(Português do Brasil) Biomimetismo: a natureza inspirando a tecnologia (V.8, N.5, P.1, 2025)

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#acessibilidade: A imagem, de fundo amarelo, ilustra ao centro um aperto de mãos inusitado: uma mão é robótica e a outra é “de planta” se cumprimentam.

Texto pelo colaborador Lucas Mendes e Vanessa Verdade

Você, que gosta de tecnologia e anda empolgado com as possibilidades da inteligência artificial e robótica, já reparou como algumas invenções tecnológicas lembram animais ou estruturas que observamos na natureza? Sabia que essa é uma área de estudo que tem nome, é bastante interdisciplinar e que vem ganhando espaço na engenharia, arquitetura e design? A biomimética, do grego “bios”, que significa vida e “mimesis”, que significa imitar, é uma área da ciência que tenta utilizar estruturas e formatos observados na natureza em ideias e projetos de engenharia, arquitetura e design, para melhorar a função, formato e performance de produtos.

É um tema bastante promissor e cada vez mais relevante diante da modernização da sociedade e os impactos gerados pela ação humana no ambiente. A biomimética inclui pautas de sustentabilidade, eficiência energética e formas em harmonia com o meio natural. A ideia principal dentro da área é aproveitar formas observadas na natureza que exercem determinadas funções e transportá-las para funções similares em produtos inovadores. Considerando que na natureza essas formas e estruturas vêm sendo testadas em milhões de anos de evolução, a chance de sucesso de desempenho é enorme. Por exemplo, se você pensa em inventar algo que voa, parece bastante intuitivo tentar copiar a forma de animais que voam. A gente faz isso quando é criança. Quem nunca segurou um lençol e saiu correndo? O lençol esticado e preso em nossas mãos lembra as asas de aves e morcegos.

Mas como pode a natureza servir de inspiração para a construção de máquinas e produtos totalmente sintéticos? A questão é que as leis físico-químicas que regem o mundo, funcionam sobre materiais sintéticos, construídos e também para os organismos. Uma superfície ampla molhada permite a evaporação mais rápida, seja formada por uma folha na floresta tropical, seja o lençol estendido no varal (aliás, temos texto sobre isso). Usamos muito mais o biomimetismo, do que pensamos. Por exemplo, o velcro foi patenteado em 1958 pelo engenheiro Georges de Mestral, que ao passear no bosque com seus cachorros percebeu que algumas sementes se prendiam tanto em sua roupa como nos pelos dos cachorros. Observando as sementes e a forma como se prendiam, usou o mesmo princípio e criou o velcro, que se prende ao tecido através de pequenos ganchos. Também é assim que as lagartixas sobem nas paredes! Você pode ter pensado que fosse por sucção e ventosas, mas não; na parte de baixo dos dedos das lagartixas existem lamelas com milhares destes ganchinhos, que só são visíveis ao microscópio eletrônico. São eles que se agarram às imperfeições das paredes sendo escaladas.

Outro exemplo interessante é o paralelismo de função da dentição de diversos vertebrados carnívoros viventes e fósseis e lacres. No lacre, puxar em uma direção é fácil, na outra, impossível. Essa é a mesma função da dentição orientada para o fundo da boca do predador, que ao morder a presa dificulta que ela se solte. Mais exemplos? Considerando aeronaves de alta velocidade e aves de rapina, principalmente os falconiformes, em ambos observamos formato com baixo coeficiente de arrasto, asas pontiagudas voltadas para trás, cauda que auxilia o controle no ar e perfil em formato de lágrima. Um falcão-peregrino, por exemplo, alcança uma velocidade terminal de mergulho de até 390 km/h. Não por acaso, o formato de aviões de caça, como o F-16 ou B-2, que atingem velocidades acima de mil km/h, são bastante similares. A silhueta do gavião e do avião são praticamente idênticas.

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Figura 1. Crânio de Velociraptor, um dinossauro Theropoda que apresenta dentes voltados para a região posterior da boca e ao lado, um lacre que utiliza o mesmo princípio e permite movimentação em apenas um sentido (fonte: Wikipedia)
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Figura 2. Bombardeiro B-2 e falcão-peregrino em mergulho aéreo. Notem a semelhança nos perfis. (sem fonte original).

Outro exemplo interessante mostra que as similaridades ocorrem não somente entre as invenções e um único animal, mas entre animais de origem bastante diversa também. Não importa qual a origem, a natação em alta velocidade em ambiente aquático exige formato cilíndrico, hidrodinâmico, propulsão traseira e apêndices dorsais e peitorais, seja nos tubarões (que são peixes cartilaginosos), golfinhos (que são mamíferos), ictiossauros (grupo fóssil parente dos lagartos) ou submarinos. Nos tubarões, golfinhos e ictiossauros, essas características surgiram por variação genética e foram selecionadas de geração em geração por milhares ou milhões de anos. Já os submarinos, construímos sabendo o que funcionaria bem. Como para tudo no planeta, natural ou artificial, vale a mesma física, é esperado que para a mesma atividade, no mesmo meio, formatos similares funcionem com a mesma eficiência. 

A quantidade de exemplos de construções e produtos biomiméticos é vasta: sistema de ventilação inspirado em cupinzeiros, edifícios com formas hexagonais inspirado em colmeias de abelha, cor estrutural inspirada em escamas das asas de borboletas, hélices de turbinas eólicas inspiradas em nadadeiras de baleias, tinta impermeável inspirada nas microestruturas da folha da flor de lótus, película refletora de UV inspirada em teias de aranha, a mochila inspirada no pangolim (lembra dele? Muito comentado durante a pandemia por causa da origem do vírus causador da covid-19?). Enfim, poderíamos seguir listando exemplos. 

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Figura 3. Mochila (à esquerda) inspirada no Pangolim (à direita), que apresenta como estratégia de defesa enrolar-se sobre si mesmo, utilizando as escamas como armadura (fonte da imagem: Wikipedia)

O biomimetismo está crescendo e pode otimizar recursos, reduzir impacto ambiental, criar produtos mais duráveis e/ou sustentáveis. Além de contar com um processo que estimula ainda mais a inovação, criatividade e colaborações interdisciplinares, estimulando soluções integradas (achei a cara da UFABC isso daqui!). As áreas em que o biomimetismo costuma ser destaque são a Engenharia de embalagens, visando especialmente ciclo fechado de produção, com reutilização e economia de energia; Engenharia civil e Arquitetura em que formas e estruturas são utilizadas para maior eficiência de uso de espaço, ventilação e iluminação; Engenharia aeroespacial, espelhando adaptações na aerodinâmica, modos de propulsão, layout e formatos, manobrabilidade, estrutura e peso; e Design que traduz formatos e cores em funcionalidade e arte em itens do dia a dia e filmes: a mensagem transmitida por um design arredondado é de segurança, acolhimento e conforto (lembra filhotes fofinhos), enquanto forma angulada transmite a ideia de impetuosidade e agressividade (lembra predadores); e Medicina e saúde, usando inspiração em produtos naturais para curativos, suturas e próteses.

Que a arte imita a vida, já sabemos. A biomimética é uma área que está de acordo com as necessidades mais imediatas do planeta e humanidade. Podemos manter nossas habilidades no uso de ferramentas tecnológicas e inovação, mas com a consciência de que somos parte da natureza, sujeitos às mesmas limitações e regras que todas as formas de vida. A cada perda da biodiversidade que provocamos, perdemos fonte de inspiração e a solução potencial de um problema. Biólogos, engenheiros e arquitetos, bora conversar?

Fontes: 

Sanchez et al. 2005. Biomimetism and bioinspiration as tools for the design of innovative

materials and systems. Nature Materials vol 4 April 2005

Para saber mais: 

Biomimetismo: quando a biodiversidade inspira a tecnologia (https://biodiversidade.com.pt/biohistorias/biomimetismo-quando-a-biodiversidade-inspira-a-tecnologia/)

O que é biomimetismo (em inglês: https://biomimicry.org/inspiration/what-is-biomimicry/)

Aplicações da biomimética (https://biomimesis.com.br/2025/01/22/aplicaccoe-da-biomimetica/)

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