#acessibilidade Foto de um adolescente dormindo em cima de um livro.
7 da manhã. O sinal toca. Aula de matemática. A professora passa pelo corredor, estranhamente quieto, carregando seu copo de café e alguns cadernos. Ainda no corredor, percebe que a porta da sala está aberta. Se não fosse pelos ruídos de giz riscando a lousa, poderia jurar que a escola está vazia. Ao entrar na sala, se depara com 40 alunos com a cabeça deitada na mesa. Alguns já estão dormindo, outros se esforçam para se manter acordados, tomando café ou vendo se há algo interessante no Twitter…
Ficou surpreso(a)? A ciência não.
Se você é um adolescente ou se já passou por essa fase você deve saber que duas coisas mudam em relação ao nosso sono:
1. Acabamos dormindo mais
O sono é uma das mais importantes atividades que desempenhamos. Passamos ⅓ da vida dormindo, e ao contrário do que muitas pessoas pensam, não tem nada de errado nisso. Durante esse ⅓ da vida não somos “desligados”, pelo contrário, nosso cérebro está a todo vapor, regulando os nossos sistemas, preparando nosso crescimento, recuperando-se de um dia trabalhoso, e o mais importante para os estudantes: é durante o sono que as memórias são consolidadas à longo prazo.
A falta de sono, mesmo que em pequenas quantidades todos os dias, pode levar a problemas como o estresse e a instabilidade emocional. Isso porque durante a adolescência algumas partes do cérebro que controlam nossa impulsividade e regulação das emoções, como o córtex pré-frontal, estão passando por um processo chamado mielinização, ou seja, os neurônios estão sendo revestidos por mielina, uma substância que ajudará em seu funcionamento.
#acessibilidade Ilustração do cérebro dentro do crânio com córtex pré-frontal destacado em vermelho.
#acessibilidade Ilustração de um neurônio com a bainha de mielina destacada em azul.
Quanto ao tempo que devemos ou não dormir, como muitas coisas na vida: depende. Crianças costumam ter um tempo de sono mais curto conforme crescem, mas na adolescência não é estranho que alcancemos 10 horas de sono . Visto que as principais mudanças no nosso corpo e na nossa mente ocorrem durante essa fase, o cérebro precisa desse tempo de sono para se adequar. Quando já passamos dessa fase, como adulto, o tempo de sono é readequado de acordo com as necessidades do nosso corpo.
O que costuma acontecer entre adolescentes é que o tempo de sono não é suficiente e isso acaba trazendo prejuízos para o pleno desenvolvimento do cérebro.
Alguns diriam: “É só ir dormir mais cedo.”
É aí que entra nossa segunda mudança.
2. Os nossos horários de dormir e acordar são mais tarde
Por mais que o nosso corpo esteja vagando pela escola já bem de manhãzinha, só nos sentimos realmente despertos muito depois. O que causa esse tipo de experiência são os nossos ciclos hormonais. Todos os dias, nossos níveis hormonais sobem e descem, ajudando o corpo a se manter alerta e ter mais energia, como é o caso do Cortisol, ou preparando-o para uma boa noite de sono, tarefa da Melatonina.
#acessibilidade Gráfico mostrando a aproximação dos ciclos hormonais do Cortisol e Melatonina em seres humanos.
A questão é que esses ritmos hormonais mudam de acordo com nossa idade. Na adolescência, os níveis de Cortisol, que nos prepara para acordar, só começam a subir por volta das 6 da manhã, só atingindo um patamar razoável por volta das 9 horas dependendo da pessoa. Esses tempos costumam ser mais “atrasados” se comparados com os de um adulto ou criança. Uma maneira interessante para ver essas mudanças é a partir das animações feitas por um grupo de pesquisa da USP: Tempo na Vida – Each/USP.
#acessibilidade Gráfico mostrando a aproximação das diferenças entre adultos e adolescentes no ciclo do Cortisol ao longo do dia.
Os horários escolares, principalmente, costumam ser organizados de acordo com os horários que os pais possuem para levar e buscar os filhos e filhas no colégio e não determinados pensando no melhor para os alunos. Isso acaba fazendo com que alunos bocejando ou mesmo dormindo nas aulas, sem falar do consumo excessivo de cafeína, se tornem hábitos comuns.
Escolas de outros países passaram a adotar horários mais vespertinos para o início das aulas, principalmente para o ensino médio, como 8 horas da manhã e até 9 horas em alguns casos. Você pode ler sobre o caso dos Estados Unidos no livro “Sono na sala de aula», dos pesquisadores Fernando Mazzilli Louzada e Luiz Menna-Barreto.
Aqui no Brasil, a Rede Nacional de Ciências para a Educação (CpE), tem indicado no texto Educação baseada em evidências Análises, Sugestões e Propostas, de 2019, que «Há uma clara inadequação no horário de início das aulas. O horário das sete horas da manhã, bastante difundido em nosso país, é inadequado, principalmente para adolescentes, que apresentam maior dificuldade para antecipar o horário de início do sono noturno”.
Mas e você? O que você pode fazer para ajudar seu cérebro a ter uma boa noite de sono?
- Como explicamos, saiba que dormir mais tempo do que costumava e em um horário diferente é algo normal para sua idade e não há motivos para se sentir culpado por isso.
- Uma das coisas que faz os níveis de melatonina (aquele hormônio que te prepara pra dormir) aumentarem é a exposição à luz. Por isso procure fazer com que seu quarto seja um ambiente escuro e quieto quando for dormir. Além disso, vale aquela dica: a luz de celulares e computadores também não ajuda nessas horas.
- Seu cérebro também faz parte do seu corpo, por isso, uma boa alimentação e exercícios físicos (nem precisa ser algo intenso, somente algo para te colocar em movimento todos os dias) sempre ajudam.
- Alguns estudos mostram que uma boa soneca de tarde pode ajudar na memória e regulação do organismo.
- Cuidado com o consumo de cafeína, principalmente durante a tarde e durante a noite. A cafeína demora algumas horas para sair do nosso organismo e pode prejudicar nos horários que você dorme (saiba mais).
- Ler um bom livro antes de dormir pode te fazer muito bem. Além de aprendermos algo novo, quando lemos costumamos deixar nosso corpo em um estado mais relaxado, o que pode nos ajudar a entrar no sono mais facilmente.
Falando em ler, que tal dar uma olhada nos outros textos aqui do GEC. Garanto que você vai aprender muito. Só lembre de não se empolgar e ficar até tarde lendo no celular, ok?
Fontes:
Fonte da imagem destacada: Sleeping in School | MC Quinn | Flickr
Fonte da imagem 1: Polygon data were generated by Database Center for Life Science(DBCLS)[2]., CC BY-SA 2.1 JP, via Wikimedia Commons
Fonte da imagem 2: Imagem de mohamed Hassan por Pixabay
Fonte da imagem 3: Imagem feita pelo autor com base em Shutterstock
Fonte da imagem 4: Imagem feita pelo autor com base em Shutterstock
LOUZADA, Fernando; MENNA-BARRETO, Luiz. O sono na sala de aula: tempo escolar e tempo biológico. Rio de Janeiro: Vieira e Lent, 2007.
REDE NACIONAL DE CIÊNCIA PARA A EDUCAÇÃO. Educação baseada em evidências Análises, Sugestões e Propostas. 2019. Disponível em: http://cienciaparaeducacao.org/wp-content/uploads/2019/07/livro-2019-online.pdf
Outros divulgadores:
Por que aquele saboroso cafezinho espanta o nosso sono? (V.2, N.12, P.5, 2019) (texto)
Dicas de um pai neurocientista para lidar com os adolescentes – BBC News Brasil (texto)
Vídeo 3 estratégias simples para melhorar sua CONCENTRAÇÃO, DISPOSIÇÃO e APRENDIZADO | Episódio #1 do canal A culpa é do Cérebro no YouTube
Sono e aprendizagem: o que diz a neurociência (texto)
Vídeo Sono e Sonhos do canal da UFABC no YouTube, produzido na Semana do Cérebro 2021
Vídeo Why can’t we sleep? da série Glad you asked? do canal da Vox no YouTube (legendas em português)