering eLife 6:e30247. https://doi.org/10.7554/eLife.30247
Robin FearsVolker ter Meulen (2017) Point of View: How should the applications of genome editing be assessed and regulated? eLife 6:e26295.
Relatório do Serviço Internacional para Aquisição de Aplicações de Agrobiotecnologia (ISAAA)
Relatório confirma benefícios de transgênicos – Agrolink
WOHLLEBEN, Peter – A vida secreta das árvores – Rio de Janeiro: Sextante, 2017, pág. 47