(Português do Brasil) Moléculas quase vivas são a bola da vez! (V.6, N.1, P.3, 2023)

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#acessibilidade: Fundo azul com esferas coloridas ligadas entre si, representando moléculas

Texto escrito por Mariana Domingues Gonçalves da Silva, aluna do Bacharelado em Ciências e Humanidades da UFABC sob supervisão Profa. Vanessa Verdade.

Você já ouviu falar de viróides, virusóides, príons e transposons? Esses nomes vêm estampando cada vez mais artigos científicos e fazendo cientistas questionarem qual é o limiar da vida. 

Há pouco tempo, o debate sobre “o que é um ser vivo?” voltava-se para os vírus, considerados até então as entidades biológicas mais simples conhecidas. No entanto, em meados dos anos 1970, a descoberta de RNAs satélites e viróides aumenta a complexidade da discussão, à medida que comprova a existência de uma nova classe de moléculas autoreplicativas ainda mais simples — os chamados agentes subvirais.

Você deve estar se perguntando, o que são essas “coisas” afinal? Os viróides são os menores e mais simples agentes causadores de doenças em plantas (ou fitopatógenos) conhecidos da humanidade. Estes patógenos infectam apenas plantas e causam enormes prejuízos à produção agrícola, a partir da propagação de doenças que reduzem a produtividade ao provocarem descolorações e necroses nas plantas.

O primeiro viróide que se tem conhecimento é o agente da doença do tubérculo fusiforme da batata ou PSTVd (em inglês Potato spindle tuber viroid). Foi descoberto pelo fitopatologista Theodor Otto Diener em 1971. Diener descreveu os viróides como parasitas moleculares formados de uma molécula de RNA fita simples, circular e desprovidos de proteínas.

Outro tipo de RNA patogênico associado à infecção de cultivos é o virusóide. Os virusóides são pequenos RNAs satélites circulares — sequências de RNA capazes de PARASITAR VÍRUS! São agentes subvirais que, diferentemente dos viróides, não conseguem se replicar de maneira autônoma, para sua replicação eles dependem da coinfecção de uma célula hospedeira com um vírus auxiliar, ou seja, da ação conjunta com um vírus “assistente” ou “ajudante” específico.

Mas as novidades no mundo da ciência não param por aí! Em 1982, o médico neurologista, Stanley Prusiner, descobriu os príons: partículas infecciosas que não têm DNA ou RNA — isso mesmo, NÃO TÊM MATERIAL GENÉTICO! Os príons são uma forma modificada de uma proteína normal encontrada na célula, que detém a sequência de aminoácidos normal e a forma modificada, como se a proteína estivesse “desdobrada”. Ainda não se sabe ao certo a causa dessa modificação, podendo ocorrer devido mutações genéticas ou espontaneamente. Os príons provocam doenças neurodegenerativas em mamíferos, inclusive em humanos — o caso mais popular é a versão humana da Doença da Vaca Louca ou vCJD (variante da doença de Creutzfeldt-Jacob). O conhecimento acerca dos príons se deu a partir de estudos sobre a doença Kuru, enfermidade que acometia nativos de Papua-Nova Guiné e está associada à prática de canibalismo ritualístico.

A descoberta mais recente e a última que vamos apresentar hoje foi por muito tempo desacreditada e ridicularizada pela comunidade científica. Os transposons, elementos transponíveis ou “genes saltadores” foram identificados pela citogeneticista Barbara McClintock no início da década de 1950, mas ela apenas recebeu o devido reconhecimento na década de 1980. McClintock ao observar a relação entre quebras cromossômicas e os padrões de pigmentação de milho, propôs que trechos do DNA conseguem mudar de lugar no genoma. A transposição pode acontecer a partir de um mecanismo de recortar-e-colar, denominado transposição conservativa, em que partes do DNA movem-se de uma parte para outra do cromossomo ou entre cromossomos. Ou através do mecanismo copiar-e-colar ou transposição replicativa, em que uma cópia do trecho de DNA é inserida em outra região cromossômica.

Tais descobertas acrescentam considerações importantes ao que seria o limite da vida. Quando moléculas autoreplicativas deixam de ser somente moléculas e atravessam o limiar que as tornam uma entidade viva? Enquanto não se define este limite, uma coisa continua clara, essas “coisas não vivas” estão interferindo ativamente na vida de organismos vivos. Quantos vestígios ainda estarão escondidos entre as macromoléculas que constituem nossas células? Será que temos a resposta sobre a origem da vida escrita dentro de nós?

Para saber mais:

Fonte da imagem destacada: Freepik

EIRAS, Marcelo; DARÒS, Jose Antonio; FLORES, Ricardo; et al. Viróides e virusóides: relíquias do mundo de RNA. Fitopatologia Brasileira, v. 31, n. 3, p. 229–246, 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/fb/a/tbP38Cwhvvd4yBQqKRctGQJ/# . Acesso em: 27 nov. 2022.

‌GAMBETTI, ‌Pierluigi. Doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ). Manual MSD Versão Saúde para a Família. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/dist%C3%BArbios-cerebrais,-da-medula-espinal-e-dos-nervos/doen%C3%A7as-causadas-por-pr%C3%ADons/doen%C3%A7a-de-creutzfeldt-jakob-dcj. Acesso em: 27 nov. 2022.

GAMBETTI, ‌Pierluigi. Kuru. Manual MSD Versão Saúde para a Família. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt-br/casa/dist%C3%BArbios-cerebrais,-da-medula-espinal-e-dos-nervos/doen%C3%A7as-causadas-por-pr%C3%ADons/kuru . Acesso em: 27 nov. 2022.

BOARETO, Marcelo. Transposons: pedaços de DNA que mudam de endereço no genoma. | SynbioBrasil. Unicamp.br. Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/synbiobrasil/2014/04/22/transposons-pedacos-de-dna-que-mudam-de-endereco-no-genoma/ . Acesso em: 27 nov. 2022.

‌Don’t call it junk—this “jumping” gene may be why you made it past an embryo. Science.org. Disponível em: https://www.science.org/content/article/don-t-call-it-junk-jumping-gene-may-be-why-you-made-it-past-embryo?utm_campaign=news_daily_2018-06-21&et_rid=374827174&et_cid=2129797 . Acesso em: 27 nov. 2022.

Viroides: una reliquia viviente del mundo del ARN – Naukas. Naukas. Disponível em: https://naukas.com/2011/10/19/viroides-una-reliquia-viviente-del-mundo-del-arn/ . Acesso em: 27 nov. 2022.

‌Príons desvendados. Ciênciahoje.org.br. Disponível em: https://cienciahoje.org.br/prions-desvendados/ . Acesso em: 27 nov. 2022.

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