Como você é seduzido pela neurociência (V.7, N.5, P.4, 2024)

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Tempo de leitura: 5 minutos
#acessibilidade: A imagem é uma ilustração colorida de um cérebro antropomorfizado, desenhado de forma caricata e amigável. O cérebro tem um rosto expressivo, com grandes olhos, bochechas rosadas e um sorriso. Ele possui braços e pernas e usa tênis vermelhos e brancos. Além disso, há pequenos corações vermelhos espalhados ao redor de sua cabeça e seus dedos indicadores se tocam de forma envergonhada.

Texto escrito pelos colaboradores Igor Espindola de Almeida e Nicolas Bernardo Matos

Sou suspeito para falar, mas a neurociência realmente é fascinante. Entender como nosso corpo e mente funcionam e como o ambiente os influencia é muito encantador; mas como todo encanto, há problemas. Vamos falar deles.

Pesquisando por neurociência na internet aparecerão diversas notícias sobre pesquisas fantásticas, dicas de “exercícios cerebrais” e empresas que usam a neurociência em seus produtos. Mas o quão crítico você é em relação a isso?

O termo “Neuro” – assim como “Quântica”- tornou-se algo místico na mídia, pois chama a atenção e parece ser muito complexo. Com isso surge um grande risco: como poucos buscam por contra própria as reais descobertas da neurociência, muitos ficam sob o risco de acreditar e espalhar mentiras ou meias-verdades – um perigo para sociedade, não é?

De fato, a neurociência proporciona contribuições para o mundo, assim como qualquer área da ciência. Seu desenvolvimento, por exemplo, ajudou a mitigar os estigmas que se tem quanto a certas doenças, como a depressão, ao mostrar que seus sintomas são, efetivamente, reais. Outra área que tem recebido bastante atenção é a da Educação, onde tem sido usada de forma benéfica como base para políticas educacionais, gerando uma rede de pesquisadores especialistas em interações relacionadas a ela (como Roberto Lent e Roberta Ekuni, no Brasil, ou Stanislas Dehaene, na França).

Entretanto, o uso excessivo de “estratégias de desenvolvimento” do cérebro em certos países, a proliferação de materiais ditos baseados em neurociência, mas que não o são, e seu uso no discurso político para legitimar políticas controversas, são exemplos de atitudes que podem levar a efeitos sociais negativos se não formos críticos com o que vemos e ouvimos. Como escreveu Leonor Guerra, ainda em 2011, em relação à educação: “Descobertas em neurociências não se aplicam direta e imediatamente na escola. A aplicação desse conhecimento no contexto educacional tem limitações. As neurociências podem informar a educação, mas não explicá-la ou fornecer prescrições, receitas que garantam resultados. […] Observa-se um excessivo otimismo em relação às contribuições das neurociências para a teoria e prática educacionais.”.

Em um estudo de 2023, conduzido por Bennett e Mclaughlin, foi visto que, mesmo com textos iguais, materiais que contém imagens com partes do cérebro são mais considerados do que aqueles que não as possuem. Além disso, foi observado por Natalie Achamallah que as pessoas acreditavam ter entendido mais sobre o que leram quando lhes era apresentado materiais com imagens feitas a partir de fMRI (uma das técnicas em pesquisa que permite analisar o fluxo de sangue em razão da atividade do cérebro).

Ou seja, uma simples imagem relacionada ao cérebro parece dar mais força para a informação que se deseja passar, independente da sua veracidade. O efeito só não se apresentava quando, de cara, a pessoa discordava do que estava no material, mas foi visto mesmo entre aqueles com formação introdutória em neurociência, sendo limitado somente em especialistas, de qualquer área, quando apresentados à informações de sua área de expertise, onde a abordagem de neurociência fora pouco relevante.

Uma outra área que já sente esses efeitos de confiabilidade é o Direito, onde as pessoas costumam julgar mais válidas defesas de casos onde são mostradas análises cerebrais imagéticas.

De modo geral, este tipo de viés tem levado a uma expectativa imprecisa por parte da população de que a neurociência irá ajudá-la em casos legais, decisões empregatícias, usos militares, etc., sem necessariamente questionar o que de fato ela nos proporciona, o que faz com que autoproclamados conhecedores da área acumulem certo poder persuasivo.

O que parece levar a esta crença exagerada no poder da neurociência é o sentimento mítico sobre o conhecimento do cérebro, a falta de debate crítico dos resultados e da discussão aberta de cientistas sobre as limitações dos métodos usados nas pesquisas, além do discurso que geralmente valoriza o “onde” ocorre tal atividade cerebral sem explorar os “porquês” ou o “como”.

Mas como ser mais crítico quanto ao que vemos por aí sobre neurociência?

Algumas dicas do que pode ser suspeito em um material para você ficar de olho:

  • Primeiro, confira se há fontes.
  • Veja se aquela informação sobre o cérebro é realmente relevante para entender o que o autor/locutor quer. Muitas vezes são colocados detalhes que não contribuem em nada para o argumento.
  • Se a imagem usada no texto não foi explicada, provavelmente não tem a ver com o que está sendo dito. Além disso, ainda é complicado interpretar a atividade cerebral, as imagens que temos hoje da atividade cerebral não são uma revelação absoluta da caixa preta que é a mente.
  • Sempre é bom se perguntar: O que a página que está publicando a imagem, ou quem está falando, pode ganhar com esta divulgação? Há algum conflito de interesse?

Para aqueles mais entusiasmados, lembrem-se que a atividade cerebral é diversa. Por isso, seria bom entender melhor como as técnicas de imageamento cerebral funcionam para saber, por exemplo, se registram a atividade do cérebro diretamente ou inferem a partir de outros indícios (como a circulação do sangue). E é lógico que vale o básico da ciência: todos os resultados de uma pesquisa devem ser avaliados por outros cientistas. Caso algum deles chegue a uma conclusão diferente, então lá vamos nós para mais uma nova pesquisa!

Fontes:

ACHAMALLAH, N. Popular neuroscience: the new frontier, or an exercise in misdirection? Royal College of Surgeons in Ireland: Student Medical Journal, v. 8, n. 1, p. 66-68, 2023.

BARADEL, R. R.; NEVES, E. P. ; CARTHERY-GOULART, M. T. Os estais da ponte entre educação e neurociência: análise sobre expectativas docentes a partir de pesquisa de opinião. 2019. (Apresentação de Trabalho/Simpósio).

BENNETT, E. M.; MCLAUGHLIN, P. J. Neuroscience explanations really do satisfy: A systematic review and meta-analysis of the seductive allure of neuroscience. Public Understanding of Science, v. 33, n. 3, p. 290-307, 2024.

BRUN, C.; PENAVAYRE, M.; GONON, F. The political leaning of the neuroscience discourse about school education in the French press from 2000 to 2020. Public Understanding of Science, v. 4, n. 1, p. 121-138, 2023.

DEROOVER, K.; KNIGHT, S.; BURKE, P. F.; BUCHER, T. Why do experts disagree? The development of a taxonomy. Public Understanding of Science, v. 32, n. 2, p. 224-246, 2023.

GUERRA, L. B. O diálogo entre a neurociência e a educação: da euforia aos desafios e possibilidades. Revista Interlocução, v. 4, n. 4, p. 3-12, 2011.

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