#acessibilidade: A imagem é uma fotografia de alta definição de uma joaninha vermelha, andando sobre uma folha.
Texto pela colaboradora Giovanna Torres dos Santos
Você já esmagou um mosquito sem pensar duas vezes? É uma atitude comum, automática. Afinal, são pequenos, insistentes, chatos. Mas você não faria isso com algo maior, com ossos, com sangue, como uma lagartixa ou um rato, faria? Talvez você até tenha pensado enquanto lia: “Ai! Coitado”. Você já se perguntou por que esse sentimento não aparece em se tratando de mosquitos, baratas, lagartas ou até borboletas? Talvez a falta de empatia ou culpa esteja relacionada a identificação de animais que sentem ou não sentem dor. Mosquitos, insetos, invertebrados em geral, sentem dor? Vamos ver o que a ciência tem a dizer a esse respeito!
Antes de tudo, é importante entender o que significa «sentir dor». A dor não é apenas uma reação física. Em seres humanos e outros animais, ela envolve processamento cerebral, emoções e consciência da experiência. Mas há também algo chamado nocicepção — uma resposta automática do organismo a estímulos potencialmente perigosos, como calor extremo ou cortes. Essa reação, presente em muitos seres vivos, ocorre mesmo sem consciência. A grande pergunta é: até que ponto os insetos vão além da simples nocicepção?
O assunto é muito mais complexo do que parece: os insetos não são apenas criaturas simples, quase mecânicas, com comportamentos puramente instintivos, como podemos pensar.
Pesquisadores têm observado comportamentos intrigantes em insetos. Um exemplo vem das larvas da mosca-das-frutas, a Drosophila melanogaster, uma velha conhecida dos laboratórios de genética. Quando essas larvas são expostas a temperaturas superiores a 38 °C, elas se contorcem em movimentos de rolamento — uma clara tentativa de escapar do calor. Isso indica que elas não apenas detectam um estímulo prejudicial, mas reagem de forma ativa e complexa a ele.
Mais impressionante ainda foi a descoberta do gene chamado painless. Em testes genéticos, cientistas identificaram que larvas com esse gene reagiam normalmente ao calor, enquanto aquelas com mutações no painless não mostravam nenhum comportamento de defesa. Esse gene produz uma proteína da família TRP (Potencial Transitório de Receptor), também presente em mamíferos, que está ligada à percepção da dor. E mais: essa proteína aparece em neurônios com ramificações muito parecidas com os receptores de dor que temos sob a pele. Ou seja, os insetos compartilham com a gente certos mecanismos biológicos básicos que permitem sentir estímulos nocivos.
A ideia de que insetos podem ter algo semelhante a emoções parecia absurda até pouco tempo. Mas um estudo com abelhas abalou essa certeza. Cientistas submeteram abelhas a um estresse agudo — uma agitação mecânica vigorosa. Depois, apresentaram a elas estímulos ambíguos, que poderiam ser interpretados como bons ou ruins. As abelhas estressadas passaram a ver esses estímulos de forma mais negativa, como se estivessem em um estado de pessimismo.
Isso é muito semelhante ao que ocorre em vertebrados sob estresse ou tristeza. Além disso, essas abelhas apresentaram níveis mais baixos de neurotransmissores como dopamina, octopamina e serotonina — substâncias ligadas ao humor e ao bem-estar em diversos animais, inclusive nós. É como se, de alguma forma, insetos também tivessem estados emocionais básicos, que influenciam seu comportamento.
Outro ponto relevante é que os insetos parecem ser capazes não apenas de perceber estímulos nocivos, mas também de modular essas sensações. Por exemplo, em um experimento com abelhas, os pesquisadores usaram gabapentina — um medicamento usado em humanos para tratar dores crônicas. O resultado? As abelhas tratadas com o fármaco tiveram respostas reduzidas a estímulos dolorosos. Esse efeito sugere que existe nos insetos algum tipo de sistema endógeno de controle da dor, semelhante aos que vemos em vertebrados.
Todas essas descobertas trazem à tona grandes questões éticas. Se os insetos podem sentir dor ou desconforto de forma consciente — mesmo que de maneira simples e rudimentar — devemos continuar ignorando isso, ou mudar o modo como os tratamos?
Hoje, insetos são usados em larga escala em diversas áreas:
- Na agricultura, são mortos em massa por pesticidas;
- Na indústria alimentícia, estão sendo incluídos como alternativa sustentável à carne;
- Em laboratórios, são usados em pesquisas genéticas e toxicológicas.
Dado esse contexto, é necessário perguntar: temos o direito de causar sofrimento a esses seres, mesmo que pequenos e diferentes de nós? A ciência ainda está iniciando estudos nesse sentido, mas o que já sabemos basta para começar uma reflexão séria sobre a forma como lidamos com os insetos. E não só com eles. Sabemos atualmente que outros artrópodes, como caranguejos e que também moluscos como polvos sentem dor. Alguns países incluíram regras de conduta em suas leis para evitar sofrimento desses animais utilizados na alimentação, por exemplo. Ao que tudo indica, invertebrados não são apenas engrenagens biológicas automáticas. Há indícios reais de que, à sua maneira, esses pequenos animais sentem o mundo ao seu redor — e isso pode incluir dor, medo e estresse. Em um mundo cada vez mais consciente do valor da vida, até os menores seres merecem ser vistos e respeitados. Só a possibilidade de realmente sentirem dor, já indica que está na hora de repensarmos nossas atitudes!
Referências
BATESON, Melissa; DESIRE, Suzanne; GARTSIDE, Sarah E.; WRIGHT, Geraldine A. Agitated honeybees exhibit pessimistic cognitive biases. Current Biology, v. 21, n. 12, p. 1070–1073, 2011. DOI: https://doi.org/10.1016/j.cub.2011.05.017.
GROENING, Jens; VENINI, Daniela; SRINIVASAN, Mandyam V. In search of evidence for the experience of pain in honeybees: A self-administration study. Apidologie, v. 38, n. 3, p. 344–353, 2007. DOI: https://doi.org/10.1051/apido:2007029.
NEELY, Gary G. et al. A genome-wide Drosophila screen for heat nociception identifies α2δ3 as an evolutionarily conserved pain gene. Cell, v. 143, n. 4, p. 628–638, 2010. DOI: https://doi.org/10.1016/j.cell.2010.09.047.
TRACEY, W. Daniel et al. painless, a Drosophila gene essential for nociception. Cell, v. 113, n. 2, p. 261–273, 2003. DOI: https://doi.org/10.1016/S0092-8674(03)00272-1.
Para saber mais:
Um mundo sem insetos seria bom?
Por que algumas pessoas sentem prazer na dor?
INSETOS SENTEM DOR?, por Vegflix, no YouTube
Sentimentos e emoções dos animais: somos tão diferentes assim?, Blog UFABC Divulga Ciência
Outros divulgadores:
Zoomundo, no YouTube