#acessibilidade: Ilustração de um homem assustado com o excesso de informação, a respeito do conceito de infodemia. O homem veste uma camiseta rosa choque com um sinal de exclamação ao meio e ao seu redor tem diversas ilustrações, sendo elas: microfone, sino, sinal de exclamação, imagem de vírus, tela de vídeo, balões de conversa, a letra x, e a imagem de curtida.
Texto escrito por Gabi Dias
O surgimento de microprocessadores, computadores, e outras tecnologias foram os propulsores da era da informação, que tem como grande marco o advento da internet. Lemos e ouvimos com frequência que a informação está ao alcance dos nossos dedos. Isso porque, de fato, podemos acessar qualquer tipo de conteúdo a partir dos nossos smartphones, laptops e até mesmo através de relógios digitais, por exemplo.
Mais do que imersos em informações, somos soterrados por elas. É impossível estar a par de tudo o que acontece, consumindo essa infinidade de informações. Neste sentido, é comum a sensação de sempre estarmos perdendo algo. Em inglês existe, inclusive, um nome e uma sigla, especificamente para isso, fear of missing out (FOMO). Assim, é um desafio gerenciar toda a informação à qual somos expostos e é um desafio maior ainda checar tudo aquilo que chega até nós.
O jornalismo científico, assim como a divulgação científica, surgem como grandes aliados neste processo de organização e filtragem da informação, sendo que o rigor jornalístico e a importância da atualização estarão mais presentes no primeiro deles. Além de simplificar a linguagem técnica de algumas descobertas, também são responsáveis por revelar a presença da ciência em situações cotidianas, levando a reflexões sobre o papel da ciência e tecnologia (C&T) na nossa sociedade.
O combate à desinformação não é um desafio novo, mas se intensificou em tempos de pandemia. Nesta batalha, o jornalismo científico é uma de nossas armas mais poderosas. A infodemia, fenômeno que junta dois conceitos “informação” e “pandemia”, não surgiu com a pandemia do novo coronavírus, em 2020, mas ganhou ainda mais espaço com ela. Infodemia se refere a um aumento exponencial de informações associadas a um assunto específico. Nesta situação, a desinformação e a manipulação da mensagem também crescem vertiginosamente. Considerando ainda, o poder da internet associado às redes sociais, o tráfego de notícias falsas tem se alastrado de maneira incontrolável.
A infodemia cresceu tanto neste período de pandemia da COVID-19 que a Organização mundial de saúde (OMS) se manifestou por meio de uma nota recomendando que a população reduzisse seu consumo de notícias, que causam ansiedade e estresse, à uma ou duas vezes ao dia. A OMS recomendou ainda, o cuidado com as fontes de informação, sugerindo a busca em plataformas que tenham autoridade sobre o tema, como a própria.
De acordo com o documentário “The social dilemma”, (“O dilema das redes”, em português), distribuído pela plataforma de streaming Netflix, no Twitter as fake news (notícias falsas) tem uma taxa de divulgação seis vezes mais rápida que as notícias verossímeis. Eles sugerem que a resposta para essa diferença no alcance está no apelo emocional. As fake news são alarmantes, e algumas vezes geram identificação ou repulsa em quem as lê, e por isso são passadas adiante.
Dentro do contexto da pandemia, as notícias falsas permearam e ainda permeiam temas como vacinas, medidas de contenção do vírus, uso de máscaras, e ainda sugerem o uso de métodos de tratamento precoces, caseiros e ineficazes contra a COVID-19. Até as notícias mais absurdas ganharam espaço, como as torres de 5G serem responsáveis pela difusão do novo coronavírus, por exemplo. E não é apenas estapafúrdio, é perigoso! Torres foram queimadas, causando um grande prejuízo. Pessoas deixam de se vacinar e de se proteger (com o uso de máscaras e isolamento social) por medo de boatos sem fundamentos.
Neste sentido, o jornalismo científico é fundamental na apuração da verdade e na promoção de uma comunicação assertiva que aproxima o trabalho científico da comunidade para o qual ele é desenvolvido. Além do combate às fake news, o jornalismo científico também se mostrou essencial quando o ministério da saúde passou a restringir o acesso a dados sobre a pandemia do novo coronavírus. Veículos de informação como o G1, O Globo, Extra, O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e UOL formaram uma parceria para apurar as informações necessárias em todos os estados do país e no Distrito Federal.
Só a informação é capaz de trazer luz à ignorância, que gera a desconfiança, a polarização e as opiniões completamente dissociadas da realidade. Embora o jornalismo, e em grande parte o jornalismo científico, especificamente, tenham protagonizado o combate à desinformação. Por mais didático que eles possam ser, não poderão suprimir, sozinhos, as carências oriundas de uma boa educação formal. Essa luta demanda outros papéis, como políticas públicas, que garantam o acesso democrático à informação, além de incentivos à ciência e à educação.
Vivemos a era da informação, mas em um país continental como o nosso, as desigualdades culturais e sociais ainda são desafiadoras para o alcance dessa informação. De acordo com os dados do IBGE, em 2019 aproximadamente 22% dos brasileiros não tinham acesso à internet e 4 % dos entrevistados não tinham aparelho de televisão em casa. O menor percentual de pessoas, acima de dez anos de idade, que utilizaram a Internet em 2019 foi observado na Região Nordeste (68,6%) e o maior percentual foi encontrado na Região Sudeste (83,8%). A Região Norte tem o menor percentual de domicílios com televisão (91,6%), enquanto a Região Sudeste apresenta o maior indicador (97,7%). Percebe-se dessa forma que as duas principais fontes de acesso à informação, internet e televisão, não estão disponíveis para todos os brasileiros e nem estão distribuídas de forma igualitária pelo país.
Ter o acesso, no entanto, não garante por si o conhecimento. Além da desigualdade no acesso à informação, há também desigualdades na capacidade de ler, assimilar e interpretar essa informação. Dados do IBGE de 2019 também mostraram que a taxa de analfabetismo no Brasil é de 6,6% para pessoas com quinze anos ou mais, avaliadas neste censo. A maior taxa de analfabetismo está na região Nordeste (13,9 %), as menores taxas estão nas regiões Sul e Sudeste (ambas com 3,3%). A pesquisa do IBGE também mostrou que a taxa de analfabetismo para pessoas pretas e pardas é maior que o dobro do percentual observado para pessoas brancas.
Outros fatores, relacionados ao acesso à educação formal, como interpretação de texto e compreensão da metodologia científica influenciam na compreensão da informação, e se mostram como desafios adicionais no combate à desinformação. Apesar da ideia de que a era da informação abrange o todo, é preciso compreender que uma parte da população é negligenciada de várias formas nesse processo.
Em resumo, o combate à desinformação em tempos de pandemia, conta com um grande aliado: o jornalismo científico. No entanto é utópico esperar e atribuir a solução da infodemia somente à ele. É imprescindível o apoio ao jornalismo, mas também é urgente investir em educação. Uma melhor compreensão das descobertas e avanços científicos também requer a valorização da ciência como setor fundamental para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e preparada para os futuros desafios.
Fontes:
Fonte da imagem. Man angry about the infodemic concept. Disponível em: https://www.freepik.com/free-vector/man-angry-about-infodemic-concept_10965082.htm#query=infodemic&position=13&from_view=search&track=sph%22%3EFreepik%3C/a.
Para saber mais:
Revista Pesquisa FAPESP. Jornalismo para a ciência. Disponível em: https://revistapesquisa.fapesp.br/jornalismo-para-a-ciencia/.
ProQuest. SARS Also Spurs an ‘Information Epidemic. Disponível em: https://www.proquest.com/docview/279705520.
RockContent. Entenda o que é a Era da Informação e quais os seus impactos no marketing. Disponível em: https://rockcontent.com/br/blog/era-da-informacao/.
UNICAMP. Negacionismo na pandemia: a virulência da ignorância. Disponível em: https://www.unicamp.br/unicamp/noticias/2021/04/14/negacionismo-na-pandemia-virulencia-da-ignorancia.
SciELO. Infodemia: excesso de quantidade em detrimento da qualidade das informações sobre a COVID-19. Disponível em: https://www.scielosp.org/article/ress/2020.v29n4/e2020186/.
Guia dos Entusiastas da Ciência. Como matar um vírus?. Disponível em: https://gec.proec.ufabc.edu.br/o-que-que-a-ciencia-tem/como-matar-um-virus/.
World Health Organization. Mental health and psychosocial considerations during the COVID-19 outbreak. Disponível em: https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/mental-health-considerations.pdf?sfvrs%20n=6d3578af_2.
Guia dos Entusiastas da Ciência. Resenha – O dilema das redes. Disponível em: https://gec.proec.ufabc.edu.br/ciencia-pop/resenha-o-dilema-das-redes/.
G1 Política. Veículos de comunicação formam parceria para dar transparência a dados de Covid-19. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/noticia/2020/06/08/veiculos-de-comunicacao-formam-parceria-para-dar-transparencia-a-dados-de-covid-19.ghtml.
IBGE Educa. Informações Atualizada sobre tecnologias da informação e comunicação. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/materias-especiais/21581-informacoes-atualizadas-sobre-tecnologias-da-informacao-e-comunicacao.html.
IBGE Educa. Conheça o Brasil – População. Disponível em: https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o-brasil/populacao/18317-educacao.html#:~:text=A%20%20taxa%20de%202018%20havia,mil%20pessoas%20analfabetas%20em%202019.