(Português do Brasil) Comendo do fruto do bem e do mal: neurociência e moral (V.7, N.11, P.1, 2024)

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#acessibilidade: A figura é uma ilustração de um homem, vestido socialmente, confuso entre opiniões de verões imaginárias suas «do bem» e «do mal», respectivamente representados por ele com pequenos chifres, cauda e asas cinzas, à esquerda, e ele com uma auréola e asas brancas, à direita.

Texto escrito por Igor Espindola de Almeida

Como você sabe o que é certo e errado? Como julgamos que alguém é culpado ou inocente?

Diversos trabalhos têm tentado encontrar áreas do cérebro que estejam envolvidas com a moralidade, por exemplo, através dos níveis de oxigenação do sangue enquanto se pensa sobre um dilema moral ou vê atitudes que considera erradas. Entretanto, para nossa pergunta, o problema de identificar uma área especializada pouco nos diz sobre como ela se tornou assim, como se desenvolveu.

Assim como em todas as áreas das ciências, diversos modelos foram criados para explicar como passamos a saber o que é “certo” e o que é “errado”, como explorado por Rebecca Saxe (a da foto), em um artigo de 2005.

becca saxe - (Português do Brasil) Comendo do fruto do bem e do mal: neurociência e moral (V.7, N.11, P.1, 2024)
Rebecca Saxe – MIT McGovern Institute for Brain Research

Rebecca explica, que partindo do desenvolvimento humano, uma possibilidade para se pensar o surgimento da moralidade, seria o momento, por volta do terceiro ano de vida, em que passamos a reconhecer os pensamentos, desejos e sentimentos dos outros. É levemente diferente da ideia de que o senso de “errado” surge por volta dos dois anos quando as crianças, ao machucarem uma a outra, passam a perceber o estresse da vítima e a causalidade de suas ações. De todo modo, foram encontradas evidências de que já com um ano, distinguimos ações que podem ajudar os outros de ações que as prejudicam ou machucam.

Independente de qual modelo seja mais próximo da realidade, fico me perguntando, e convido você a também se questionar, como estas mudanças acontecem em nosso corpo, a nível biológico? Como se forma esta empatia?

Algo que tem sido foco de pesquisa neste sentido são os “neurônios-espelho”, um tipo de neurônio que ativa quando vemos outra pessoa fazer um movimento e tentamos reproduzi-lo. Por ser importante para o aprendizado por imitação, e se a empatia é algo que aprendemos socialmente, estudá-los poderia nos dar pistas de como se forma a empatia.

É relevante destacar aqui a problemática de estudos que correlacionam a falta desses sinais cerebrais de empatia com problemas sociais, como a psicopatia e a agressividade (algo por alguns denominados de neurocriminologia). Neste quesito, é preciso entender que tais áreas cerebrais relacionadas com a empatia estão envolvidas em diversos comportamentos (assim como costuma ser com todas outras áreas) e por isso, não é suficiente uma imagem do funcionamento neural para diagnosticar alguém (algo que discutimos no texto Como você é seduzido pela neurociência). Devemos tomar cuidado para não transformar a Neurociência na frenologia do século XXI (tamanho e forma do crânio não indica características mentais de ninguém).

Outro aspecto importante para a empatia, seria o desenvolvimento emocional frente a outras pessoas. Entender como áreas do cérebro, como a amígdala, que regulam nossas emoções se desenvolvem, também pode contribuir para entendermos como nossa moral é formada.

O impacto deste tipo de pesquisa pode ser vista, por exemplo, no trabalho de Marco Iacoboni, Joshua Freedman e Jonas Kaplan sobre as eleições americanas, uma vez que nossas atitudes como eleitores passam pelo quanto temos empatia por quem elegemos.

De toda forma, essa passagem do funcionamento neural para um senso de “bem e mal” ou “certo e errado” ainda não é tão perceptível na Neurociência, mas algumas peças do quebra cabeça têm sido melhor explicadas nas últimas décadas, como a empatia, o livre-arbítrio e a tomada de decisões.

Sobre o livre-arbítrio, por exemplo, é sabido por trabalhos como os de Benjamin Libet e John-Dylan Haynes, que quando fazemos uma ação motora, como apertar um botão, a parte que coordena essa atividade em nosso cérebro ativa segundos antes do momento em que tomemos a decisão de apertá-lo. Ou seja, a área prepara-se antes de que a decisão seja realmente tomada. A pergunta que ficaria é, se nosso cérebro ativa antes de ter consciência de nossas decisões, existe livre-arbítrio?

Enfim, a resposta para perguntas tão estimulantes como “Como você sabe o que é certo e errado?” ou “Como julgamos que alguém é culpado ou inocente?” deve passar por diversas áreas de conhecimento. A Neurociência e a Psicologia, assim como a Sociologia, a Antropologia, as Artes e a Religião, tentam contribuir, cada uma à sua forma, para que entendamos melhor o que acontece em nossa mente.

De certo, entender como nossa moral é formada, pouco deve impactar em nosso comportamento. Devemos ser pessoas éticas e respeitar os demais da melhor forma que podemos. Enquanto isso, continuamos com a curiosidade que move as ciências e as outras formas de conhecimento, certo? (ou errado?)

Referências

Carey, Bjorn. “Men Enjoy Physical Revenge, Brain Study Suggests.” LiveScience, January 18, 2006.

Greene, Joshua, et al. “An fMRI Investigation of Emotional Engagement in Moral Judgment.” Science 293 (September 14, 2001): 2105-2108. (http://nwkpsych.rutgers.edu/~kharber/gradseminar/readings/class%204%20readings/Science%202001%20Greene.pdf )

Iacoboni, Marco, et al. “This is Your Brain on Politics.” New York Times, November 11, 2007.

Keim, Brandon. “Brain Scanners Can See Your Decisions Before You Make Them.” Wired, April 13, 2008

Saxe, Rebecca. “Do the Right Thing: Cognitive Science’s Search for a Common Morality.” Boston Review, September/October 2005.

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