(Português do Brasil) DNA em Casa: Explorando as controvérsias dos Kits de Testes caseiros (V.8, N.9, P.3, 2025)

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#acessibilidade: Com tons roxos, a imagem é uma ilustração digital com 3 hélices de DNA inclinadas para a esquerda. Fonte: Freepik

Texto escrito pelos colaboradores Gabriel Cordeiro dos Santos e Ana Paula Mattos Arêas

Desde as primeiras leis da genética, propostas por Mendel em 1866, até o mapeamento do genoma humano nos anos 2000, a genética tem sido o fascínio de diversas áreas, científicas ou não. Essa popularização inundou as produções hollywoodianas e consigo o imaginário popular. Logo, produções e produtos que exploravam técnicas envolvendo temas científicos como genoma; DNA; mapeamento e até melhoramento genético tomaram as prateleiras em um novo segmento de mercado. Um exemplo claro é o do sequenciamento de genomas, com custos cada vez menores, e a produção de glamurosos kits rápidos de testes de DNA que chegam diretamente à casa dos consumidores.

Esses kits apresentam por nome técnico: Testes de DNA direct-to-consumer (DTC), ou seja, testes de DNA que são disponibilizados diretamente aos consumidores sem qualquer intermédio médico ou de saúde. Eles tomaram o mercado com a proposta de mapear as nacionalidades e etnias ancestrais do consumidor – indicando a genealogia deste indivíduo – ou, então, oferecer a possibilidade de monitoramento de saúde e bem-estar. Imagine que você é um consumidor e deseja descobrir suas predisposições genéticas para a manifestação de alguma doença específica, seja por questões familiares ou, unicamente, por curiosidade. Basta, então, encaminhar-se a um website e solicitar um kit, que será enviado prontamente à sua casa. Siga o manual de instruções da caixa e, após a coleta, o envio e a análise do material, você receberá em seu smartphone um “laudo” simplificado com a história dos seus genes e seus possíveis acometimentos ligados aos genes. Sem necessidades de um médico, hospitais ou então agulhadas. Alguns serviços adicionais incluem a busca por parentes ao longo do planeta e até melhores atividades físicas com base em seu genoma, sendo este último controverso – para dizer o mínimo – por não haver muitos trabalhos mostrando a correlação (e causalidade) entre exercícios e os seus genes. Para entender a diferença entre correlação e causalidade, acesse outro texto do blog nesse link.

Embora pareça vantajosa, a facilidade proporcionada pela medicina preditiva – que utiliza informações genéticas para exames e tratamentos confiáveis – pode ocultar questões éticas importantes, como a privacidade do consumidor e a confiabilidade dos resultados. A principal diferença entre testes DTC e clínicos está na complexidade biológica considerada. O diagnóstico de doenças genéticas exige análises detalhadas, incluindo fatores que muitos testes-DTCs ignoram, comprometendo a precisão dos resultados. 

Uma dessas questões é avaliar se a doença ou as características analisadas ocorrem pela presença de uma única ou mais mutações nos genes. As características incidentes por uma única mutação são chamadas de heranças monogênicas, e esses diagnósticos são, geralmente, mais simples e assertivos, por buscarem detectar um único alvo. Entretanto, a grande maioria dos acometimentos genéticos são ocasionados por mais de uma mutação, e levam em conta questões ambientais para a sua manifestação – herança multifatorial. Sendo assim, não se busca apenas um gene responsável pela condição, mas, um conjunto que melhor a descreve, limitação considerável para testes DTCs.

Logo, se, em algumas destas “facilidades”, um cliente recebe em seu smartphone o indicativo da possibilidade de manifestação de uma doença como o diabetes tipo 2 (condição multifatorial), ele será exposto a uma informação incompleta e potencialmente questionável. Pois, para manter o custo, os testes limitam as análises a um ou dois genes, o que ignora a complexidade dos fatores envolvidos. Este episódio poderia gerar um nível de estresse desnecessário para o consumidor, além de violar o princípio da «não maleficência» – conceito da bioética que estabelece a obrigação dos setores de saúde de evitar ou, pelo menos, minimizar os danos ao indivíduo. 

Outro cenário que se apresenta consiste na utilização dos testes apenas para pesquisas de ancestralidade, como a investigação das origens étnicas e geográficas de uma pessoa. Neste caso, os dados genéticos do indivíduo são coletados e comparados com bancos de dados, revelando conexões ancestrais e traços genéticos que compõem a sua história. Embora a motivação seja válida, especialmente para aqueles que buscam indícios de parentalidade, surgem preocupações relacionadas à privacidade e ao controle desses dados. Em 2024, por exemplo, ocorreu o vazamento de informações genéticas de 14 milhões de pessoas pela empresa norte-americana 23andMe. Criminosos acessaram contas, dados pessoais e percentuais de DNA compartilhados com parentes, direcionando o ataque a indivíduos de ascendência chinesa ou judaica.

Outro ponto de debate reside na comercialização de informações genéticas, como destacado no portal Genetic Literacy Project. Nesse contexto, dados genéticos são vendidos para instituições de pesquisa sem notificação ou consentimento formal dos usuários. Essas informações podem ser usadas para o desenvolvimento de produtos de saúde, mas, frequentemente, os fornecedores dos dados não recebem benefícios ou garantias relacionadas aos resultados obtidos. Além disso, se um parente decide vender seus dados genéticos, expondo informações que afetam outros membros da família, surgem questões éticas sobre privacidade e o direito ao não consentimento familiar. 

Desta forma, os kits de testes genéticos DTC oferecem maior acessibilidade às informações genéticas, mas levantam sérias questões éticas, científicas e sociais. A falta de regulamentação, a simplificação de condições genéticas complexas e os riscos à segurança da privacidade de dados evidenciam a necessidade de supervisão e estabelecimento de uma legislação específica. A comercialização e o uso de dados sem consentimento adequado ameaçam direitos individuais e familiares, especialmente daqueles em situação de vulnerabilidade, reforçando a importância de proteger a privacidade e a integridade dessas informações, como direitos fundamentais inalienáveis. O equilíbrio entre o avanço tecnológico e a responsabilidade ética é essencial para que o uso dessa tecnologia seja seguro, confiável e assegure a autonomia, unicidade e dignidade de cada pessoa.

Referências

BBC NEWS BRASIL. E se você pudesse descobrir com qual probabilidade terá uma doença no futuro? Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/vert-cap-47926294. Acesso em: 24 jun. 2025.

GENETIC LITERACY PROJECT. Selling yourself: there’s a growing market for your DNA data. Disponível em: https://geneticliteracyproject.org/2019/01/08/selling-yourself-theres-a-growing-market-for-your-dna-data/. Acesso em: 24 jun. 2025.

O GLOBO. Empresa de testes genéticos deverá pagar R$ 165 milhões por vazamento de dados de clientes nos EUA. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2024/09/17/empresa-de-testes-geneticos-devera-pagar-r-165-milhoes-por-vazamento-de-dados-de-clientes-nos-eua.ghtml. Acesso em: 24 jun. 2025.

REIS, André F.; VELHO, Gilberto. Bases genéticas do diabetes mellitus tipo 2. Arquivos Brasileiros de Endocrinologia & Metabologia, v. 46, p. 426-432, 2002.

SALLES, Alvaro Angelo. Aspectos éticos dos testes preditivos em doenças de manifestação tardia. Revista Brasileira de Saúde Materno Infantil, v. 10, p. s271-s277, 2010.

SCHAEFER, G. Bradley; THOMPSON, James. Genética Médica: uma abordagem integrada. Porto Alegre: AMGH Editora, 2015.

STIVAL, Sephora Luyza Marchesini. Genética recreativa: os testes genéticos direct-to-consumer em Portugal. Cadernos Ibero-Americanos de Direito Sanitário, v. 9, n. 3, p. 123-152, 2020.

Para saber mais: 

Canal Pesquisa FAPESP. O que é o DNA? Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=ij5SRxp3neo. Acesso em: 24 jun. 2025.

COX, David. Como genética influencia nossas escolhas de vida. BBC News Brasil, disponível no link: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c0jp9l8k8geo. Acesso em: 24 jun. 2025.

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