Filho de ave, passarinho é! (V.7, N.3, P.4, 2024)

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Tempo de leitura: 3 minutos
#acessibilidade: Desenhos de vinte tipos de aves diferentes dispostos em quatro colunas e quatro linhas. Há representação de aves que voam, que não voam, coloridas, brancas, pretas, marrons, com bico curto, longo, reto, curvo, com crista, sem crista, enfim, uma boa noção de diversidade do grupo.

Texto escrito por Vanessa Verdade

Recentemente publicamos um texto dizendo que ave e pássaro não eram a mesma coisa. Que todo pássaro é uma ave, mas nem toda a ave é um pássaro. Você leu? Pois é! Essa é a informação que encontramos na maioria das páginas tratando sobre o assunto, inclusive de especialistas. Acontece, que uma das coisas que faz a ciência linda é o debate. Recebemos comentários do colega Vitor Q. Piacentini, professor da Universidade Federal do Mato Grosso que estuda aves (um ornitólogo), citando o texto de outro colega, também ornitólogo, Fernando Costa Straube, consultor ambiental. Fernando escreveu um texto riquíssimo em argumentos que indicam que podemos sim usar o termo pássaro para uma ave qualquer que avistarmos, à vontade de quem a avista. Em geral, a maioria das pessoas chamará pássaro ou passarinho as aves menores e ave, as aves maiores.

Mas como assim? A questão é que pássaro ou ave são considerados nomenclatura vernácula, uma nomenclatura que se refere a organismos baseada na língua local. Cada organismo tem também seu nome científico. Os especialistas no grupo em questão interagem utilizando o nome científico dos organismos, que são propostos com base em regras pré-determinadas segundo um código de nomenclatura, que no caso dos animais, é o Código Internacional de Nomenclatura Zoológica. Essa nomenclatura só muda baseada em estudos e publicações científicas e segundo regras presentes no código.

Já a nomenclatura vernácula é mais fluida, justamente por estar associada à língua local, aos nomes atribuídos historicamente aos organismos e transmitidos a cada geração pelas pessoas que falam aquela mesma língua. É fácil imaginar que os interesses, as observações e o conhecimento em relação aos organismos variam entre especialistas e não especialistas e a confusão começa quando tentamos relacionar os organismos classificados segundo a nomenclatura científica aos nomes vernáculos que apresentam. Já tratamos por exemplo, em um texto anterior, sobre as diferenças entre sapos, rãs e pererecas. Esses são nomes vernáculos atribuídos a anfíbios anuros, que não apresentam correspondência direta a grupos que têm nomes científicos (correspondem mais ou menos às famílias Bufonidae, Ranidae e Hylidae, com muitas exceções e deixando muitas espécies de fora).

No caso que nos trouxe até aqui, Fernando aponta que a palavra pássaro na língua portuguesa traz um conceito mais amplo e mais antigo que a própria definição científica do grupo Passeriformes. Quando colocamos no Google imagens a busca com a palavra pássaro, o que aparece? Aves de diversos grupos, não só passeriformes. O uso segundo a definição restrita pode trazer problemas, por exemplo: e se algum cientista propuser a divisão do grupo Passeriformes em dois? Qual dos dois vamos chamar de pássaros? Os próprios observadores de aves no Brasil já estão usando o termo “passarinhar” apropriando-se de seu significado antigo (caçar pássaros), usando-o agora sob um conceito mais aceitável. A língua portuguesa e a linguagem científica pertencem aos usuários de cada uma delas, não cabe uma interferir na outra. Vitor afirma que essa restrição de “pássaros” a Passeriformes é equivocada e que pássaro e ave são sinônimos. Segundo ele, “rolinha também é passarinho, beija-flor também é passarinho e tuiuiú — a maior ave terrestre voadora do Brasil — é um pássaro danado de grande”. Chamou até atenção para o início do texto anterior, quando usei o superman. Em inglês seria: Is it a bird? Is it a plane? No, it is superman” A palavra “bird” em inglês significa um vertebrado que bota ovos e tem penas e pode ser traduzida como ave e pássaro.

Mas e agora? É para usar ou não usar ave e pássaro como sinônimos? Que tal ler os argumentos apontados no texto e na literatura citada e decidir o que você acha que faz mais sentido? Assim caminha a ciência: diante de novas informações, nova análise, nova reflexão e uma decisão mais bem fundamentada. Por aqui, já sabemos como usar daqui para a frente.

Fontes:

Fonte da imagem destacada: Freepik

Straube. 2020. Uma reflexão sobre Nomes Vernáculos Técnicos (NVTs): o que a Ornitologia pode ensinar? https://sbzoologia.org.br/blog/71-uma-reflexao-sobre-nomes-vernaculos-tecnicos-nvts-o-que-a-ornitologia-pode-ensinar.php

Outros divulgadores:

William Menq. Planeta Aves. https://www.youtube.com/channel/UCQwHYU3ZbSLG6LOVwtvuozg

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