(V.5, N.12, P.3, 2022)

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#acessibilidade: a imagem mostra a mão de uma pessoa segurando um escorpião pela cauda com o corpo do animal suspenso no ar.

Texto escrito por Bruna Arisa Higa, Cassia Dos Santos Coelho, Isabelli Vitória Gonçalves Barioni da Silva, alunas do Bacharelado em Ciência e Tecnologia (UFABC) com supervisão da Profa. Vanessa Verdade.

Leu o título, imaginou um escorpião e fez cara de dor de barriga? O que tem a ver escorpião com constipação? Vamos explicar. Neste ano de 2022, o Brasil recebeu o prêmio IgNobel de Biologia. Já ouviu falar?. O prêmio tem uma conotação cômica e é atribuído a pesquisas com temas inusitados e que podem parecer irrelevantes. Do que se tratava? Escorpiões! Mas não quaisquer escorpiões. Escorpiões que perdem suas caudas para sobreviver e que depois acabam morrendo mais cedo, e de prisão de ventre. A parte cômica e inusitada está explicada, mas será irrelevante?

A pesquisa foi realizada por Solimary García Hernández e Glauco Machado da Universidade de São Paulo (USP). Os escorpiões do gênero Ananteris, presentes em sua maioria na América do Sul realizam autotomia caudal, ou seja, são capazes de separar-se de sua cauda por vontade própria, assim como as lagartixas. A diferença é que quando perdem a cauda, além do ferrão, perdem também a parte final do intestino, do sistema nervoso e do sistema circulatório. Essas estruturas não se regeneram. A separação acontece de modo voluntário: o animal balança o corpo até que fique sem a cauda. Faz isso em situação de stress, em que perder a cauda parece ser o único jeito de salvar sua vida.

Perder a cauda traz prejuízos ao escorpião, implica na redução do tamanho e tempo gasto para capturar presas, já que o único meio de caça passa a ser através de suas garras. Essa diferença é ainda mais notável em machos, por serem menores que as fêmeas. As dificuldades locomotoras também são consequências da perda da cauda. No início, os pesquisadores achavam que por ficarem mais leves, escorpiões sem cauda seriam mais rápidos, mas os experimentos realizados mostraram que a autotomia caudal leva à redução da velocidade de locomoção a longo prazo. Sabe por quê? Sem o final do intestino, não conseguem mais eliminar as fezes e elas passam a ficar acumuladas no abdômen, levando ao aumento de peso do animal e tornando-o mais vulnerável a predadores.

Ora, se perder a cauda leva ao acúmulo de fezes e isso gera impactos negativos, levando à morte do escorpião em última instância, por que essa habilidade permaneceria nas gerações atuais? Essa era a pergunta que Hernández queria responder. Ela constatou que, apesar de perderem a cauda e estarem cheio de fezes, ainda é possível para estes animais deixarem descendentes.

Em suas pesquisas, Hernández verificou que 88% dos machos realizaram a autotomia caudal em situações de stress, comparado à somente 20% das fêmeas, concluindo que fêmeas relutam mais em abandonar suas caudas. O resultado faz sentido, já que as fezes acumuladas podem ocupar espaço que seria ocupado por ovos e, inclusive, liberar toxinas que afetam o desenvolvimento dos embriões. Contudo, mesmo mais relutantes, fêmeas sem caudas geram filhotes, ainda que em menores quantidades.

E qual seria o efeito da perda da cauda na atração de fêmeas? Será que tamanho de cauda é documento? Machos autotomizados encontram alternativas para se aproximar das fêmeas. Mudam seu comportamento e chamam atenção usando suas garras e patas, assim, em se tratando de conquistas, machos sem cauda apresentam desempenho semelhante ao de machos inteiros.

Apesar de inusitado, estudar perda de cauda e constipação em escorpiões, na verdade, ajuda a entender questões muito mais amplas, como seleção natural, sucesso reprodutivo, relações ecológicas como predação, competição intraespecífica e evolução comportamental. Muitas questões permanecem em aberto em relação a esses escorpiões. Por exemplo, por que somente o gênero Ananteris teria essa habilidade? Quem achou que estudar escorpião constipado era motivo de piada e mau uso de dinheiro público, não entendeu nem o prêmio e nem a complexidade do assunto.

Fontes:

SANTOS, Maria Tereza. Cientistas da USP levam IgNobel 2022 por estudar como intestino preso afeta sexo de escorpiões. Folha de S. Paulo, São Paulo, 16 set. 2022.

HERNÁNDEZ, S. G.; MACHADO, G. Short- and long-term effects of an extreme case of autotomy: does “tail” loss and subsequent constipation decrease the locomotor performance of male and female scorpions?. Integrative Zoology. 06 nov. 2021.

HERNÁNDEZ, Solimary Garcia. Como os escorpiões lidam com a perda permanente de sua “cauda”?. 2020. Tese (Doutorado em Ecologia: Ecossistemas Terrestres e Aquáticos) – Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, São Paulo,  2020.

STAM, Gilberto. Mutilação que salva. Pesquisa Fapesp, 22 fev. 2021.

HERNÁNDEZ, S. G.; MACHADO, G. ‘Tail’ autotomy and consequent stinger loss decrease predation success in scorpions. Animal Behaviour, 2 nov. 2020.

MATTONI, C. I.; HERNÁNDEZ, S. G.; OCHOA, J. A. et al. Scorpion Sheds ‘Tail’ to Escape: Consequences and Implications of Autotomy in Scorpions (Buthidae: Ananteris). Plos One, 28 jan. 2015. Disponível em: https://doi.org/10.1371/journal.pone.0116639

YONG, Ed. How the Scorpion Lost Its Tail (And Its Anus). National Geographic, 06 nov. 2021.

Para saber mais:

CONTERNO, Ivan. Antes constipado do que morto: pesquisa sobre técnica inusitada de sobrevivência de escorpiões rende Prêmio IgNobel a cientistas da USP. Jornal da USP, 27 set. 2022.

Outros divulgadores:

Podcast Escorpiões Constipados e o Ignobel. Fronteiras da Ciência.

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