(Português do Brasil) O que é um artigo científico? (V.2, N.3, P.4, 2019)

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#acessibilidade Três recortes de capas de artigos científicos.

Texto escrito em colaboração com Hugo Barbosa Suffredini e Felipe Cesar Torres Antonio

Diversas notícias começam com “Estudos apontam…” , “Cientistas da Universidade XXX afirmam que…” ou “Um estudo divulgado nesta manhã demonstra que…”, mas você sabe como ter acesso a esses “estudos”? Ou ainda, quem é responsável por estes estudos e como avaliar se são confiáveis?

Esses “estudos” a que os jornalistas se referem são pesquisas científicas conduzidas em universidades e institutos de pesquisa. Há também algumas empresas que fazem pesquisas científicas, mas são raros os casos aqui no Brasil.

As pesquisas científicas visam trazer novo conhecimento. Às vezes é um conhecimento mais fundamental, como a descoberta de buracos negros, às vezes é um conhecimento mais diretamente aplicado ao dia-a-dia, como o recente caso em que um paciente foi curado de HIV.

Os cientistas, sejam eles professores universitários (lembra do nosso post “Qual o papel do professor universitário”?), pesquisadores ou estudantes de graduação, de mestrado stricto sensu e doutorado, passam anos verificando tudo o que já foi produzido naquele tema e fazendo novos estudos e pesquisas, até que chegam a novas descobertas. Se fosse você o cientista, o que faria com essa descoberta? Contaria para todo mundo, certo? (Bom, se a descoberta puder ser vendida, aí é um outro caso, tema para um próximo texto).

Normalmente, os cientistas utilizam os meios de comunicação mais adequados à divulgação de suas descobertas, meios super especializados, conhecidos como revistas científicas. Não estamos falando de revistas de divulgação científica, como a Superinteressante, a Galileu ou a ótima revista Pesquisa da Fapesp, mas de revistas como a Nature ou da Science, que são de comunicação científica (ou Journals, em inglês). Lembre-se da distinção entre divulgação e comunicação científicas aqui.

Para publicar numa revista científica, os pesquisadores escrevem artigos, em que contam suas descobertas. Esses artigos têm um formato todo especial, pois precisa ficar claro o que já é conhecido na área e o que você descobriu de diferente. É necessário detalhar como você fez a descoberta, ou seja, a metodologia que você empregou e as suas limitações. E, ainda, mostrar qual era a sua hipótese e se conseguiu provar ou refutar essa hipótese. A formulação da hipótese é um passo muito importante da pesquisa científica, pois é quando você faz uma suposição que vai tentar testar utilizando todos os meios disponíveis.

Bom, aí com o seu artigo escrito (ou pelo menos um bom rascunho dele) você deve avaliar para qual revista enviar. E essa escolha não é fácil, pois são milhares e milhares de revistas. Então, você tem que avaliar qual é a abrangência de seu artigo. Por exemplo, você deve avaliar se é uma descoberta que vai interessar só aos pesquisadores da sua área ou se o alcance da descoberta pode ser maior e afetar outras áreas. Ainda, um ponto a ser avaliado é o número de leitores daquela revista. Geralmente, queremos que seja atingido o maior público possível e, para isso, um dos índices utilizados é o fator de impacto da revista.

Os artigos científicos têm origem nas cartas trocadas entre cientistas e com as comunidades de cientistas. Com o número de cientistas crescendo, foram surgindo agremiações e sociedades científicas e, então, a organização de revistas científicas. Com a ciência se dividindo em diferentes subáreas, foram surgindo revistas cada vez mais especializadas. E a linguagem desses artigos é um reflexo dessa superespecialização: pode ser muito difícil ler um artigo científico, pois é um texto para especialistas.

As revistas científicas contam com editores que também são cientistas. E aí é que temos um grande diferencial entre esse tipo de publicação e as revistas normais, que você encontra na banca. Nessas revistas, o jornalista redige seu texto e mostra para o editor, que faz suas considerações e modificações. Já para a publicação de um artigo científico, o processo é mais longo. Primeiro, o editor avalia se o artigo que você enviou se enquadra mesmo no tema da revista. Em caso afirmativo, ele envia o artigo para pelo menos dois outros cientistas avaliarem. Esses cientistas, chamados de revisores ou referees, não são funcionários da revista e geralmente fazem esse trabalho de graça. Isso faz parte do fazer ciência, um cientista avalia o trabalho do outro. É o que chamamos de análise ou revisão por pares (peer review), ou seja, pessoas com a mesma especialidade avaliam os trabalhos uns dos outros – é importante verificar se a metodologia e os resultados obtidos são adequados, se as discussões são coerentes e se os achados são mesmo inéditos e importantes para aquele público. Por motivos éticos, ninguém, a não ser o editor, sabe quem são os revisores.

Nesse processo, os revisores podem fazer sugestões, pedirem complementações, que sejam feitos mais experimentos ou mais estudos e até mesmo dizerem que o artigo não é adequado para ser publicado naquela revista. E o autor do artigo pode contra argumentar ou acatar as sugestões. O “juiz” nesse processo é o editor, por isso é importante que também seja cientista daquela área.

Todo esse processo, essa discussão, é muito importante e ajuda no avanço da ciência. Isso minimiza erros e faz com que todos os envolvidos sejam extremamente críticos. E mesmo depois que o artigo é finalmente publicado, a discussão pode continuar. Se outros cientistas não concordam com seus achados, eles podem fazer novos estudos e mostrar em que ponto discordam e concordam com você. Claro que alguns erros podem passar despercebidos em todo esse processo e correções surgirem após a publicação ser feita. Eventualmente ocorrem, inclusive, casos em que o editor retira o artigo da revista por causa de desvios de conduta, como plágio e falsificação de dados. No entanto, graças ao crescimento de ferramentas computacionais, boa parte das más condutas científicas tem sido diagnosticadas.

Agora vamos tocar num ponto delicado, como saber no que confiar? Se há uma discussão na literatura sobre algum tema, como por exemplo, o aquecimento global, como avaliar quem está com a razão? Temas complexos como o aquecimento global podem ser abordados com diferentes metodologias e, por isso, tantos estudos foram e são realizados. Então, como leitor crítico que é, você poderia verificar em quais revistas os estudos foram publicados: todos os artigos foram publicados em revistas sérias, em que há avaliação por pares? Quantas evidências cada artigo aponta?

Se somos leigos na área, fica bem difícil avaliar os termos científicos, mas se há muitos trabalhos na área, como é o caso do aquecimento global, muitas vezes há também estudos de metanálise. Essa é uma técnica estatística para comparar estudos feitos de maneira independente por diferentes grupos de pesquisa. No nosso exemplo, estudos de metanálise indicam que há consenso na comunidade científica que os gases emitidos pela atividade humana são SIM responsáveis pelo aquecimento global.

Uma boa ferramenta para fazer buscas apenas em artigos científicos (e também dissertações e teses) é o Google Acadêmico ou os Periódicos da CAPES, acessível das bibliotecas das universidades.

Fontes:

Fonte da imagem destacada: Paula Homem de Mello

Para saber mais:

Wikipedia: Revista científica

Retratação científica e pseudociência

Está fazendo frio. Portanto, o aquecimento global é uma mentira

O que é o Fator de Impacto?

Sobre algumas polêmicas ligadas à publicação de artigo científico, veja esse vídeo do Pirula: Sci-Hub e a pirataria acadêmica (#Pirula 218)

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