Vape ou cigarro eletrônico, pode ou não pode? (V.5, N.7, P.3, 2022)

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#acessibilidade: Na imagem há um rapaz fazendo uso de cigarro eletrônico. Há muita fumaça ao seu redor, cobrindo quase que totalmente seu rosto. Ao fundo da imagem há árvores, poste de iluminação e a estrutura de um prédio indicando que o rapaz está em um local aberto.

Texto escrito por Caio Henrique Pinke Rodrigues e Aline Thaís Bruni

No último dia 26 de junho ocorreu mais um caso de hospitalização por uso de cigarro eletrônico que ganhou a atenção da mídia [1]. Infelizmente, esse não é um caso isolado. Há diversos relatos, de pessoas públicas ou não, revelando seus efeitos adversos. Além dos adultos, um estudo feito nos Estados Unidos em 2019 [2] estima que um a cada quatro estudantes no ensino médio já tenha feito uso de cigarro eletrônico.

Mas afinal o que são esses cigarros eletrônicos? De maneira simplificada, podem ser entendidos como dispositivos eletrônicos para fumar (DEF); aparecendo com diversos nomes, populares e comerciais, tais como cigarros eletrônicos, vaper, pod, e-cigarette, entre outros. Surgiram no mercado em 2003 e, em sua maioria, apresentam a composição básica de propileno glicol, glicerina, nicotina e flavorizantes [3]. Contudo, algumas inconstâncias ou irregularidades já têm sido encontradas. Aproximadamente 85% dos DEF apresentam esses constituintes em concentrações além dos limites estabelecidos pelos países que têm seu comércio autorizado, sendo que essas quantidades já provocam danos a nível celular. Já foram identificadas concentrações de nicotina entre 3-36 mg mL-1 [2], sendo que a legislação brasileira autoriza, nos cigarros convencionais, apenas 1 mg mL-1 [4]. Além disso, por possuírem ciclos de aquecimento, quando consumidos constantemente, podem fazer com que metais tóxicos, como cromo e níquel, tornem-se mais fáceis de serem assimilados prejudicando o organismo [5].

No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária por meio da RDC (Resolução de Diretoria Colegiada) nº 46, de 28 de agosto de 2009, proíbe a comercialização, importação e propaganda de todos os DEFs. A decisão foi baseada em diversos fatores, inclusive na falta de informações que atestem sua segurança, mostrando-se, assim, estar fundamentada no princípio da precaução, que indica que se algo não apresenta condições mínimas para o consumo, não deve ser autorizada (Lei nº 9782 de 26 de janeiro de 1999).

Dentre os problemas já relatados temos os respiratórios, cardiovasculares e neurológicos. A cavidade oral é a primeira a entrar em contato com as substâncias vaporizadas presentes no cigarro eletrônico. Um estudo piloto identificou que as células bucais de quem faz uso de cigarro eletrônico apresentavam supressão de genes antitumorais e outros que realizam a reparação do DNA após cerca de 20 baforadas em uma sessão. Além disso, a microbiota oral também é afetada indicando uma tendência de problemas odontológicos pelo uso [5]. De maneira resumida, a Figura 1 ilustra alguns dos principais problemas relacionados ao consumo de cigarro eletrônico reportados em um estudo que buscou resumir os principais efeitos do uso deste dispositivo entre jovens [2].

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Figura 1. Esquema representando o corpo humano e alguns dos efeitos já observados do uso de cigarro eletrônico [2].

Os efeitos da nicotina e do hábito de fumar no sistema cardiovascular já são velhos conhecidos da ciência, mas os efeitos decorrentes do uso específico de cigarro eletrônico ainda não são muito claros. Isso se deve ao ainda pequeno número de estudos analisando a relação entre o uso de DEFs e problemas de saúde. Contudo, há estudos específicos que indicaram uma possível relação entre dor torácica, doença coronariana, arritmias e infartos do miocárdio relacionados ao consumo do dispositivo eletrônico [5].

O risco de se fumar (ou como é mais comum ouvir “puxar”) cigarro eletrônico ainda está sendo avaliado. Estudos longitudinais, ou seja, pesquisas que procuram saber os efeitos das substâncias através das gerações ainda estão em andamento. Eles ainda não apresentaram um veredito e as respostas ainda não apontam para uma mesma direção, alguns estudos indicam alterações moleculares e fisiológicas, mas outras não identificaram nenhum risco à saúde. O que se sabe é que não há segurança para fazer uso desses dispositivos.

Além de todos esses problemas sobre o cigarro eletrônico, ainda há investigações que mostraram que os dispositivos podem conter compostos não desejáveis em suas composições. Um estudo realizado pela Polícia de Dubai entre 2016-2020 analisou 188 amostras de cigarro eletrônico. Desses, 159 continham alguma substância proibida e apenas 29 deram resultado negativo para esses tipos de substâncias. Dentre os resultados positivos foram identificados: THC (Δ9-Tetrahidrocanabinol) e mistura de catinonas sintéticas. Um resultado semelhante foi observado no Reino Unido, onde 32,7% das amostras de cigarro eletrônico continham cannabis, 10,8% anfetaminas e 10,7% cocaína [6].

As incertezas que rondam esses dispositivos ainda são muitas e há necessidade de mais pesquisas para conseguirmos compreender os efeitos. Contudo, o que se sabe até o momento é que eles não são aptos para o consumo humano. Por essa razão a ANVISA ainda mantém o posicionamento de proibir seu comércio, importação e propaganda. Somando os diferentes fatores apresentados, fica claro que não é uma decisão muito assertiva fazer o uso desses dispositivos. Assim, a principal premissa é e sempre será que nosso corpo não é um tubo de ensaio para fazermos testes.

Fontes:

[1] Redação Catraca Livre. Lucas Viana é socorrido por ambulância após uso de cigarro eletrônico. Disponível em: https://catracalivre.com.br/saude-bem-estar/lucas-viana-socorrido-ambulancia-cigarro-eletronico/. Acessado em 30/06/2022.

[2] A. N. Venkata; R. Deepak R Palagiri, S. Vaithilingam. Vaping epidemic in US teens: problem and solutions. Current Opinion in Pulmonary Medicine. 27, 88–94, 2021. DOI:10.1097/MCP.0000000000000757

[3] Aliança de Controle do Tabagismo (ACT) Promoção da Saúde.  Dispositivos Eletrônicos para Fumar (DEFs). Disponível em <https://actbr.org.br/defs>. Acessado em 25/06/2022.

[4] Ministério da Saúde, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. RDC Nº 14, DE 15 DE MARÇO DE 2012 – Dispõe sobre os limites máximos de alcatrão, nicotina e monóxido de carbono nos cigarros e a restrição do uso de aditivos nos produtos fumígenos derivados do tabaco, e dá outras providências. Disponível em <https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/anvisa/2012/rdc0014_15_03_2012.pdf>. Acessado em 30/06/2022.

[5] T. Gordon; E. Karey; M. E. Rebuli; Y-N. H. Escobar; I. Jaspers; L. C. Chen. E-Cigarette Toxicology. Annual Review of Pharmacology and Toxicology. 62, 301-322, 2022.

[6] E. Saeed Almazrouei; A. Ali Bintamim; S. Eldin A. Khalil; R. Alremeithi; S. Gewily. The identification of drugs of abuse in E-cigarette samples seized in Dubai between 2016 and 2020. Forensic Science International 333, 11233, 2022.

Para saber mais:

Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Cigarro eletrônico.

Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras drogas. NOTA TÉCNICA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE ESTUDOS DO ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS (ABEAD) SOBRE OS DISPOSITIVOS ELETRÔNICOS PARA FUMAR (DEFs). 2021.

Outros divulgadores:

Canal Ciência Suja. A indústria do tabaco do século 21: nova cara, velhos costumes(Podcast)

Canal Bem Estar. Cigarro eletrônico(Podcast) 

Canal Dossiê SUPER. Cigarro eletrônico (Podcast)

TV Globo – Fantástico. Cigarros eletrônicos viram moda e provocam epidemia de nicotina entre os jovens (Vídeo)

Desserviço ao Consumidor. Febre do vape (Vídeo)

Canal Ciência Suja. CIGARROS ELETRÔNICOS: o mercado da nicotina contra-ataca (Vídeo)

VAPE FAZ MAL PRO CÉREBRO? (Vídeo)

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