Que delícia de mar, hein?! (V.2, N.3, P.3, 2019)

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Tempo de leitura: 7 minutos
#acessibilidade Imagem em alusão a Poseidon com a metade superior do corpo acima das águas turbulentas.

Texto escrito em colaboração com Gabriela Dias

Esteja em uma expressão de amor como na música Oceano do Djavan, “Você deságua em mim, e eu, Oceano”, ou na triste narrativa de escassez de água imortalizada na voz de Luiz Gonzaga em Súplica Cearense, e em Asa Branca. Seja lúdica como as múltiplas águas de Jorge Ben Jor em Alcohol como “água de beber, água de benzer, ou água de banhar”. Ou mesmo expressa em seu ciclo, descrito por Guilherme Arantes, com o famoso refrão de “Terra, Planeta Água!”. E antes que a tragédia da enchente que tudo arrasta cantada por Tom Jobim apareça com a Água de Março e deixe pesado o clima deste texto, logo na largada, é bom que Chico Buarque chegue para pôr um fim nessas alusões/citações com a última Gota D’água!

O tema ÁGUA pode ser abordado de diversas formas, como da forma lúdica utilizada acima, podendo motivar letras e canções e as demais formas de arte. É um assunto tão inesgotável, quanto relevante justamente pelas suas múltiplas propriedades e aplicações sendo, acima de tudo, essencial à vida como conhecemos no nosso tão querido redondeta planeta Terra.

Nesta semana, no dia 22 de Março, se celebra o Dia Mundial da Água, e gostaríamos de destacar um pouco dessa importância e conscientizar o porquê de encontrarmos esse assunto nas mais variadas questões do nosso dia a dia, antes que possam estourar os rojões para comemorar.

Vale lembrar que a vida, na forma como conhecemos (animais, vegetais, microorganismos, algas…), é completamente dependente de água, ela permite que reações e processos bioquímicos fundamentais ocorram, é responsável pelo transporte de nutrientes, sais, trocas gasosas. Esta água também é essencial para o desenvolvimento social e econômico e corresponde a 60% do peso de um homem adulto e 55% do de uma mulher adulta.

Mais de 70% da superfície da Terra é composta por água, e é bom esclarecermos que ela pode ser abundante, mas é muito disputada mesmo assim! E nós não estamos falando (só) da disputa entre os portugueses, espanhóis e italianos pelos mares e oceanos no milênio passado!

Ora ou outra estamos em meio a uma crise hídrica ou uma campanha de redução de consumo de água e, como bem sabemos, praticamente tudo que fazemos vai envolver água de alguma forma, mas você já parou para pensar por que existem estas crises ou onde a água é mais consumida na nossa sociedade?

As crises de abastecimento nas grandes cidades e no campo são consequências principalmente do crescimento do consumo, da má gestão e mal planejamento dos nossos governantes. Quanto ao consumo no Brasil, por exemplo, temos pelo menos duas fontes governamentais muito interessantes para adquirir informações a este respeito e tentar responder esta questão: o Ministério do Meio Ambiente e a Agência Nacional de Águas (ANA), que produz relatórios anuais muito completos e de fácil leitura e ainda pode ser encontrada pelo site.

No Brasil são retirados aproximadamente 2 milhões de litros de água por segundo das fontes de água, sendo que um milhão retorna automaticamente e o outro milhão demora mais um pouco para retornar porque é consumida e passa a integrar algo. Por exemplo, a água que vai para a irrigação consome aproximadamente 1 milhão de litros por segundo, mas 220 mil litros retornam aos veios de água através de processos como escoamento aos rios e absorção do solo, enquanto o restante vai fazer parte da plantação que incorpora ela na sua massa juntamente com outros nutrientes para crescer.

Para você ter uma ideia de como é grande o meu amor por você o nosso uso da água, alguém que bebe aqueles 2 litros de água de recomendação diária levaria mais de 1300 anos para beber o que a irrigação consome em 1 segundo. Ainda tem diversos setores como a produção de energia (10%), a indústria (9%), pecuária (8%), a mineração (2%) e, é claro, o nosso consumo nas residências, sejam elas urbanas ou rurais (25%).

Mas se as residências consomem em torno de ¼ da água, por que se discute tanto o racionamento de água? Isso, além de ter relação com o fato da água no Brasil e no mundo ser extremamente mal distribuída, ainda tem relação com as propriedades que cada tipo de usuário pode consumir, por exemplo, a água utilizada na mineração é diferente da água utilizada para tomar banho ou cozinhar. Assim, quando somos convidados a preservar água e reduzir o consumo é porque estamos economizando água potável, não qualquer outra água.

Já que citamos a água da mineração, poderíamos falar um pouco mais sobre este uso e quando a água se torna um problema socioambiental como em enchentes e nos crimes ambientais, como os casos de Brumadinho e Mariana. Espera! É a água que se torna um problema ou estas manifestações são consequências ambientais de um problema humano?

A ANA é responsável pela produção anual do Relatório de Segurança de Barragens além da gestão do Sistema Nacional de Segurança de Barragens, mas a fiscalização de todas as barragens pelo país é papel de mais de 30 órgãos, independente da finalidade para qual a barragem é utilizada. Seja aquicultura*, irrigação, mineração ou outro motivo para se represar artificialmente água, ao final de 2017 o Brasil possuía 170 mil barragens de água sendo apenas pouco mais de 5 mil fiscalizadas quanto à Categoria de Risco e quanto ao Dano Potencial Associado, sendo dessas 723 classificadas nos dois parâmetros como alto potencial de dano.

Aí, quando vemos como estamos longe de fiscalizar todas as barragens artificiais, podemos pensar que, já que as barragens foram construídas pelo homem, naturalmente o homem está responsável pela sua manutenção e segurança, logo não precisamos nos preocupar com a fiscalização, certo? Talvez, se não tivessem construído as barragens com a finalidade de dar lucro para alguma atividade econômica e não tivéssemos pessoas dispostas a maximizar seus lucros a qualquer preço, esta afirmação poderia ser verdade…

Assim como no processo de urbanização desenfreado que muitas (ou praticamente todas) grandes cidades brasileiras passam, o interesse econômico lucra inclusive com a venda do que chamamos de várzea ou planície de inundação. Sim! As planícies de INUNDAÇÃO, que os rios acabam transbordando em suas cheias, são utilizadas para produção de riquezas para algumas pessoas, tanto na região rural quanto na urbana.

Na região rural, por conta da grande fertilidade do solo (graças principalmente ao material depositado durante as cheias), enquanto que no meio urbano tem valor elevado, normalmente, apenas quando as várzeas do rio ainda estão limpas e dificilmente mantém este valor para se morar ou instalar sua empresa depois de poluídas, a menos que você produza algum resíduo que precise dar uma destinação (normalmente cara) e você queira jogar no esgoto de forma clandestina.

Tá, mas pode surgir o questionamento de, se este problemão das águas nas cidades e nos campos usado para produzir principalmente desigualdades alimentos, então este problemão não é localizado? Você poderia lembrar por exemplo que o Brasil possui a maior reserva de água doce do mundo (cerca de 12%) e que o mundo inteiro consegue se virar com o que tem, porque nós não conseguiríamos?

Se você fez este tipo de questionamento, é bom que esclareçamos dois pontos principais: o perfil da escassez de água no mundo e no Brasil. No relatório de 2017 da Organização Mundial da Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), aproximadamente três em cada dez pessoas — em um total de 2,1 bilhões — não têm acesso a água potável em casa, e seis em cada dez — ou 4,5 bilhões — carecem de saneamento seguro, de acordo com novo relatório. Segundo o Relatório Mundial das Nações Unidas sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos de 2019, estimativas recentes mostram que 31 países experimentaram estresse hídrico entre 25% (definido como valor mínimo) e 70%. Outros 22 países estão em situação ainda pior, acima de 70% de escassez hídrica.

No Brasil, entre 70 e 80% de toda a água de superfície encontra-se na região norte, a região menos populosa do país, enquanto menos de 5% das reservas e grande parte da água subterrânea encontra-se no nordeste, segunda região mais populosa do país, e sendo que a maior parte dela com teor de sal acima do limite aceitável para o consumo humano. Pensando nisso, desde 2004 foi implementado um projeto de dessalinização das águas do semi-árido baseado em osmose reversa que abrange 9 estados: AL, BA, CE, MG, PB, PE, PI, SE e RN. A osmose é um processo físico em que a água migra de um meio aquoso menos concentrado para a direção mais concentrada de sais, esses dois meios são separados por uma membrana semipermeável que permite exclusivamente a passagem das moléculas de água. Na osmose inversa (ou reversa) uma pressão externa, superior a pressão osmótica, é aplicada e o solvente da solução mais concentrada passará pela membrana e irá em direção à solução menos concentrada, produzindo assim dois efluentes, o permeado (água dessalinizada) e o concentrado (mais informações abaixo).

Da meta de 1357 sistemas de dessalinização, 700 obras foram contratadas, 482 obras estão concluídas e 48 estão em fase de implantação — em 170 municípios do semiárido brasileiro. Embora tenha-se obtido avanços significativos com essa estratégia, muitas melhorias e inovações ainda podem ser implementadas. Essa técnica tem um custo elevado e por isso mais pesquisas continuam sendo desenvolvidas para otimização de processos de dessalinização, reaproveitamento e melhoria na gestão da água.

Existem muitas formas de reutilizar, recuperar e gerenciar a água, tão vastas quanto suas próprias aplicações e utilizações, mas não queremos afogar ninguém com um mar de informações. Portanto, vamos retomar essas discussões aos poucos em textos futuros, gota à gota (com o perdão dos trocadilhos). Por enquanto temos essa piscininha, ótimo pra gente começar!

*Aquicultura é tanto a ciência que estuda o uso da água para criação de outros seres vivos, principalmente visando a produção de alimentos, quanto a aplicação destes conceitos. Os seres vivos utilizados podem ser bem variados, mas destacam-se: peixes, crustáceos, moluscos, algas e, quando associado à criação de vegetais, pode receber o nome de aquaponia (fusão de aquicultura com hidroponia).

Fontes:

Fonte da imagem destacada: Internet

http://www.iee.usp.br/?q=pt-br/publica%C3%A7%C3%A3o/%C3%A1gua-e-sustentabilidade-desafios-perspectivas-e-solu%C3%A7%C3%B5es

https://educacao.uol.com.br/disciplinas/biologia/agua-e-vida-por-que-a-agua-e-importante-para-os-seres-vivos.htm

http://portalods.com.br/wp-content/uploads/2018/03/261594por.pdf

http://www.snirh.gov.br/portal/snirh/centrais-de-conteudos/conjuntura-dos-recursos-hidricos/conj2017_rel-1.pdf

http://www.snisb.gov.br/portal/snisb/relatorio-anual-de-seguranca-de-barragem/2017

https://www.fundaj.gov.br/index.php/educacao-contextualizada/9749-onu-4-5-bilhoes-de-pessoas-nao-dispoem-de-saneamento-seguro-no-mundo

http://arquivos.ana.gov.br/portal/publicacao/Conjuntura2018.pdf

http://www2.ana.gov.br/Paginas/servicos/cadastros/barragens/RelatoriodeSegurancadeBarragens.aspx

http://conjuntura.ana.gov.br/

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12334.htm

https://cee.fiocruz.br/?q=oms-2-1-bilhoes-de-pessoas-nao-tem-agua-potavel-em-casa-e-mais-do-dobro-nao-dispoem-de-saneamento-seguro#:~:text=Em%20todo%20o%20mundo%2C%20cerca,para%20a%20Inf%C3%A2ncia%20(UNICEF).

https://www.unicef.org/angola/comunicados-de-imprensa/at%C3%A9-2040-cerca-de-600-milh%C3%B5es-de-crian%C3%A7as-ir%C3%A3o-viver-em-%C3%A1reas-com-recursos

https://aguassubterraneas.abas.org/asubterraneas/article/download/28026/18153&ved=2ahUKEwj_8KTsto3hAhUKE7kGHcWiChAQFjABegQIBRAB&usg=AOvVaw3jeB14Vl77y5K_c72Ootsb

https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2018/12/30/prometida-por-bolsonaro-dessalinizacao-ja-da-agua-a-milhares-no-nordeste.htm

http://www.mma.gov.br/agua/agua-doce

http://www.mma.gov.br/agua/agua-doce/sistema-de-dessanilizacao.html

https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000367303_por

Para saber mais:

Mais informações sobre o processo de dessalinização

Descoberta de água líquida em Marte

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