Você já ouviu falar de plantas de sexos distintos? Conheça mais os capixim (V.6, N.12, P.4, 2023)

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#acessibilidade: Imagem de um ramo da planta Macropeplus friburgensis, apresentando folhas verde-escuro e um conjunto de flores masculinas com quatro tépalas brancas e alongadas de aparência carnosa.

Texto escrito por Gustavo Santos de Souza da Universidade Federal de Uberlândia, Joelcio Freitas da  Instituto Nacional da Mata Atlântica & Elton John de Lírio  da Universidade de São Paulo, Instituto Tecnológico Vale e Universidade Federal do ABC 

Capixim, canema, gema-de-ovo e mata-olho-branco são nomes populares de plantas da família Monimiaceae. Este grupo de plantas possui cerca de 250 espécies que ocorrem principalmente em regiões tropicais do mundo. Elas podem ser arbóreas ou arbustivas, raramente lianescentes, isto é, plantas que crescem apoiadas às árvores, como os cipós. Nesse grupo, também se encontra o boldo-chileno, planta amplamente utilizada como fitoterápico no Brasil.

As plantas do grupo do capixim possuem uma grande variação morfológica. As folhas geralmente possuem “dentes” na margem, lembrando os dentes de um serrote, mas a quantidade e o formato do dente variam entre as espécies. A presença dessa característica é muito importante para saber se uma espécie pertence a esse grupo. Outra característica importante do grupo é que as flores são raramente bissexuadas, apresentando o órgão masculino e o feminino, e são denominadas flores “bissexuadas” (Figura 1). Plantas que apresentam flores bissexuadas são cerca de 75% das plantas com flores. Mas o grupo do capixim está entre os 6-7% de plantas que apresentam mais frequentemente flores unissexuadas, ou seja, cada flor possui um único sexo. As flores masculinas podem estar em um indivíduo e a flores femininas em outro – estas plantas são chamadas de “dioicas” (Figura 1), e também podem ocorrer flores masculinas e femininas em um único indivíduo – estas plantas são chamadas de “monoicas” (Figura 1). 

esquema dos sistemas sexuais - Você já ouviu falar de plantas de sexos distintos? Conheça mais os capixim (V.6, N.12, P.4, 2023)

Figura 1. Esquema dos sistemas sexuais mais comuns em plantas com flores. Autor da imagem: Nefronus (2023) – CC BY-SA 4.0. Adaptado por: Joe Fonseca.

#acessibilidade: Imagem apresenta esquema que exemplifica os sistemas sexuais mais comuns das plantas com flores. Estão representados quatro ramos verdes com extremidade em V e em cada uma delas estão representadas flores com partes femininas e masculinas ou só femininas ou só masculinas. No caso de plantas com flores bissexuadas, cada extremidade apresenta uma flor com partes masculinas e femininas, no caso de plantas monoicas, em uma extremidade do ramo há uma flor somente com parte masculina e na outra uma flor somente com partes masculinas. No caso de plantas dioicas há um ramo com flores que apresentam somente partes femininas nas duas extremidades e outro ramo que apresenta flores somente com partes masculinas nas duas extremidades.

No Brasil ocorrem 43 espécies do grupo do capixim. O maior número de espécies se encontra na Mata Atlântica, onde ocorrem 37 espécies. São plantas que se encontram em ambientes úmidos e possuem uma preferência por áreas de altitude, especialmente associadas à beira de riachos e quedas d’água. Dentre as espécies do grupo do capixim que ocorrem no Brasil, 22 foram consideradas como ameaçadas de extinção! Este grupo apresenta também muitas espécies endêmicas (espécies que ocorrem em uma única área) ou microendêmicas (quando a área de ocorrência é ainda mais restrita). Com a fragmentação e diminuição da qualidade de seu habitat, ocorre a diminuição populacional dessas espécies, o que as pode levar à extinção. Esse fator proporciona a perda de um patrimônio biológico irreparável. Um exemplo de espécie microendêmica e ameaçada de extinção deste grupo é Macropeplus friburgensis (Figura 2), que ocorre exclusivamente no município de Nova Friburgo, no estado do Rio de Janeiro. A espécie é encontrada em florestas acima de 1000 m de altitude, apresenta padrão de crescimento arbustivo ou arbóreo de pequeno porte, raramente com porte médio, é dióica, com flores brancas e muito perfumadas.

macropeplus friburgensis - Você já ouviu falar de plantas de sexos distintos? Conheça mais os capixim (V.6, N.12, P.4, 2023)

Figura 2. Macropeplus friburgensis. Ramo com flores masculinas. Foto: E. J. Lírio.

#acessibilidade: Imagem de um ramo da planta Macropeplus friburgensis, apresentando folhas verde-escuro e um conjunto de flores masculinas com quatro tépalas brancas e alongadas de aparência carnosa.

Plantas são coletadas, registradas em coleções científicas e estudadas por pesquisadores. Quando essas amostras são utilizadas para descrição de novas espécies, esses registros se tornam fundamentais para o reconhecimento das mesmas, além de fornecerem informações sobre sua distribuição geográfica, aspectos morfológicos e seu estado de conservação. Essas informações são também importantes para que as ameaças a essas espécies sejam elencadas, e que medidas futuras possam ser tomadas para que elas não desapareçam da natureza. Em uma escala temporal, contudo, é possível que espécies sejam descritas e coletadas uma ou poucas vezes, levando-a a ser considerada como extinta na natureza, após décadas sem novas coletas. Este é o caso de Mollinedia stenophylla (Figura 3) e Mollinedia myriantha (Figura 4), coletadas e descritas no século XIX com base em amostras da localidade de Macaé de Cima, no município de Nova Friburgo, estado do Rio de Janeiro. Desde os registros feitos no XIX, as duas espécies não foram mais encontradas na natureza por mais de 100 anos. Somente após diversas visitas na localidade, novos indivíduos adultos puderam ser localizados. Mollinedia stenophylla pode chegar até 1 m de altura, é dioica e apresenta frutos pequenos com tonalidade roxo-escuro, sua redescoberta aconteceu 122 anos depois dos registros anteriores, com uma população de 49 indivíduos. No caso de Mollinedia myriantha – uma árvore de até 8 m de altura, também dioica – a espécie foi reencontrada na natureza após 123 anos de seu primeiro registro, apenas um indivíduo masculino foi encontrado na ocasião. Indivíduos femininos desta espécie nunca foram localizados. No entanto, em expedições subsequentes, este único indivíduo foi encontrado morto, o que levou essa espécie a ser classificada como criticamente em perigo (CR), possivelmente extinta (PE). 

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Figura 3. Mollinedia myriantha. Ramo com flores masculinas. Foto: E. J. Lírio.

#acessibilidade: Imagem de um ramo da planta Mollinedia myriantha mostrando folhas verdes e um conjunto de flores masculinas com quatro tépalas arredondadas e carnosas, esverdeadas com interior amarelado.

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Figura 4. Mollinedia stenophylla. Ramo com flores masculinas. Foto: E. J. Lírio.

#acessibilidade: Imagem de um ramo da planta Mollinedia stenophylla, mostrando folhas verdes com pequenos dentes na margem e flores masculinas, pequenas, com formato tubular alongado e porção distal com quatro tépalas arredondadas, verdes ou amarelas.

Diante da grandeza da biodiversidade brasileira, com espécies únicas e variadas, o Brasil carrega o título de megadiverso (local que apresenta um alto número de espécies), sendo o país com maior número de plantas no mundo. Esses números refletem a história evolutiva e interações que as espécies compartilharam ao longo do tempo, o que inclui características de seus sistemas sexuais. Apesar disso, diversos fatores antrópicos tem impactado essa biodiversidade, como o desmatamento, a coleta/caça ilegal, os incêndios criminosos e as mudanças climáticas. Com tais impactos antrópicos, há a possibilidade de espécies com um baixo número populacional desaparecerem, o que pode se tornar ainda mais crítico para espécies que necessitam de no mínimo dois indivíduos para se reproduzir, como é o caso das plantas dioicas. É nosso dever tomar e cobrar medidas de conservação para assegurar um ambiente equilibrado para esta e as futuras gerações, e desacelerar a extinção de espécies, pois extinção é para sempre!

 

Fontes:

NEFRONUS. The basic cases of sexuality of flowering plants. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=80317707. Acesso em: 29 nov. 2023.

LÍRIO, E. J.; PEIXOTO, A. L.; ZAVATIN, D. A.; PIGNAL, M. Monimiaceae in Flora e Funga do Brasil. Jardim Botânico do Rio de Janeiro. Disponível em: https://floradobrasil.jbrj.gov.br/FB166. Acesso em: 29 nov. 2023

LÍRIO, E. J.; FREITAS, J.; NEGRÃO, R.; MARTINELLI, G.; PEIXOTO, A. L. A hundred years’ tale: rediscovery of Mollinedia stenophylla (Monimiaceae) in the Atlantic rainforest, Brazil. Oryx, v. 52, n. 3, p. 437-441, 2018.

LÍRIO, E. J.; FREITAS, J.; PAULI, M.; Rosa, P.; NEGRÃO, R.; PRIETO, P. V.; PEIXOTO, A. L. Found and lost again: Rediscovery of Mollinedia myriantha (Monimiaceae) after 123 years and perspectives for conservation of the family in Brazil. Kew Bulletin, v. 78, p. 133-144, 2023.

LÍRIO, E. J., & Peixoto, A. L. Flora do Espírito Santo: Monimiaceae. Rodriguésia, n. 68, p. 1725-1766, 2017.

SANTOS, I. D. S., & PEIXOTO, A. L. Taxonomia do gênero Macropeplus Perkins (Monimiaceae, Monimioideae). Rodriguésia, v. 52, p. 65-105, 2001.

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