#acessibilidade: Redes, boias e outros elementos utilizados em pesca de arrasto inutilizadas e descartadas sob barco pesqueiro a céu aberto em paisagem insular, características de áreas litorâneas.
Texto escrito por Ana Julia Felizardo e Carlos Eduardo Santos.
Você já ouviu falar em pesca acidental e fantasma? É algo que tem afetado de maneira importante o ambiente marinho e tem relação com problemas ainda mais amplos, como o acúmulo de plásticos nos oceanos. A Marinha Brasileira estima que cerca de 80% da poluição que chega aos mares e oceanos tem origem no continente por meio dos rios e outros cursos d’água. Muito, não?
Das principais atividades humanas contribuintes deste percentual de poluição e que ocorrem nestes ambientes, a economia marítima da pesca e tráfego são das mais importantes. Como produto destas atividades a quantidade de resíduos gerados (em particular compostos de derivados do petróleo- plásticos) tem aumentado consideravelmente. De acordo com o Guia de Atividades Práticas Sobre o Ambiente Marinho (GAPSAM, 2012, pg. 78) certos tipos de plástico são letais para tartarugas, pássaros e mamíferos marinhos, pois obstruem seus sistemas gástrico ou respiratório.
O plástico é a principal matéria prima usada em artigos de pesca.. Feito através de resinas derivadas do petróleo e pertencendo ao grupo de polímeros, esse material é fabricado em quantidades que atingem 500 milhões de toneladas por ano (Greenpeace, 2021) e pode ser encontrado nas áreas mais remotas, misturando-se o volume do lixo com a cadeia alimentar marinha.
Segundo a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ, S/D) a decomposição completa dos plásticos demora em torno de 450 anos. Considerando que os primeiros plásticos surgiram em meados de 1839, produzidos de forma sintética pelo americano Charles Goodyear (Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos – ANIP 2016), ainda levará pelo menos mais 278 anos para que os primeiros plásticos estejam totalmente decompostos.
O que define a grande acumulação de resíduos plásticos no mar é a alta taxa de emissão associada à baixa taxa de degradação. O acúmulo de plásticos é mais evidente com a formação de aglomerados a partir dos giros oceânicos, comandados por correntes marítimas, sistema de maré e ventos que espalham os detritos flutuantes. No meio marinho, os plásticos, portanto, acumulam-se tanto em áreas costeiras como no oceano aberto e encontram-se desde os trópicos aos mares polares, muito distantes de suas fontes de origem.
Assim, a problemática dos detritos marinhos é multifacetada e particularmente enraizada nas práticas inadequadas de gestão de resíduos sólidos em ambiente terrestre e marinho, perda acidental ou despejo deliberado de utensílios de pesca ou resíduo gerado por navios, falta de infraestrutura para a gestão de resíduos, lixo, e a fraca ou inexistente compreensão do público sobre as potenciais consequências das suas ações.
De acordo com a Coordenadoria de planejamento ambiental do estado de São Paulo (CPASP), o lixo no mar é uma questão transversal, transfronteiriça e de escala global, que afeta o meio ambiente e a sociedade de várias maneiras. Para Antonis Mevropoulos, presidente da Associação Internacional de Resíduos Sólidos (ISWA, em inglês, International Solid Waste Association) podemos visualizar no lixo presente no ambiente marinho um desafio similar ao que temos com as mudanças climáticas (Revista Exame, 2018).
Dentre todos os efeitos prejudiciais sobre a fauna marinha, o que mais se destaca pela letalidade é o fenômeno de pesca fantasma, segundo a Organização para Proteção Mundial dos Animais (WAP, em inglês World Animal Protection). A pesca fantasma acontece quando qualquer artefato de pesca é perdido, abandonado ou deliberadamente descartado no mar, gerando a possibilidade de obstrução das vias gastrointestinais de animais marinhos, ferimentos, amputação, afogamento, predação e pesca cíclica, em que animais emaranhados atraem predadores que também acabam presos. No evento “Oceano plástico: Como escapar desse emaranhado?” em 2018, afirmam:
“Redes, linhas e armações de pesca, quando perdidas ou descartadas no mar, são hoje uma das maiores ameaças à vida marinha. A cada ano, o volume dos materiais de pesca largados nos oceanos chega a 640 mil toneladas. Esses equipamentos ficam navegando nas águas e mares e muitos deles ferem, mutilam e chegam até a matar centenas de milhares de animais por dia, o que é conhecido como pesca fantasma ” (World Animal Protection, S/D).
O problema é importante, quando consideramos que somam-se àqueles que a própria pesca gera com capturas acidentais. Para a melhor compreensão da dimensão desse impacto, reproduzimos dados apresentados no documentário “Pesca Industrial” (2021), produzido pelo americano Kip Andersen e pelo britânico Ali Tabrizi, disponível na plataforma de streaming Netflix:
- 300 mil baleias e golfinhos são mortos por ano pela captura acidental da pesca industrial.
- Um único barco de pesca especializado na captura de atum mata cerca de 45 golfinhos, enquanto pesca 8 atuns na costa francesa do Atlântico.
- A captura acidental pelos navios de pesca industrial acontece de modo silencioso e mata dez vezes mais golfinhos do que na Baía de Taji (Japão), onde cerca de mil golfinhos são capturados e mortos a cada ano.
- Na Islândia, em apenas um mês de pesca, somente um barco pesqueiro captura e mata acidentalmente 270 doninhas-comuns e 900 focas de quatro espécies distintas.
Aqui no Brasil, um dos grupos bastante afetados pela pesca acidental e fantasma é o das tartarugas marinhas e o Projeto Tamar é um dos mais conhecidos e atuantes na luta pela sua conservação, abordando questões sociais e de conservação do ambiente marinho. Um dos principais trabalhos realizados no Projeto Tamar é a conscientização dos pescadores em relação à pesca acidental das tartarugas e a educação ambiental, que transforma turistas, residentes e crianças em ficais pela conservação.
Além da educação ambiental, investimentos tecnológicos podem ser utilizados, por exemplo, na pesca industrial usava-se o espinhel em que a tartaruga era capturada pelas partes vitais do corpo, criando grande lesões e uma morte lenta. A tecnologia trouxe a modificação dos anzóis, agora circulares, que capturam as mesmas quantidades de peixes, com menos capturas acidentais de tartarugas, reduzindo sua mortalidade.
Há espaço para o desenvolvimento de tecnologia que resolva também a questão das próprias redes de pesca, que são perdidas tanto na pesca artesanal como na industrial e permanecem como armadilhas flutuantes por longos períodos, caracterizando a pesca fantasma. Estimativas sugerem que 580 Kg de redes são perdidas na costa brasileira diariamente e os acessórios de pesca vagam centenas de anos pelas águas oceânicas capturando involuntariamente os animais, em quantidades difíceis de serem estimadas.
O Brasil é o país que possui a maior costa litorânea do mundo, compondo cerca de 5% do território total e somando 7.400 quilômetros de faixa (PEDRO, 2020 O perímetro em questão contém diferentes ecossistemas costeiros, dentre os quais, manguezais, recifes, lagoas, praias, restingas, dunas e estuários. Esses ecossistemas são responsáveis por grande parte da manutenção da vida marinha. (GASALLA, 2013). São 17 os estados brasileiros que ocorrem à beira mar e em 12 deles, ou seja, em 70% do litoral, já foram relatadas ocorrências de petrechos fantasmas (World Animal Protection, 2019). Somando-se todo o território nacional, cerca de 70.000 animais marinhos são afetados por dia por esses resíduos (World Animal Protection) e dentre eles encontram-se desde caranguejos, lagostas, tubarões e raias, como tartarugas marinhas, toninhas , baleias e aves costeiras, algumas dessas espécies presentes em listas como ameaçadas de extinção.
A questão da pesca acidental e pesca fantasma é, portanto, uma questão política, que demanda gestão ambiental. Deve haver prioridade em questões relacionadas à descarte de resíduos e fiscalização das entidades econômicas envolvidas na exploração de recursos marinhos, que deveriam responder a limites temporais e populacionais, bem como fornecer contrapartidas que contribuam para a preservação dos ecossistemas explorados.
Desse modo, o passo mais imediato para a modificação do sistema é a formação de consumidores e cidadãos conscientes que entendem as causas e efeitos da pesca intencional, acidental e fantasma e que cobrem uma mudança de comportamento política e econômica, vindo de grandes corporações ou de operações democráticas. Como? Escolha consumir produtos de empresas com políticas ambientais mais amigáveis e vote em candidatos que apresentem agendas ambientais consistentes, por exemplo.
Fontes:
Fonte da imagem destacada: FELIZARDO, 2021.
Fonte da Imagem 1: Autores (2022) Adaptado de Word Animal Protection (2018).
Combate ao lixo no mar – Ministério da Defesa Marinha do Brasil, S/D – Acesso em: 05/05/2022
BRUSADIN, Maurício – SMA e ONU formam parceria contra lixo no mar, 2018 – Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente. – Acesso em: 05/05/2022
10 Formas de Contribuir para Salvar os Oceanos | National Geographic
REDES, MALHAS E MÃOS: O PROCESSO ARTESANAL DA REDE DE PESCA DO MAR AO ATELIÊ
ESTUDOS SOBRE IMPACTOS AMBIENTAIS
Direito do mar e gerenciamento da costa brasileira
Anderson, J.A. & Alford, A.B. (2014). Ghost fishing activity in derelict blue crab traps in Louisiana. Mar. Pollut. Bull. 79, 261–267.
«The Effects of Ghost Fishing on Crab and Fish Populations» by Jewel Mitchell
Pesca fantasma: combate aos equipamentos de pesca abandonados | World Animal Protection.
Pesca fantasma pode impactar 69.000 animais marinhos por dia no Brasil | World Animal Protection
Para saber mais:
Planeta plástico : Revista Pesquisa Fapesp
Outros divulgadores: