(Português do Brasil) Como mosquitos caminham sobre a água? (V.7, N.5, P.2, 2024)

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#acessibilidade: A imagem destacada é uma fotografia próxima de um mosquito sobre água.

Texto escrito pelos colaboradores Leticia Silva da Cunha, Maíra Guimarães Nobrega*, Mateus Zanotto*  (*pós-graduandos em Química na UFABC)

image1 - (Português do Brasil) Como mosquitos caminham sobre a água? (V.7, N.5, P.2, 2024)
Figura 1: Mosquito fêmea pousado sobre a água botando ovos.
#acessibilidade: Mosquito fêmea, um inseto com 3 pares de pernas bem longas, região anterior com olhos grandes e pretos e uma antena cheia de cerdas. No dorso um par de asas transparentes, abdômen alongado, pousado sobre superfície da água parada. É possível ver deformações na superfície da água no ponto em que as patas a tocam. A partir da região posterior do abdômen uma massa de pequenos ovos brancos alongados depositados de pé um ao lado do outro na superfície.

Você já viu mosquitos flutuando na água? São bastante comuns em locais de água mais calma, em remansos de rios e lagos. Se olhou de perto, percebeu que não estão boiando, mas sim pousados, ou como que caminhando sobre a água! Como pode? Será que acontece por que são leves? Ajuda, mas não é só isso! Segura, que lá vem química: mosquitos conseguirem caminhar sobre a água tem tudo a ver com como as moléculas de água se organizam. Embora moléculas de água sejam extremamente pequenas em relação ao mosquito, as interações entre essas moléculas fazem com que o líquido tenha uma estruturação muito especial.

Uma molécula da água é formada por uma parte mais positiva e outra mais negativa. Assim, as moléculas se atraem com uma força parecida com a de um ímã, formando uma rede em que a parte positiva de uma molécula puxa a parte negativa da próxima. Essa interação entre moléculas vizinhas é chamada de força intermolecular e, no caso especial da água, é uma força do tipo ligação de hidrogênio.

image3 - (Português do Brasil) Como mosquitos caminham sobre a água? (V.7, N.5, P.2, 2024)
Figura 2: Interações da água na superfície (setas vermelhas) e debaixo d’água (setas pretas)
#acessibilidade: Esquema com uma linha grossa azul escuro que divide a parte superior da figura branca, da parte inferior, azul clara. Na linha encontram-se dois pontos pretos com setas vermelhas apontando para as laterais e três setas pretas apontando para baixo, na parte azul clara. Na parte azul clara, dois pontos pretos com setas pretas apontando em todas as direções.

No meio do corpo d’água, cada molécula é atraída por outras moléculas em todas as direções. Já na superfície, cada molécula é puxada pelas moléculas que estão ao lado e abaixo. Acima só existe ar. O ar e a água têm dificuldade de interagir e a interação entre moléculas de água é muito forte – com isso, a força sobre as moléculas da superfície é maior e forma uma película, dada pela tensão superficial.

A tensão superficial é um fenômeno que pode ser observado na superfície de diversos líquidos, não apenas da água. Essa interação entre várias moléculas de água é especialmente forte por envolver o oxigênio que possui uma grande carga negativa e o hidrogênio que possui carga positiva. Porém, quando falamos de outros líquidos como o óleo, suas moléculas não possuem polos com tanta carga quanto a água e por isso também não interagem com a mesma intensidade. Então a tensão que surge na superfície do óleo é muito menor. O mosquito afundaria.

Podemos ver que a intensidade com que as moléculas interagem entre si e a tensão superficial estão relacionadas. Quanto maior a intensidade das forças de interação entre as moléculas, maior a tensão na superfície do líquido. A tensão superficial também explica porque as gotas de água são esféricas, já que essa forma é simétrica e isso permite que todas as águas da superfície sejam puxadas pelas vizinhas com a mesma intensidade.

image2 - (Português do Brasil) Como mosquitos caminham sobre a água? (V.7, N.5, P.2, 2024)
Figura 3: Uma gota caindo e formando uma esfera por causa da tensão superficial
#acessibilidade: Imagem sequencial de uma gota sendo formada até se desprender da superfície e cair, ressaltando o formato arredondado.

Assim, a tensão superficial é que permite a água suportar um mosquito. Além disso, a parte das patas do mosquito que tocam a água, denominada de tarso, é longa e flexível. Isso permite que o mosquito se posicione e distribua melhor seu peso sobre a água, o que é essencial para não quebrar a película. A água pode aguentar até 50 gramas distribuídos em 1 m². Os mosquitos usam essa vantagem a seu favor, tanto para andar sobre a água, como para depositar seus ovos sobre ela (Figura 1). As larvas vivem na água antes de se transformarem em mosquitos adultos e respiram através de uma estrutura no final do abdômen que lembra um funil, cuja ponta fica para fora da água quando estão respirando (Figura 4). Eles podem pousar em qualquer recipiente e depositar os ovos sobre a água parada ou nas bordas úmidas próximas, sem correr o risco de se molhar.

image4 - (Português do Brasil) Como mosquitos caminham sobre a água? (V.7, N.5, P.2, 2024)
Figura 4: Larvas do mosquito Aedes aegypti posicionadas na superfície da água respirando
#acessibilidade: Imagem de três larvas de mosquito da dengue, são insetos alongados e com corpo segmentado, sem patas. Saem cerdas pretas de cada segmento. Ficam com a cabeça voltada para baixo, dentro da água e a ponta do abdômen na linha entre a água e o ar

Vimos então que os mosquitos são leves o suficiente e distribuem seu peso para ficar em cima dessa película sem quebrá-la. Com isso, uma das opções de controle e prevenção de doenças transmitidas por mosquitos é focar na fase aquática do ciclo reprodutivo, por meio de ações que eliminam objetos que acumulem água parada, como pneus e garrafas, como também aplicando larvicidas nesses locais.

Uma forma de quebrar a tensão superficial é diminuindo as forças intermoleculares. Por exemplo, ao pingar detergente na água, parte dele se liga à água e a outra parte repele (a parte que se liga à gordura quando lavamos louça). Isso atrapalha a interação atrativa que existia na água pura e consequentemente diminui a tensão superficial. Inclusive, existem cientistas que estudam combater a dengue desenvolvendo detergentes biodegradáveis baratos para impedir que o mosquito pouse na água ou que ovos e larvas flutuem! Em se tratando da dengue, isso não prejudicaria outros animais, já que o mosquito Aedes aegypti é um mosquito essencialmente urbano. Mas se essa ideia se espalhar, outros animais que andam sobre a água (sim, aranhas e até pequenos lagartinhos também conseguem) podem ser prejudicados. Então, ajude a quebrar a tensão sobre a dengue e nada de água parada!

Fontes:

Fonte da imagem destacada: Freepik

Figura 4: https://www.cdc.gov/mosquitoes/about/life-cycles/aedes.html

Mosquito encurralado: detergente biológico combate o mosquito da dengue https://www.em.com.br/app/noticia/tecnologia/2014/08/09/interna_tecnologia,556758/mosquito-encurralado-detergente-biologico-combate-o-mosquito-da-dengue.shtml

BATISTA, Carolina. Forças intermoleculares. Toda Matéria, [s.d.]. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/forcas-intermoleculares/

FOGAÇA, Jennifer Rocha Vargas. «Ligações de Hidrogênio»; Brasil Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/quimica/ligacoes-hidrogenio.htm

H., Nick A. Romero. Animais que andam sobre a água. Perito Animal, [S. l.], p. 1-1, 20 dez. 2022. Disponível em: https://www.peritoanimal.com.br/animais-que-andam-sobre-a-agua-23942.html

KOTZ, John C.; TREICHEL JR., Paul M. Química Geral 1 e reações químicas. v. 1. São Paulo: Thomson Learning/Pioneira, 2005.

MINISTÉRIO DA SAÚDE (Brasil). 42% dos criadouros do mosquito da dengue estão
em depósitos de água para consumo humano. Gov.br, [S. l.], p. 1-1, 3 nov. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2022/maio/42-dos-criadouros-do-mosquito-da-dengue-estao-em-depositos-de-agua-para-consumo-humano

RUSSEL, John B. Química Geral. São Paulo: Makron Books, 1994. 2v.

ZARA, Ana Laura de Sene Amâncio et al . Estratégias de controle do Aedes aegypti: uma revisão. Epidemiol. Serv. Saúde,  Brasília ,  v. 25, n. 2, p. 391-404,  jun.  2016 . Disponível em <http://scielo.iec.gov.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1679-49742016000200391&lng=pt&nrm=iso>.  http://dx.doi.org/10.5123/S1679-49742016000200017

Para saber mais:

Portal Fiocruz: Dengue
Dr. Dráuzio: Fases da Dengue

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