#acessibilidade Foto de um smartphone na mão de uma pessoa. Na tela do smartphone há a frase «Aprender uma nova língua» escrita em branco sob um fundo azul claro.
Uma das habilidades mais requisitadas para pessoas que queiram um novo emprego ou uma promoção é saber uma segunda língua. Seja no Inglês, no Espanhol ou em qualquer outra, poder se expressar por meio da fala ou da escrita e entender um texto ou outro falante são habilidades que demandam tempo e esforço para desenvolvermos. É por isso que sites e aplicativos de aprendizado de línguas têm sido desenvolvidos. Poder aprender qualquer língua, em qualquer lugar, por meio de seu smartphone, computador ou outro aparelho é muito proveitoso, mas será que estes recursos realmente são eficazes?
Primeiramente, vamos entender como eles funcionam. A maioria dos aplicativos costumam ensinar por meio de temas, geralmente classes de objetos (saudações, cômodos da casa, vocabulário sobre escola…). Em cada tópico são apresentadas palavras, que podem vir acompanhadas com um exemplo de uso. Vamos chamar esta etapa de “treino”.
Após este período, podem ser apresentadas perguntas que variam entre ouvir uma palavra e dizer qual foi a palavra pronunciada, tendo que escrevê-la, repeti-la por áudio ou escolher a opção correta entre algumas alternativas; ou, dada a palavra na língua que deseja-se aprender, apontar sua tradução para sua língua materna, e vice-versa. Com o passar do tempo, o acúmulo de vocabulário lhe permite montar frases simples. Uma vez respondida a pergunta, o aplicativo ou site mostra a resposta correta. Toda esta parte de uso das palavras aprendidas no período de treino vamos chamar de “teste”. Esse sistema se repete em vários aplicativos com algumas variações.
Exemplo do funcionamento padrão de alguns aplicativos de aprendizado de línguas.
Esse tipo de funcionamento não é aleatório, está ligado a uma das teorias que influenciou e continua influenciando programas de educação, a psicologia e a neurociência: o behaviorismo, ou comportamentalismo. Esta abordagem está fundamentada na visão de que o ser humano, bem como outros animais, aprende por meio da associação de um estímulo e uma resposta. De maneira bem simplificada, quando estamos no período de treino aprendemos a associar a nova palavra com seu uso, de forma que, quando passamos para o período de teste, ao receber a pergunta (estímulo) damos como resposta o uso da palavra esperada (resposta). Se a nossa resposta é dita ser correta, reforçamos esta relação estímulo-resposta (E-R), caso seja considerada errada temos um enfraquecimento da relação E-R, de modo que evitamos o erro.
Podemos encontrar como análogo em nosso corpo o funcionamento dos neurônios que ao se conectarem podem ter estas conexões fortalecidas ou enfraquecidas conforme as usamos. São estas conexões que chamamos de sinapses e a capacidade de mudança destas ligações é o que é conhecido como plasticidade. Esta característica natural conduz o nosso aprendizado, sendo maior na infância. Por isso é mais fácil aprender uma nova língua sem sotaque quando criança e mais difícil após os 6 anos e adolescência, mas nunca impossível, pois a plasticidade não para de ocorrer.
Esta percepção de aprendizado por meio de reforços foi introduzida por Edward L. Thorndike (1874-1949), mas se popularizou com as aplicações dadas à educação por Burrhus Frederic Skinner (1904-1990). A partir desta teoria, e de outros conceitos mais profundos, a abordagem behaviorista mostrou a necessidade de apontar que:
- O aprendizado do conhecimento deve ser desenvolvido em pequenas partes (temas, módulos) de modo que o estudante tenha que passar por níveis.
- O estudante deve ter um papel ativo para que o aprendizado ocorra, sendo que cada um tem seu próprio ritmo de aprendizado.
- A verificação das respostas deve ser imediata, para que o estudante associe corretamente a relação E-R.
Familiar? Os aplicativos e sites usam desta abordagem para criar um programa de ensino que possa ser amplamente difundido, mas deixe-me perguntar novamente: esse método é eficaz?
Nosso cérebro é um órgão fantástico, lógico que algumas horas de treino e teste todos os dias, por algumas semanas, meses ou mesmo anos, vão trazer algum tipo de conhecimento. Podemos aprender a gramática da língua e memorizar novas palavras por este método, mas a linguagem não se limita a isso.
Pensemos em como aprendemos nossa língua materna. Poucas devem ter sido as vezes que alguém ficou explicando o que cada palavra significava a você. Em sua grande maioria, aprendemos novas palavras por meio do contexto, de seu uso cultural. Noam Chomsky, um dos principais linguistas do mundo e criador da teoria Gerativista, diz que temos, ainda quando crianças, um Dispositivo de Aquisição da Linguagem que permite com que aprendamos qualquer língua, dependendo do contexto social em que estamos (ex. no Brasil ou no Japão, no Nordeste ou no Sudeste), como uma gramática universal.
Um dos análogos neurológicos que encontramos é a diferenciação de sons que temos quando adultos. Uma criança escuta e pode reproduzir qualquer som pertencente a qualquer língua, entretanto, quando crescemos o nosso cérebro dá preferência para sons presentes na língua que falamos, tornando mais difícil reconhecer e diferenciar sons que não existem na nossa língua mas que são recorrentes em outros. Precisamos conviver com a língua para podermos identificá-la, por isso a exposição à língua, ou “imersão” como gostam de chamar, é tão importante. É esse convívio que gerará novas conexões neurais.
Pensando nisso, o que estaria faltando nos aplicativos e sites para tornar o aprendizado de uma nova língua uma experiência mais orgânica? Estaríamos alcançando este aspecto social, os contextos em que as palavras aparecem (mais profundamente do que uma simples frase)?
Aplicativos com outras abordagens têm surgido, considerando não um jogo de pergunta e resposta, mas dando-nos contexto por meio de um vídeo, de um trecho pequeno de um livro ou um artigo de jornal, fazendo-nos participar em conversas por texto, áudio ou vídeo com outros falantes ou inteligências artificiais. Tais mudanças visam alcançar os aspectos que os usuários do behaviorismo costumavam deixar de fora, ou não dar tanta importância, e que em uma aula ou viagem vivenciamos com maior intensidade.
O aprendizado de uma segunda (terceira, quarta…) língua parece ter impactos benéficos em nosso encéfalo: o incremento da memória de curto-prazo, a oportunidade de criar outras formas de representação mental usando ambas as línguas e uma maior criatividade. Além disso, nos proporciona novas experiências, como conseguir aquele emprego ou promoção que você pode estar esperando. Por isso, não se canse e lembre-se:
- Input é essencial, ouça músicas, leia o máximo que puder, tente assistir filmes e programas na língua que quer aprender (vale com legenda na sua língua e na língua que quer aprender).
- O nosso cérebro muitas vezes identifica a nova língua com a sala de aula ou aplicativo, por isso é importante procurar usar a língua em outros contextos.
- Aprender um pouco todos os dias é mais efetivo do que querer aprender tudo de uma vez.
- Se está chato, dê um descanso. Sua motivação e os sentimentos que temos quando aprendemos também influenciam no quanto de informação memorizamos.
- Dedique o tempo para aprender uma nova língua somente para ela. Nossa atenção é um recurso limitado, quanto mais a dividimos com outras coisas (televisão, redes sociais, música, tarefas), menos aprendemos. Tenha foco.
- E se for usar um aplicativo, não se esqueça de usar abordagens que se aproximam mais da realidade. Pode ser mais difícil, mas os resultados vão ser melhores.
Fontes:
Fonte da imagem: Telefone Smartphone Maquete – Foto gratuita no Pixabay (editado)
DO AMARAL TEIXEIRA, Luciana. A hipótese da neutralidade teórica e os objetos de aprendizagem para o ensino da língua inglesa: um estudo de caso. 2008. Tese de Doutorado. PUC-Rio.
Friederici, A. Language in our Brain (2017). MIT.
MOREIRA, M. A. Teorias de aprendizagem. São Paulo: EPU, 2009.
MARTINS, S. A., ZIMMER, M. O papel do bilinguismo e da escolaridade no desempenho linguístico-cognitivo de idosos longevos. (2009). Letrônica, 2(1), 212-230.
Outros divulgadores:
Vídeo Como aprendemos uma segunda língua do canal Nerdologia no YouTube
Vídeo Como seu cérebro muda ao falar outros idiomas do canal BBC News Brasil no YouTube