(Português do Brasil) Moniardo – estratégia reprodutiva de um casal sensacional (V.6, N.5, P.4, 2023)

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#acessibilidade: Ilustração de um exemplar fêmea do peixe de profundidade Haplophryne mollis, em vista lateral esquerda, contendo três machos menores que o comprimento de sua cabeça acoplados a seu ventre. A fêmea tem aproximadamente 10 cm de comprimento total, e todos são esbranquiçados sobre fundo azul.

Autor: Fernando Zaniolo Gibran

Antes de começar nossa história de amor e sexo deixo claro que uso algumas referências musicais e analogias para dar um tom de graça a algo complexo relacionado à sobrevivência, abusando, portanto, de licença poética. Afinal, “quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer, que não existe razão?” (Eduardo e Mônica, canção de Legião Urbana, 1986). Como atividade acompanhante da leitura, tente descobrir as outras seis referências musicais aqui utilizadas, depois confira lá embaixo se acertou. Imagine a seguinte adaptação de Eduardo e Mônica: dois indivíduos de sexos distintos se encontram, são nada parecidos, ele uma miniatura incompleta, ela mais independente e funcional. Mas, mesmo com tudo assim tão diferente, veio aquela vontade de se ver, uma vontade que crescia, como tinha de ser… Assim como na canção de Legião Urbana e Renato Russo, esse nosso casal protagonista também se completa, mas de uma forma muito mais estranha, bizarra, do que feijão com arroz.

Existe um grupo de peixes marinhos um tanto peculiares, por apresentarem uma novidade evolutiva exclusiva e pitoresca, que é a modificação do primeiro raio da nadadeira dorsal, se presente, em uma estrutura na cabeça que funciona como um atrativo para captura de presas. Por causa desta modificação, que lembra uma vara e isca de pesca, são popularmente conhecidos como “peixes pescadores” (você certamente já viu algum desses peixes retratados em desenhos, e alguns têm até bioluminescência neste atrativo). São peixes Lophiiformes, com representantes tanto em águas rasas quanto profundas. Nosso casal “Moniardo” pertence à uma das muitas espécies de águas profundas do subgrupo Ceratioidea, com notável dimorfismo sexual – quando indivíduos macho e fêmea são morfologicamente distintos, neste caso tanto em tamanhos quanto na aparência. Aqui considero águas profundas aquelas além dos 1.000 m de profundidade, incluindo a zona abissal, sendo uma região oceânica fria e totalmente escura. Machos adultos de alguns Ceratioidea são muito menores que as fêmeas e considerados parasitas destas. Um parasitismo diferente, pois apesar destes machos se alimentarem de parte do sangue das fêmeas, não as afetam apenas negativamente, já que juntos têm sucesso reprodutivo e se beneficiam da união. Este “parasitismo” especial garante as futuras gerações e a manutenção de suas populações.

Como em muitos outros peixes marinhos, os ovos destas espécies ficam no plâncton, nas águas superficiais ricas em nutrientes dos oceanos. Após eclosão e metamorfose das larvas, os indivíduos machos precisam mergulhar fundo e encontrar as fêmeas, questão de vida ou morte. Nesta etapa crucial para sobrevivência, são guiados por pistas químicas específicas. Quando têm sucesso em encontrar uma parceira, dão logo uma mordida em seu corpo, e passam então a se alimentar de seu sangue, como em um longo beijo de um doce vampiro.

Neste acoplamento se estabelece uma íntima conexão vascular entre o casal que, juntos, conseguem agora produzir tanto gametas masculinos quanto femininos para a produção de seus ovos na imensidão das profundezas – o macho, portanto, se resume a função de servir como um testículo à fêmea. Por outro lado, a fêmea é a única capaz de se alimentar, mantendo o macho nutrido: são complementares – “ainda bem, que agora encontrei você…”. Em alguns casos, fêmeas não parasitadas por machos nem desenvolvem ovários, e machos que não se acoplam às fêmeas morrem de fome. Algumas fêmeas também podem ser parasitadas por mais de um macho ao mesmo tempo, como na imagem que ilustra este texto.

Uma estratégia similar também ocorre em alguns vermes marinhos (poliquetas) do gênero Osedax, comedores de ossos de carcaças de animais mortos nas profundezas. Suas fêmeas também apresentam machos minúsculos aderidos a seu corpo, em uma estratégia convergente para a alimentação e reprodução na zona profunda, na qual encontrar parceiros e alimento são tarefas mais difíceis do que na superfície. E você, já encontrou sua alma gêmea?

 

Fonte da imagem:

https://fishbase.mnhn.fr/summary/17006 (autor Robbie N). Cada, disponível em https://commons.wikimedhttps://fishbase.mnhn.fr/summary/17006ia.org/wiki/File:Haplophryne_mollis_(female,_with_atrophied_male_attached).gif

 

Fontes:

Nelson, J. S. 2006. Fishes of the world. 4th ed. John Wiley & Sons, Inc. Hoboken, New Jersey.

Revista National Geographic Portugal. Natureza, 13 de janeiro de 2023. A estranha vida sexual do tamboril. Disponível em: https://nationalgeographic.pt/natureza/actualidade/1063-a-vida-sexual-dos-tamboris

Revista Pesquisa FAPESP. Edição 221, julho de 2014. Seres das profundezas. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/seres-das-profundezas-2/

 

Para saber mais:

Pietsch, T. W. 2009. Oceanic anglerfishes: extraordinary diversity in the deep sea. University of California Press. Dê uma espiada aqui: https://www.jstor.org/stable/10.1525/j.ctt1ppb32

 

Referências musicais:

Ainda bem, canção de Arnaldo Antunes e Marisa Monte, 2011 – ouça pelo YouTube Music

Alma gêmea, canção de Fábio Jr., 1994 – ouça pelo YouTube Music

Amor e sexo, canção de Rita Lee, 2003 (baseada em crônica de Arnaldo Jabor) – ouça pelo Youtube Music

Doce vampiro, canção de Rita Lee, 1979 – ouça pelo YouTube Music

Eduardo e Mônica, canção de Legião Urbana, 1986 – ouça pelo YouTube Music

Máscara, canção de Pitty, 2003 – ouça pelo YouTube Music

Você não soube me amar, canção da Blitz, 1982 – ouça pelo YouTube Music

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