Uma perereca vegetariana: codinome Beija-Flor (V.6, N.9, P.4, 2023)

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Tempo de leitura: 3 minutos
#acessibilidade: Imagem de uma perereca em vista lateral apoiada sobre uma folha verde. O animal tem coloração marrom clara e olhos vermelhos.

Texto escrito por Vanessa Verdade

Se o título atiçou sua memória musical, se veio para você a canção do Cazuza, pronto, a trilha sonora para esse artigo já está sugerida. A letra da canção não tem nada a ver com o conteúdo do texto, mas vale colocá-la de fundo. Vamos falar de curiosidades recentemente descobertas no reino animal. O assunto de hoje é dieta vegetariana em um grupo de animais essencialmente carnívoro. Pensou em grandes felinos? Não. O assunto é sapo.

Antes de começar, vamos lembrar que aqui no Brasil usamos “sapo” para nos referirmos aos sapos comuns, mas também à ordem dos anuros, que inclui os sapos, as rãs e as pererecas. Já publicamos aqui no blog um texto explicando a diferença entre eles. Você também já deve ter visto por aí campanhas dizendo que sapos, rãs e pererecas são importantes para manter a população de insetos, especialmente mosquitos, sob controle. Em desenhos animados, quase sempre vemos uma rã lançando a língua e comendo uma mosca. Mas será que essa representação artítisca e popularmente consolidada está correta? Você sabe o que os anuros realmente comem?

Todos os anuros são essencialmente carnívoros quando adultos e alimentam-se principalmente de insetos e aracnídeos. Então sim, os anuros alimentam-se de mosquitos, moscas, escorpiões. Quanto maior o anuro e quanto maior sua boca, maior o tamanho da presa que consegue capturar e engolir e, nesse caso, o que definirá a presa é a oportunidade. Os maiores sapos cururus (espécies do gênero Rhinella) ou os intanhas (espécies do gênero Ceratophrys) podem comer roedores, outros anuros e pequenas serpentes. Em cativeiro, basicamente tudo que for oferecido e se movimentar, chamará atenção e será engolido. Notou que eu disse “se movimentar”? É o movimento que indica para esses animais se aquela coisa é de comer ou é de fugir! Se o movimento for errático e parado ou for serpentiforme para longe, o cérebro dele entende: Comida! Se o movimento for de aproximação, é disparado um alerta de perigo, o sapo salta para longe ou fica totalmente parado (quem sabe essa coisa não me vê).

A natureza sempre nos surpreende, com o belo e também com o inusitado. Vejam só:

existem duas espécies de anuros, dentre as mais de 7,6 mil espécies que existem no mundo, que têm plantas como item principal de sua dieta. Duas espécies de pererecas veganas! Uma vive na Ásia (Euphlyctis hexadactyla ou rã-verde-do-lago) e a outra (Xenohyla truncata, a perereca-frugívora), aqui no Brasil, nas restingas do Rio de Janeiro. Acho que você já pode imaginar que, vivendo em área de Mata Atlântica em um estado populoso como o Rio de Janeiro, a bichinha esteja ameaçada. Perder uma espécie como essa vai além de perder biodiversidade. A gente perde também a função que ela exerce no ecossistema (que ainda conhecemos pouco) e algo que chamamos distinção taxonômica, ou seja, uma linhagem que apresenta uma característica pouco comum. Uma catástrofe! Recentemente descobrimos que essa perereca, que vive entre bromélias, não só se alimenta de frutos, mas também das pétalas de flores e é capaz de sugar néctar! Além disso, suspeita-se que tenha papel importante na polinização, pois alguns indivíduos foram observados sujos de pólen.  Seria o primeiro anuro polinizador do mundo. Agora que sabemos disso, deu até vontade de inventar um apelido carinhoso para ela: perereca de codinome beija-flor (podem cantar junto)!

 

Fontes: 

Oliveira-Nogueira et al. 2023. Between fruits, flowers and nectar: The extraordinary diet of the frog Xenohyla truncata). Food Webs 35 (2023) e00281. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.fooweb.2023.e00281.

Imagem destacada: Xenohyla truncata ou rã-comedora-de-frutas em vida. Disponível em: projeto Dots.

 

Para saber mais

OECO, 2023. Disponível em: https://oeco.org.br/web-stories/uma-perereca-polinizadora/.

Projeto DOTS: Documenting threatened species: um projeto que busca documentar, em campo, todas as espécies de anfíbios ameaçadas de extinção no Brasil, idealizado por Pedro Peloso, iniciado em 2018.

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