A estrutura da matéria (V.6, N.3, P.1, 2023)

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Tempo de leitura: 6 minutos
#acessibilidade: Concepção artística de um átomo, com diversos orbitais quânticos entrelaçados e partículas esferoidais ao seu redor, o núcleo é representado por uma esfera de plasma. 

Texto escrito pelo colaborador Marcelo Leigui

“Se, em algum cataclismo, todo o conhecimento científico fosse destruído, e apenas uma sentença passasse para as próximas gerações de criaturas, qual afirmação conteria mais informações em menos palavras? Acredito que seja a hipótese atômica (ou o fato atômico, ou como você queira chamá-lo) de que todas as coisas são feitas de átomos – pequenas partículas que se movem em movimento perpétuo, atraindo-se quando estão a uma pequena distância, mas repelindo-se ao serem espremidas umas nas outras. Nessa frase, você verá, há uma quantidade enorme de informações sobre o mundo, se apenas um pouco de imaginação e pensamento forem aplicados.” Lições de Física – Richard Feyman.

As ciências modernas nos ensinam que todas as coisas são feitas de átomos. Tome uma porção de qualquer objeto à sua volta: um pedaço de madeira, ou de borracha, ou de vidro, ou uma gota de água, ou ainda um pedaço de sua pele. Qualquer material ou substância que quiser ou que estiver à sua disposição. Comece, então, a dividi-lo em muitas partes. Mas bote muitas partes nisso! Em cerca de bilhões de partes. Se de alguma forma você conseguir tamanha façanha e puder ainda enxergar essas partes, você verá os blocos de construção básicos da matéria, os átomos, pequeníssimos constituintes que compõem todos os objetos que nos rodeiam. Tão pequenos que em um simples grão de areia há mais átomos que todos os grãos de areia de todas as praias da Terra. 

Será que então chegamos à última divisão possível? Ao que seriam os últimos blocos de divisão da matéria? Esta era exatamente a ideia dos gregos na Antiguidade quando propuseram a ideia dos átomos. Um livro pode ser dividido em tomos, isto é, em partes, portanto, átomo é algo que é indivisível. Demócrito e seu discípulo Leucipo tinham essa concepção: toda a matéria é composta por átomos, pequeníssimas partículas que não podiam admitir uma composição interna e que eram encontradas em eterno movimento através do vácuo. Aristóteles rejeitou essa hipótese, talvez mais por causa do vácuo do que pelos átomos, já que para ele o espaço vazio era inconcebível. Tanto que ele propôs um elemento chamado éter para preenchê-lo. Segundo Aristóteles, a matéria tinha a forma de um fluido e não de partículas indivisíveis e indestrutíveis. Seu pensamento influenciou muito a cosmologia e os filósofos naturais no decorrer da Idade Média, de tal forma a surgir quase um dogma, segundo o qual a natureza teria “horror ao vácuo”. Coube a nomes como Galileu, Torricelli e Otto von Guerricke demonstrarem que a natureza não tinha horror nenhum ao vácuo e que, dentro de suas limitações, era possível sim produzi-lo, sem que nenhuma substância etérea necessariamente preenchesse o espaço deixado. Nos séculos seguintes, cientistas como Lavoisier, Dalton, Charles, Gay-Lussac e Avogadro, entre outros, contribuíram para a retomada da hipótese atômica. Os átomos compunham toda a matéria; e mais: agrupavam-se em diferentes combinações para formar moléculas. Era o nascimento de uma nova ciência, a química. A forma com que os átomos se rearranjavam nas moléculas definiam as reações químicas. As substâncias passaram então a ser interpretadas como diferentes elementos atômicos cujas massas pareciam ser múltiplas de um elemento mais leve, o hidrogênio. Dessa forma, o químico russo Mendeleev montou uma tabela na qual os elementos eram dispostos de acordo com suas propriedades, que, surpreendentemente, repetiam-se periodicamente (veja mais sobre tabela periódica aqui). Aí estava uma evidência de que, possivelmente, os ditos átomos não eram indivisíveis, mas possuíam uma estrutura interna. Então, na virada do século XIX para o XX, físicos e químicos como Becquerel, Thomson, Curie, Rutherford, entre outros, descobriram o elétron, o próton e as radiações (alfa, beta e gama). Descobriram também que os átomos tinham um núcleo, que podiam emitir partículas mais leves e que podiam mudar a sua identidade ⎯ ou seja, transmutavam-se ⎯ em reações que envolviam os núcleos. Algumas décadas depois foi descoberto, em reações nucleares, o nêutron.

Os átomos são então constituídos por um núcleo, que contém prótons e nêutrons, rodeado por elétrons. O número de prótons no núcleo determina qual é o elemento de um átomo. Por exemplo, um átomo com 6 prótons em seu núcleo é do elemento carbono. Os elétrons ocupam o espaço ao redor do núcleo e estão dispostos em camadas: a primeira camada pode conter até 2 elétrons, a segunda pode conter até 8 e assim por diante. O número de elétrons na camada mais externa é chamado de valência e determina como um átomo interage com outros átomos. Os átomos podem se unir para formar moléculas, que compõem toda a matéria.

O movimento atômico refere-se ao movimento dos átomos dentro de uma substância. Nos sólidos, os átomos estão muito próximos uns dos outros e vibram próximos de uma posição de equilíbrio, enquanto nos líquidos, os átomos são capazes de se mover uns sobre os outros. Nos gases, os átomos têm uma grande quantidade de espaço entre eles e se movem livremente em direções aleatórias. A temperatura de uma substância afeta a velocidade e o movimento dos átomos dentro dela. À medida que a temperatura aumenta, os átomos se movem mais rapidamente e têm mais energia.

Contudo, no decorrer do século XX, muitas outras partículas subatômicas foram descobertas: múons, píons, neutrinos, quarks, etc. Estudos, quer sejam em raios cósmicos, quer sejam em aceleradores de partículas, produziram um verdadeiro zoológico de novas partículas, que ⎯ até onde o conhecimento científico atual nos leva ⎯ são consideradas as fundamentais. Tanto é que uma nova tabela classificatória foi formulada. Atualmente, diz-se que toda a matéria é composta por quarks e léptons. E não há estruturas internas reveladas para nenhuma delas. Os quarks formam os prótons e os nêutrons. Os léptons são partículas como o elétron, o múon, ou neutrino. Além disso, todas essas partículas são chamadas de férmions e sofrem interações intermediadas por partículas chamadas de bósons. Dentre os bósons, temos: os fótons (responsáveis pelas interações eletromagnéticas), os glúons (responsáveis pelas interações nucleares fortes, isto é, pelas forças que mantêm os núcleos atômicos ligados), os bósons W± e Z0 (responsáveis pelas interações nucleares fracas, isto é, por decaimentos como o beta) e os bósons de Higgs (responsáveis pelo mecanismo que gera a massa das partículas). Há ainda bósons hipotéticos que eu não citei: os grávitons (responsáveis pela interação gravitacional); só que estes serão matéria para um outro texto.

Além da estrutura da matéria que conhecemos na atualidade, é importante citar a teoria que a descreve. Dessa forma, começamos o texto com uma citação do Feynman e o encerramos com um cálculo desenvolvido por ele. A teoria que descreve o comportamento de partículas da dimensão de átomos, moléculas, ou partículas elementares subatômicas é a teoria quântica. Com ela, podemos calcular os níveis de energia dos elétrons nos átomos, os espectros de emissão e de absorção de radiações, prever o formato dos orbitais e das moléculas, etc. Dentre tantos cálculos como este, existe um fundamental: o das seções de choque que, no fundo, representam a probabilidade de um processo ocorrer. E é aí que entra o diagrama de Feyman, uma figura que representa a interação básica entre dois férmions mediada por um bóson. No contexto do eletromagnetismo, podemos ter, por exemplo, dois elétrons interagindo pela troca de um fóton. Por trás desse simples diagrama, existem cálculos bem complicados que um estudante de física aprende usualmente em cursos de pós-graduação. O resultado do cálculo leva à seção de choque da interação. A chamada eletrodinâmica quântica é o melhor exemplo que temos de uma teoria extremamente acurada, cujos resultados são verificados com precisão de até 19 casas decimais! Foram suas contribuições no desenvolvimento dessa teoria que levaram Richard Feynman a ser laureado com o prêmio Nobel de física, em 1965. No caso das forças nucleares, forte e fraca, a coisa é ainda mais complexa, pois mesmo tratando os processos de forma análoga, não conseguimos produzir resultados tão precisos, quer seja por características distintas da interação (como no caso da constante de acoplamento forte que, diferentemente, varia com a energia), quer seja pelo nosso desconhecimento de alguns parâmetros (como no caso da interação fraca). Analogamente também, o caso da força gravitacional é ainda pior, pois o seu bóson, chamado de gráviton, está muito, muito, mas muito mesmo, longe de ser testado por qualquer experimento que concebamos. Estes são alguns dos problemas ainda em aberto na física, que serão material de intensas pesquisas, por muitos e muitos anos.

Para saber mais:

The Feynman Lectures on Physics

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