#acessibilidade Foto de um homem utilizando uma máscara com as cores do arco-íris.
Primeiramente este aqui que vos escreve gostaria de explicitar meus recortes de privilégios e me colocar no local de fala de homem branco cisgênero que atende a maior parte das “exigências”/expectativas heteronormativas da sociedade. Mas porque alguém abre um texto desta natureza com esta informação?
Talvez valha a pena começar a explicação pela (re)apresentação do conceito de interseccionalidade. Esta é pensada como uma categorização teórica que focaliza múltiplos sistemas de opressão que agem sobre grupos de vulnerabilidade social, tais como o racismo, machismo, LGBTQIA+fobia e seus desdobramentos, capacitismo, etc. A interseccionalidade então evidencia que as diversas pessoas dentro da comunidade LGBTQIA+ podem sofrer com múltiplos sistemas de opressão diferentes que intensificam ainda mais a vulnerabilidade destes. Estes sistemas de opressão se instalam dentro da estrutura de exploração patriarcal-racista-capitalista constituindo um sistema de opressão-exploração.
Assim, cada um dos sistemas vulnerabiliza os indivíduos tendo como eixo central a questão de classe e os diversos desdobramentos que intensificam a agressividade sobre o indivíduo de acordo com o número de sistemas de opressão que você integra e quais são eles. Lembrando que, pra quem não se enquadra nos padrões cisgêneros heteronormativos, além da opressão familiar, em alguns casos as condições estruturais da sociedade o colocam em mais desigualdade, em especial no enfrentamento à COVID-19. Isso fica evidente nas formas de exclusão da própria comunidade ao acesso ao mercado de trabalho para as pessoas transsexuais e transgêneras, muitas vezes abandonadas a própria sorte e relegadas à prostituição.
#acessibilidade Tirinha de 2019 assinada pelo quadrinista Ribs sobre visibilidade. À esquerda uma mulher usando uma camiseta com o símbolo de Vênus usa uma lupa para enxergar a letra L, minúscula em relação às outras. Em seguida a letra G, enorme, está pintada com as cores do arco-íris. A letra B, um pouco menor, é pintada de branco e aparece quase invisível. Por último, a letra T é representada por uma cruz preta deitada sobre uma poça de sangue.
Esta exclusão é um dos exemplos, a invisibilização e a padronização são outras formas de agressão e sempre duram no limite na capacidade de monetização do capital, afinal, se der pra lucrar com o preconceito serão preconceituosos, mas se der mais lucro associar-se à bandeira LGBTQIA+ é pra lá que eles vão. Na dúvida, tente ir a fundo e ver o quadro de funcionários e se as posições que ocupam nestas empresas respeita a diversidade como um todo, ou se ela foca no homem branco cisgênero heteronormativo preferencialmente.
#acessibilidade À esquerda print do perfil do Facebook do Bando Itaú com a bandeira do arco-íris em homenagem ao Dia Internacional do Orgulho LGBT, à direita print da manchete «Gerente do Itaú é demitido depois de postar fotos beijando o namorado» com uma foto da fachada do banco.
É importante ressaltar que, para muitos integrantes desta comunidade, a estrutura familiar exerceu durante a nossa formação como seres humanos um ambiente pouco saudável e muitas vezes nada subsidiador da formação psicológica sem traumas. E muitas famílias continuam exercendo este papel até hoje, logo, estar em quarentena, para muitos, é estar preso em um ambiente que te é agressivo, um ambiente com seus assediadores pertencentes à estrutura familiar. E ainda quanto mais longe do modelo/padrão idealizado, mais marcas tendem a ficar nas pessoas que estão fora deste molde.
Claro, pressupondo que todos têm casa e que nenhuma família condena seus membros LGBTQIA+ à rua e ao abandono afetivo. Nestes cenário, nós precisaríamos abrir um parênteses só pra discutir o cumprimento do artigo 1º, inciso III da Constituição Federal, que garante a dignidade da pessoa humana, e o artigo 7º, inciso IV, da mesma carta magna, que descreve as necessidades primordiais que o Estado deveria garantir a todas(os) trabalhadoras(es) e contempla entre eles o direito à moradia. Ambos os direitos são descritos como fundamentais para a constituição do Estado Democrático de Direito, entretanto, discorrer estes temas levariam por si só um texto cada um a parte de uma pessoa mais especializada nestes temas do que eu.
#acessibilidade Tirinha da quadrinista Laerte em que há um recipiente um monte de pessoas de todos os tipos e dois homens brancos de terno e uma mulher puxam esse recipiente de forma a despejar todas essas pessoas em direção a um molde de família, onde há espaço para um homens e uma mulher adultos padrões e um menino e uma menina.
De doença a conquista de (poucos e tardios) direitos
O dia 28 de junho, o próximo domingo, é um dia emblemático para a causa. Se comemoram 51 anos da Revolta de Stonewall, um marco nesta dura escalada na busca de direitos represados. Já tive a oportunidade de escrever sobre esta data em outro texto neste blog, então vou tentar focar em outras questões desta vez para não parecer repetitivo.
No último 17 de maio completou-se 30 anos que a OMS (Organização Mundial de Saúde) retirou a homossexualidade da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID). Para as pessoas transexuais apenas ano passado, em 25 de maio de 2019, que a transexualidade, até então doença mental, foi retirada desta lista e o CID continua a existir apenas com a finalidade que as pessoas consigam fazer a transição pelo sistema de saúde.
Os membros da comunidade LGBTQIA+ sofrem além de todos os tipos de violência citados, a ocultação da real causa da suas mortes, uma vez que os dados do governo são questionados pela comunidade internacional e por grupos de defesa dos diretos, como o GGB (Grupo Gay Bahia) e ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). No mundo ainda se morre apenas por ser LGBTQIA+ e, apesar da sensível redução de assassinatos em 2019, os número de 2020 pré-COVID já apontavam um forte aumento de assassinatos deste grupo de pessoas. Estes grupos e coletivos ainda tem lutado em muitos estados e municípios pela criação dos conselhos LGBTQIA+ e que estes sejam representativos para fiscalização e proposição de políticas públicas, o que tem acontecido de forma bem lenta pelo Brasil afora.
Outro exemplo se dá na equiparação da LGBTQIA+fobia ao crime de racismo apenas ano passado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), o que seria, apesar de tardio, um grande avanço se não fosse o fato deste crime não ter um condenado até hoje, já que todos os casos foram tratados como injúria racial que coincidentemente tem a pena bem mais branda.
Ainda no campo dos direitos que estão tardiamente sendo reconhecidos, podemos destacar que a possibilidade de doação de sangue foi conquistada apenas há poucos dias. [Ironia] Nada mal para quem só teve a presença garantida no CENSO a partir de 2010. [/Ironia] Isso pode parecer pouco, mas durante o avanço que vivemos de neopentecostais fundamentalistas em todos os poderes da nação e na consequente perda (ou não avanço na conquista) de direitos, é uma vitória.
Este momento que vivemos é tenebroso para todos, mas acredito que tenha ficado claro, mesmo que de forma superficial e sem ouvir demais representantes das outras letras da sigla, como os poucos direitos conquistados e a vulnerabilidade pré-COVID intensificam a exposição da nossa comunidade LGBTQIA+ a este segundo genocídio promovido por Bolsonaro e Mourão. Entretanto, num momento deste que a garantia da vida deveria estar acima dos lucros, assistimos a um governo hostil a sua própria população, provocando genocídio e capaz de ser generoso apenas com o sistema financeiro e bancário.
Assim, acredito eu que não podemos defender quem nos tira direitos e legitima a violência contra nós, como Bolsonaro, tão pouco quem nos trata como moeda de troca, já que o kit para combater a LGBTQIA+fobia foi retirado de pauta na busca por apoio pelo governo Dilma.
Uma saída? Vamos de solidariedade e inclusão! De corpo, alma e coração, pois, sem a ampla defesa dos diversos integrantes da nossa comunidade dotados de recortes de vulnerabilidade hoje, não teremos forças suficientes amanhã para as lutas que nos aguardam no pós-COVID-19. E mesmo se tivermos, não valerá a pena chegar até lá perdendo a nossa pluralidade.
#acessibilidade Infográfico feito pela empresa Bluevision sobre O que significa a sigla LGBTQIA+. Acima o título «O que significa a sigla LGBTQIA+?», ao lado de «Movimento político e social de inclusão de pessoas de diversas orientações sexuais e identidade de gênero tem uma sigla repleta de letras. Entenda o que elas significam e a importância que elas têm» e logo abaixo «Nascido sob a sigla GLS, o movimento político e social de inclusão de pessoas de diversas orientações sexuais e identidades de gênero mudou muito e passou a incluir pessoas não heterossexuais e não cisgênero. Assim, sua sigla cresceu e incorporou diversas letrinhas – todas elas igualmente importantes, mas várias desconhecidas por muita gente. Entenda o que significa cada uma delas e qual o sentido do «+» em seu final. Abaixo há ilustrações de cada letra. O L, pintado de laranja, está associado ao símbolo duplo de Vênus, que representa a homossexualidade feminina, e com a descrição «Lésbicas, mulheres que sentem atração afetivo/sexual pelo mesmo gênero». O G, pintado de roxo, está associado ao símbolo duplo de Marte, que representa a homossexualidade masculina, e com a descrição «Gays, homens que sentem atração afetivo sexual pelo mesmo gênero». O B, pintado de verde, está associado ao símbolo da bissexualidade, um símbolo de Vênus e um de Marte ligados formando um símbolo do infinito com um círculo ao centro atrás deles, e tem a descrição «Bissexuais, homens e mulheres que sentem atração afetivo/sexual pelos gêneros masculino e feminino. As pessoas que sentem atração afetiva/sexual por todos os gêneros se identificam como pansexuais. O T, pintado de vermelho, está associado ao símbolo universal transgênero, que mistura o de Vênus e o de Marte, com um círculo, uma seta na diagonal superior direita, uma cruz na parte de baixo e a união de uma seta e uma cruz na diagonal superior esquerda, e tem a descrição «Transexuais ou transgêneros, pessoas que se identificam com outro gênero que não aquele atribuído no nascimento, inclusive dentro do espectro não-binário. Trata-se de um conceito relacionado à identidade de gênero e não à orientação sexual/afetiva. A letra Q, pintada de azul, está associada ao símbolo não-binário, um círculo com uma reta saindo da parte superior e com um X em cima da reta, e com a descrição «Queer, pessoas que se auto identificam como gênero queer transitam entre os gêneros feminino e masculino ou em outros(s) gênero(s) no(s) qual(is) o binarismo não se aplica. O termo faz referência à teoria queer, que afirma que orientação sexual e identidade de gênero são o resultado de uma construção social e não de uma funcionalidade biológica. A letra I, pintada de roxo, está associada a um símbolo que mistura o de Vênus e o de Marte e com a descrição «Intersexo, pessoas cujo desenvolvimento sexual corporal – expressado em hormônios, genitais, cromossomos, e/ou outras características biológicas – não se encaixa na norma binária». A letra A, pintada de laranja, está associada a um círculo simples e com a descrição «Assexual, pessoas que não sentem atração afetiva e/ou sexual por outras pessoas, independentemente do gênero. O + tem a descrição «abriga todas as diversas possibilidades de orientação sexual e/ou de identidade de gênero que existam. Abaixo há o histórico da sigla, começando com GLS e a descrição «GLS foi a primeira sigla a identificar o movimento político e social da luta por direitos das pessoas homossexuais, bissexuais, transsexuais e/ou identificadas com qualquer orientação não heterossexual e/ou cisgênero. A sigla representa as inicias dos termos ‘gays’, ‘lésbicas’ e ‘simpatizantes’, em referência àqueles que apoiavam no movimento», GLBT e a descrição «A sigla foi atualizada para abarcar mais espectros da sexualidade e identidade de gênero que apenas ‘gays’ e ‘lésbicas’. Foram incluídas as letras ‘B’, para bissexuais, e ‘T’, para transexuais. A letra ‘S’ foi retirada, pois, embora o apoio dos simpatizantes seja considerado bem-vindo, entende-se que o protagonismo do movimento deve ser de seus próprios agentes.» e por fim LGBT com a descrição «Letra ‘L’ passou à frente da letra ‘G’ para acentuar a necessidade de buscar equidade de gênero, dentro da população LGBTQIA+.
Fontes:
Fonte da imagem destacada: Pablo Alvarenga / Agência O Globo
Fonte da imagem 1: Ribs
Fonte da imagem 2: print via Reddit
Fonte da imagem 3: Laerte Coutinho
Fonte da imagem 4: Bluevision