Ouro, prata e bronze: Metais, Olimpíadas e Sustentabilidade (V.7, N.9, P.2, 2024)

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Tempo de leitura: 6 minutos
#acessibilidade: Observa-se um fundo com gradiente de cor preta até cinza, com a silhueta de uma ginasta. Em cima aparecem os cinco aros olímpicos nas cores azul, amarela, preta, verde e vermelha. Do lado esquerdo são sobrepostas duas imagens, uma contendo uma foto de medalhas de ouro, prata e bronze, e na outra, um destaque em azul de uma parte da tabela periódica onde se localizam alguns metais.

Texto escrito por Mónica B M López

O mundo está se despedindo de mais uma edição das Olimpíadas e das Paraolimpíadas, eventos multiesportivos globais, sediados pela França nesta ocasião. Vale lembrar que os atletas estão competindo no meio das altas temperaturas do verão na Europa e em um momento crítico para o meio ambiente devido às mudanças climáticas, das quais já falamos em vários textos por aqui. (leia A importância do Dia Mundial do Meio Ambiente, e Quem nunca ouviu a expressão “estou derretendo de calor”? ). Como sabemos, as medalhas são um dos símbolos mais conhecidos e cobiçados pelas e pelos atletas, e são um atestado do nível de desempenho esportivo. Aliás, quando você chegar nesse texto talvez já tenha se emocionado várias vezes vendo seus atletas favoritos ganharem uma medalha olímpica! 

Nem sempre foram entregues medalhas metálicas aos vencedores das competições esportivas. Nos Jogos Olímpicos da Grécia antiga, havia um único vencedor em cada modalidade e ganhava um ramo de oliveira selvagem. Já nas Olimpíadas modernas, a primeira delas celebrada em 1896 em Atenas (por motivos óbvios), além do ramo de oliveira foram introduzidas medalhas de prata entregues aos vencedores (Figura 1), e para os segundos colocados, medalhas de cobre ou bronze, junto com um ramo de loureiro (de onde vêm as expressões “louros da vitória” e “ficar com os louros”). A premiação com medalhas metálicas (ouro, prata e bronze) aos três primeiros colocados de cada categoria se iniciou nas Olimpíadas de 1904 (St Louis, Missouri, Estados Unidos). Atualmente, é estabelecido pelo Comité Olímpico Internacional, que a medalha de ouro deve ter um mínimo de 92,5% de prata na sua composição (sendo o restante ferro nas olimpíadas deste ano), recoberta com 6 g de ouro; a medalha de prata deve ter 92,5 % do metal, e a de bronze deve estar composta de cobre (95-97%), formando uma liga com estanho ou zinco.  

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Figura 1. Medalhas de prata entregues na primeira edição das Olimpíadas modernas em Atenas, em 1896. A face mostra o rosto de Zeus segurando um globo com a vitória; o verso tem a Acrópole com uma inscrição em grego. Imagem com Licença Creative Commons 4.0 International License. Fonte: Wikipédia.

A fascinação com os metais, a compreensão da sua natureza, e suas inúmeras aplicações, não são recentes na história. De fato, têm-se evidências da reutilização de metais por fusão e posterior solidificação, desde o ano 2500 A.C., na China. Por aqui, na América do Sul, algumas culturas pré-colombianas como os Quimbayas desenvolveram a ourivesaria e produziram peças de altíssima qualidade, com ouro, prata, cobre, e suas ligas. Várias delas são conservadas no Museu do Ouro na Colômbia (leia Golden Show: Os museus do ouro na Colômbia).

Os elementos metálicos preciosos (ouro, prata, platina, paládio, ródio) e outros metais como o ferro, lítio, níquel, cobalto, cobre, têm um papel crítico em aplicações industriais, médicas e tecnológicas. Para o mundo transitar para o uso de energias limpas, estes metais serão essenciais.  Tanto que, nos últimos cinco anos, a demanda tem se duplicado e estima-se que poderá se quadruplicar até 2040, como informado pelo Fórum Econômico Mundial no início de 2024. Para termos uma ideia, uma bateria elétrica para carro necessita aproximadamente de 8 kg de lítio, 35 kg de níquel, 20 kg de manganês, e 14 kg de cobalto. As estações de recarga requerem grandes quantidades de cobre. Os painéis solares, usam grandes quantidades de cobre, silício, prata e zinco, enquanto as turbinas de vento requerem ferro, cobre e alumínio. Por outro lado, o ouro é atrativo pela sua alta estabilidade química, pois resiste à degradação por contato com ar, umidade ou ácidos, portanto é amplamente usado na fabricação de smartphones e inúmeras peças eletrônicas. Aliás, enquanto precisamos de 1 tonelada de mineral para obter 1 g de ouro puro, esta mesma quantidade poderia ser obtida da reciclagem de aproximadamente 40 smartphones, não é impressionante? 

Agora que dimensionamos o problema, o que isto tem a ver com as medalhas olímpicas e por que a visibilidade do processo de fabricação é um exemplo importante da necessidade de reciclar metais preciosos e outros elementos metálicos? Se voltarmos um pouco no tempo, foi no Brasil, nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos do Rio 2016, quando as 5130 medalhas produzidas foram também um símbolo de sustentabilidade (Figura 2), pois foram fabricadas com 30 % de prata e bronze reciclados, e o ouro utilizado foi obtido sem utilização de mercúrio, elemento altamente contaminante. Estes metais foram obtidos a partir de espelhos quebrados, descarte de soldadura e placas de radiografias (raios x). Além disso, 40% do cobre utilizado veio de descarte próprio da Casa da Moeda, que foi a responsável pela fabricação.

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Figura 2. Medalhas de prata (500 g), ouro (494 de prata e 6 g de ouro), e bronze (475 g de cobre, 25 g de zinco) entregues nas Olimpíadas Rio 2016, contendo 30% de material reciclado. Imagem com Licença Creative Commons 4.0 International License. Fonte: Wikipédia.

Quatro anos depois, em Tóquio 2020, esta iniciativa foi reforçada e, naquela edição, cada medalha foi moldada completamente de metais reciclados de dispositivos eletrônicos doados voluntariamente pela população. Para quem gosta de números, 78985 toneladas de dispositivos foram coletadas (aproximadamente 6,21 milhões de smartphones, câmeras digitais e laptops), e o metal neles contido foi classificado, extraído e fundido para reutilização. Quando o período de coleta foi fechado, tinham-se obtido 30,3 kg de ouro, 4100 kg de prata e 2700 kg de bronze. 

É claro que outros metais também podem ser recuperados destes dispositivos (Figura 3), mas deve-se levar em consideração que a recuperação de cada um deles tem algumas particularidades. Um indicativo do quanto de cada elemento é possível retirar no final da vida dos dispositivos eletrônicos é a chamada taxa de reciclagem de fim de vida. Veja na figura abaixo a taxa de reciclagem desses elementos. Por exemplo, é possível recuperar mais de 50% dos metais na cor verde (alumínio, cobre, prata, ouro), enquanto uma baixa porcentagem de vários dos metais de terras raras pode ser reciclada eficientemente.

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Figura 3. Elementos metálicos, metaloides, e terras raras utilizados na fabricação de smartphones. Adaptada de https://www.compoundchem.com/2014/02/19/the-chemical-elements-of-a-smartphone/. Licença Creative Commons 4.0 International License.

As medalhas que os atletas recebem na atual Olimpíada em Paris também têm uma contribuição importante de reciclagem metálica. Neste caso, uma peça de ferro no centro da medalha, construída completamente a partir de descarte gerado na modernização da famosa torre Eiffel, durante o século XX. Antes de ser usado na construção de um dos maiores símbolos da França, o ferro passava por um processo de remoção de carbono, pois sua presença fazia com que o material ficasse quebradiço. Esta técnica, chamada de pudlagem, permitia a obtenção de ferro de alta qualidade, muito utilizado em famosas construções, mas foi substituído gradualmente pelo aço, mecanicamente mais resistente e de produção mais barata.1

Embora a reutilização de metais seja uma atividade feita há séculos, a reciclagem de metais preciosos, de terras raras, e alguns metaloides, se faz cada vez mais essencial para a produção de tecnologias limpas. À medida que os depósitos de minerais do planeta têm menor capacidade de responder à demanda crescente destes elementos, seja por motivos de baixo teor do mineral, desafios climáticos e geopolítica, um futuro tecnologicamente limpo fica comprometido devido a muitos destes dispositivos não poderem ser reutilizados ou reciclados.

1 O ferro cru contém sílica e até 4,7% de carbono, já o teor de carbono no aço é menor de 2.1%.

Fontes:

https://www.smithsonianmag.com/smart-news/the-paris-olympic-medals-include-pieces-of-the-ei ffel-tower-180983767/

https://www.compoundchem.com/2015/09/15/recycling-phone-elements/

https://www.teamletzebuerg.lu/the-process-of-making-olympic-medals/

https://www.recyclemetals.org/about-metal-recycling/cool-facts.html

https://phys.org/news/2016-02-dont-chuck-mobile-gold.html

https://www.weforum.org/agenda/2024/06/energy-transition-critical-minerals-mining/

Para saber mais:

https://www.recyclemetals.org/static/3524b8a0-d544-44e9-a7b9b0eb4615c241/EuRIC-Metal-Recycling-Factsheet.pdf

https://wedocs.unep.org/bitstream/handle/20.500.11822/8702/Recycling_Metals.pdf

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