Por que cargas idênticas se repelem, e cargas diferentes se atraem? (V.5, N.7, P.2, 2022)

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Tempo de leitura: 7 minutos
#acessibilidade: foto de gato com pedaços de papel grudados em seu pelo por estática. Abaixo da foto há a frase “Eletricidade Estática. Sim muito engraçado! me esfregar no carpete e depois colocar em uma caixa de transporte…vc vai pagar por isso!”

Fenômenos observados na natureza sempre despertaram o interesse dos seres humanos, desde seus primórdios. Uma observação que despertou a curiosidade em diversas civilizações de forma independente foi o efeito de que determinados tipos de “pedra” atraiam pedaços de ferro e outros minérios. Os gregos sabiam que isso acontecia com um tipo de rocha, a magnetita (encontrada na região da Magnésia, na Ásia Menor), e esse efeito, posteriormente chamado magnetismo, era conhecido também pelas civilizações egípcia, chinesa, algumas civilizações mediterrâneas e da América Central.

No século XI, chineses e árabes perceberam que uma agulha feita de magnetita que pudesse girar livremente apontava sempre para a mesma direção e começaram a utilizar essa ferramenta para se guiar: estava inventada a bússola, que teve um impacto enorme nos séculos seguintes.

Na Grécia antiga, observava-se que ao esfregar um pedaço de âmbar com pele de animal, ele passava a atrair pequenos pedaços de palha e madeira. Esses fenômenos despertaram a curiosidade ainda por um bom tempo, e muitos experimentos foram feitos para melhor compreendê-los. Em 1600, William Gilbert publicou um livro no qual apresentava pela primeira vez a palavra “eletricidade”, derivada da palavra “elektron”, que significa âmbar.

Em 1729, Stephen Gray observou que, se esfregasse um pedaço de vidro com um tecido, de forma que o vidro passasse a atrair pequenos objetos, e depois tocasse com o vidro uma bola de marfim pendurada por um barbante, essa bola passava a atrair pequenos objetos. Se substituísse o barbante por fio metálico, isso não acontecia.

Se você  pegar um pedaço de vidro, esfregar com seda e com ele tocar dois objetos iguais,  feitos do mesmo material, como bolinhas de  plástico, por exemplo, e tentar aproximá-las? Verá que as bolinhas se repelem. Se você tocar uma bolinha com o vidro e outra com a seda elas se atraem. Então, seja o que for que está passando de um objeto para outro, faz eles se atraírem em alguns casos e se repelirem em outros.

Charles du Fay, em 1730, chamou esse “seja o que for” de carga, e propôs que  fosse de dois tipos diferentes, que ele nomeou de positiva e negativa. Objetos carregados com o mesmo tipo de carga se repelem, enquanto objetos carregados com cargas diferentes se atraem.

Benjamin Franklin propôs, em 1750, que não eram dois tipos de cargas que fluíam quando se esfregava determinados objetos, e sim um mesmo tipo que se acumulava em um objeto (carregado positivamente) e ficava em falta no outro (carregado negativamente).

Finalmente em 1820, Hans Oestered realizou um experimento que fez a ponte entre eletricidade (do Gilbert) e magnetismo: ele colocou um fio por onde passava uma corrente perto de uma bússola, e a agulha começou a girar loucamente!

Pronto, está montado o cenário histórico no qual foi desenvolvido o que chamamos hoje de eletromagnetismo. Mas o que é essa tal “carga”? A resposta simples é “não sabemos…” O eletromagnetismo não define o que é a carga, mas como ela se comporta.

Dizemos que ela é uma propriedade intrínseca da matéria, o que significa basicamente que é a estrutura da matéria como conhecemos que faz com que objetos tenham carga. No modelo atual, a matéria é formada por átomos, que por sua vez são formados por prótons (que tem carga positiva), nêutrons (que não tem carga) e elétrons (que tem carga negativa).

Os prótons e nêutrons ficam no centro do átomo, enquanto os elétrons “orbitam” ao redor. Em condições normais, os prótons não saem do núcleo, o que pode acontecer é que elétrons passem de um material para outro, por fricção por exemplo, como no caso do bastão de vidro lá do início do texto, e do gato da figura. Esse fenômeno é chamado de  “eletricidade estática”.

“E como a gente sabe de tudo isso?”, você pode estar se perguntando. Por meio de mais experimentos, claro. No início do século XIX, Joseph.John Thomson (conhecido como “o pai do életron”) fez um experimento chamado experimento de raios catódicos: ele construiu um aparato no qual ele fazia passar uma corrente elétrica num tubo no qual havia vácuo.

Para descobrir a carga das partículas que formavam o feixe, Thomson colocou duas placas ao redor do tubo, uma positiva e outra negativa. E adivinha o que aconteceu com o feixe? Se desviou da placa negativa e foi em direção à placa positiva. Isso foi uma indicação de que a corrente elétrica era formada de partículas negativas.

Esse e outros experimentos levaram Thomson a outras duas conclusões  importantes: 1. ele observou que a massa do eletrodo não variava, portanto a massa dessas partículas devia ser muito menor que a massa dos átomos; 2. ele testou eletrodos de vários metais, e as propriedades dos raios catódicos eram as mesmas. Logo, essas partículas deviam estar presentes em todos os elementos. Ele também obteve a razão entre a carga e a massa dessas partículas, que foram chamadas de elétrons.

Como a matéria é neutra, Thomson propôs que deveriam existir também partículas com cargas positivas no átomo, de forma que a carga total fosse zero. Ele propôs o modelo de “pudim de passas” para o átomo, no qual os elétrons flutuariam dentro de uma massa difusa.

Para investigar melhor a estrutura dos átomos, Rutherford fez um experimento no qual disparava um feixe de partículas positivas numa folha de ouro. Essas partículas positivas eram partículas alfa (𝛂), que são liberadas em decaimentos radioativos e hoje sabemos que são núcleos de hélio.

Rutherford colocou uma amostra de rádio (um metal radioativo) dentro de uma caixa de chumbo com um pequeno orifício, que permitia que um feixe de partículas alfa (𝛂) saísse em direção à folha de ouro. A folha de ouro tinha uma tela ao seu redor que cintilava quando atingida por uma partícula.

Baseado no modelo de Thomsom, esperava-se que as partículas passassem direto pela folha de ouro, pois as partículas positivas estariam uniformemente dispersas no pudim de passas”, e o campo elétrico total seria muito fraco para desviar as partículas alfa. O que se observou, no entanto, foi que uma em cada 20 mil partículas era desviada, ou seja, se chocava com alguma coisa na folha de ouro.

Como as partículas alfa eram relativamente grandes e muito velozes, deduziu-se que o que desviou as partículas alfa era também grande, e como a maioria das partículas alfa passou reto, concluiu-se que a maior parte do átomo é espaço vazio!

Em 1911, Rutherford propôs então um novo modelo para o átomo, no qual a carga positiva estava concentrada no seu núcleo e os elétrons orbitavam ao seu redor. Seguindo com seus estudos sobre o núcleo atômico, o próprio Rutherford em 1919 descobriu o próton, a partir de um experimento no qual ele bombardeava nitrogênio com partículas alfa. O próton é cerca de 1836 vezes maior que o elétron, e tem carga da mesma magnitude e sinal contrário. Ele propôs também a existência de uma partícula neutra no núcleo, que foi descoberta por Chadwick em 1932.

Pronto, agora temos partículas com carga positiva no núcleo do átomo (os prótons) e partículas com carga negativa “orbitando” ao seu redor (os elétrons). A partir daí surgiram outras perguntas como “por que os elétrons não caem no núcleo”, etc, mas aqui vamos focar nessas partículas e suas cargas. 

Dissemos anteriormente que o próton e o elétron tem massas muito diferentes, mas tem carga de mesmo valor com sinal trocado (carga do próton = 1,6 x 10-19 C*, carga do elétron = -1,6 x 10-19  C). Esse valor é chamado “carga elementar”, ‘e’. [*C: Coulomb, unidade de carga elétrica no Sistema Internacional, definido como a quantidade de carga fluindo quando a corrente é de 1 ampère]

Retomando à proposição de Benjamin Franklin lá no início do texto, segundo a qual “alguma coisa” fluía de um objeto para outro, o que sabemos hoje é que os elétrons mais externos dos átomos podem ser arrancados de alguns tipos de materiais e acumulados por outros. Os átomos que passam a possuir números diferentes de prótons e elétrons (“ganhando” ou “perdendo” elétrons) são chamados íons.

E o que faz a bolinha tocada com vidro e a bolinha tocada com seda se atraírem é que uma perdeu elétrons e outra ganhou. A interação eletrostática faz com que elas se aproximem e uma transfira elétrons para a outra, de forma que ambas voltam a ser neutras.

A carga tem duas propriedades importantes:

1) não pode ser dividida: você pode ter 1 carga (1 e), 2 cargas (2 e), 129 (129 e) cargas, etc, mas não pode ter 1,5 carga (1,5 e).

2) não pode ser criada ou destruída, apenas transferida de um material para outro.

Então, para resumir: carga é uma propriedade intrínseca da matéria, assim como a massa. Partículas que formam os átomos, como prótons e elétrons, tem respectivamente carga positiva e negativa. Já a matéria (como um conjunto grande de átomos) pode estar carregada eletricamente se seus átomos perderem ou ganharem elétrons, formando íons. Íons com cargas diferentes se atraem porque ao se atraírem a soma das suas cargas é zero, ou seja, dizemos que o sistema se torna neutro, portanto mais estável. Finalmente, se temos dois materiais carregados com cargas opostas, eles irão se atrair e ao se tocarem haverá transferência de elétrons de forma que ambos se tornem neutros.

Para saber mais:

Fonte da imagem destacada: https://pt.memedroid.com/memes/detail/305476

Tudo que você precisa saber sobre carga elétrica: Propriedades, fatos e exemplos (vídeo)

A história do Eletromagnetismo (vídeo)

Descoberta do elétron e do núcleo (artigo) | Khan Academy 

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