(Português do Brasil) Deixa o Sol entrar: Quarentena e Vitamina D (V.3, N.6, P.3, 2020)

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#acessibilidade Se observa o Sol no horizonte entrando por uma porta e uma janela abertas nas margens de águas calmas. Do lado esquerdo e direito há duas árvores pequenas.

Durante este tempo de quarentena, várias atividades ou hábitos da nossa rotina mudaram e uma delas com certeza foi o tempo de exposição ao sol. Como a falta de luz solar afeta nosso organismo?

Bem, os efeitos positivos da exposição à luz do sol são conhecidos há muito tempo. No final do século V a.C. na famosa coletânea de tratados médicos atribuídos ao pai da medicina Hipócrates de Cós, já se fazia menção aos benefícios da luz solar:

“as cidades que estiverem voltadas para o nascente do sol são normalmente mais saudáveis do que as que são voltadas para as Ursas e do que as que estão voltadas para os ventos quentes, se houver um estádio1 entre elas.”

Séculos depois, no século XVIII, crianças com tuberculose foram tratadas com exposição ao sol e ao ar fresco, mas este método teve pouco apoio no momento. Mais tarde, no final do século XIX e começo do século XX, o tratamento para a mesma doença foi retomado, mas foi reforçado com um regime nutricional variado e exercício ao ar livre. Pela primeira vez então, foi publicado um ensaio com os resultados de um estudo utilizando exposição à luz no tratamento da tuberculose. Isso tudo na era pré-antibiótico.

Nos anos seguintes, alguns médicos utilizaram esta estratégia no tratamento de soldados da Primeira Guerra Mundial, especialmente os que tinham sintomas de pneumonia, e para o início da pandemia de 1918 da H1N1 (também denominada “gripe espanhola”), uma das práticas comuns era colocar os pacientes expostos a uma combinação de ar fresco e sol, se observando taxas de letalidade mais baixas. Apesar dessas observações não serem conclusivas na época, pouco depois, outro componente completaria o cenário: a vitamina D.

Vamos ver como é que a vitamina D se encaixa nesta história toda. Voltando de novo lá no final do século XIX, uma outra doença, a doença de Rickets (deficiência de vitamina D) era tratada pela primeira vez com óleo de fígado de bacalhau e por volta de 1906 foi postulado que fatores nutricionais estariam associados com a prevenção de doenças. Lembrando que no tratamento da tuberculose e da gripe quase na mesma época já era levado em consideração o fator nutricional, dois tipos de tratamento diferentes pareciam levar à mesma conclusão. Vários cientistas na época focados no estudo da gordura do leite reforçaram a evidência de que algumas doenças poderiam ser afetadas pela alimentação. Em 1922, depois da Primeira Guerra Mundial, crianças com deficiência de vitamina D foram curadas com leite integral. Na busca por aquele componente desconhecido que parecia curar a doença de Rickets, cientistas chegaram a um composto que chamaram de vitamina A e o outro, a vitamina D. Eles foram encontrados na manteiga do leite. Enquanto esses avanços aconteciam, outros cientistas observaram variação sazonal na doença de Rickets, que foi explicada pelas diferenças na exposição à luz solar e então tratamentos com lâmpadas de luz UV começaram a ser testados em crianças, tendo resultados muito promissores.

Com a informação obtida até o momento vieram vários experimentos interessantes, dentre eles a irradiação de alimentos com luz que mostrou muito bons resultados e ao que tudo indicava, alguns alimentos tinham uma substância que quando “ativada” com luz produzia algo que curava a doença de Rickets. O caminho até chegar naquela substância demorou alguns anos e múltiplos estudos que levaram a descobrir que a responsável não era uma única substância, mas que possuía duas formas: a vitamina D2 ou ergocalciferol e a D3 ou colecalciferol. Foi só cerca de 1980 que foi descrita a sequência que conduz à produção de colecalciferol (vitamina D3) na pele por ação da luz solar.

Hoje em dia também sabemos que a vitamina D é classificada como um pró-hormônio e que a forma D3, seja produzida pelo sol ou obtida da dieta, é inerte e precisa passar pelo fígado para ser transformada na sua forma biologicamente ativa. Só para termos uma ideia da sua importância, além da sua influência no sistema imunológico, sem esta vitamina só 10-15% do cálcio e 60% do fósforo da nossa dieta seria absorvido.

Voltando ao motivo que nos trouxe até aqui, em tempo de quarentena, quando confinados em lugares onde não é possível receber suficiente luz do sol ou não conseguimos fazer uma caminhada curta ao ar livre, um aumento no consumo de alimentos ricos em vitamina D é recomendável para garantir os níveis saudáveis no nosso organismo. Peixe, fígado, gema de ovo e laticínios (leite, iogurte, etc), são alimentos que fornecem vitamina D. Suplementos também podem ser consumidos mas sempre sob acompanhamento médico, especialmente se tratando de crianças ou pessoas em grupos de risco. Embora exista evidência que a vitamina D contribui na redução das citocinas, substâncias produzidas em processos pró-inflamatórios como por exemplo em uma infecção por vírus, não há nenhum estudo que conclua que a ingestão de vitamina D poderia controlar um vírus ou curar as doenças associadas a eles.

Durante a quarentena, se não for possível sair uns minutos por dia ao ar livre, capriche nos alimentos ricos em vitamina D, leve uma dieta variada e deixe o Sol entrar!

1 Aproximadamente 206 metros.

Fontes:

Fonte da imagem destacada: Foto de GEORGE DESIPRIS no Pexels

Muscogiuri, G., Barrea, L., Savastano, S. et al. Nutritional recommendations for CoVID-19 quarantine. European Journal of Clinical Nutrition, 2020. https://doi.org/10.1038/s41430-020-0635-2.

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Wolf,G. The Discovery of Vitamin D: The Contribution of Adolf Windaus, The Journal of Nutrition. 2004, 134, 1299–1302, https://doi.org/10.1093/jn/134.6.1299

Marques, C.D., Tavares D.A, Fragoso, T.S, Duarte, A.L. A importância dos níveis de vitamina D nas doenças autoimunes. Revista Brasileira de Reumatologia. 2010, 50,67-80. https://dx.doi.org/10.1590/S0482-50042010000100007.

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