A política da (in)sustentabilidade (V.4, N.6, P.4, 2021)

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Tempo de leitura: 5 minutos
#acessibilidade Imagem aérea de desmatamento e garimpo na Amazônia, às margens do rio Madeira.

Texto escrito pela colaboradora Inaê Sfalcin

Junho é o mês do meio ambiente, no qual muito se fala em sustentabilidade e conservação ambiental. Quando falamos em conservar a biodiversidade brasileira, é não apenas para que essa e as futuras gerações possam contemplá-la, mas, sobretudo, para sustentar as gerações do hoje e do amanhã. Isso inclui gerar benefícios sociais e econômicos, possíveis por meio do desenvolvimento sustentável.

Para ser sustentável, a questão em pauta precisa ser ambientalmente adequada, economicamente viável e socialmente justa. Infelizmente, em pleno 2021, a maior parte das decisões são baseadas em estratégias insustentáveis — aquelas que consomem os recursos naturais enquanto cresce a desigualdade social.

Neste contexto, poderíamos citar vários exemplos ocorrentes ao longo do vasto território brasileiro, mas vamos abordar a pauta da Amazônia, em especial.

O desmatamento e a extração madeireira da Amazônia, por exemplo, têm sido incentivados por grupos organizados, dando fomento ao agronegócio latifundiário e à pecuária sob a justificativa do crescimento econômico. No entanto, sabemos o quanto o solo amazônico é pobre em nutrientes do ponto de vista agrícola, o que sustenta lavouras nas primeiras safras e se limitam a baixa produtividade. O resultado disso? Abandono de área após poucos anos. Além das consequências climáticas do desmatamento, como a estiagem, um solo descoberto traz vários prejuízos ambientais que, dependendo da região, evoluem para a arenização.

Ou seja, além da dimensão social e ambiental, financeiramente também não compensa desmatar para produzir. Em pouco tempo, o prejuízo decorrente da seca e do solo degradado irá se sobrepor ao pouco ganho pela produção em áreas maiores. Quanto mais desmatamento, menos produtividade. Quantidade de área plantada não significa qualidade do produto colhido. Não há, verdadeiramente, o tão propalado crescimento da economia. É insustentável usar esta “estratégia”.

É insustentável porque beneficia os lucros de uma ínfima parcela da população brasileira, concentrando a renda entre os latifundiários, ao mesmo tempo que destrói as comunidades tradicionais viventes nestes locais (socialmente injusto); promove a degradação do solo, produzindo pouco e por pouco tempo, enquanto enterra o patrimônio natural que poderia gerar lucro de outras formas (economicamente inviável); acaba com a floresta que atua no controle ecológico e provoca desequilíbrio climático global, além de aniquilar o patrimônio genético amazônico (ambientalmente inadequado).

Vale considerar ainda que praticamente toda a produção de grãos nos latifúndios vira insumo (ração) para criações de animais e produção de carne. Isso acontece pois há uma procura grande pelo produto. Uma melhora na dieta, reduzindo a dependência carnívora, reduziria em grande parte a demanda por monoculturas e uso de terras. Isso já vem sendo aplicado em muitas regiões ao redor do mundo. Mas por que o consumo de carne é tão incentivado em nosso país, já que a redução do consumo desta é mais saudável e mais barato? Talvez porque exista um mercado lucrativo de grandes influenciadores por trás da venda de carne e não compensa ao beneficiário que as pessoas mudem seu padrão de consumo. Mas poucos estão prontos para esta conversa.

Significa, então, que é melhor parar de produzir grãos? Também não. Significa que compensa mais concentrar essa produção em regiões adequadas, fazendo uso de tecnologia baseada em bioprodutos e cultivares melhoradas, para produzir mais em menos espaço, sem a necessidade de destruir reservas naturais e unidades de conservação. Isso é ser sustentável, é fomentar a economia com inteligência, aproveitando cada espaço do nosso território da melhor forma.

Além disso, a destruição da floresta é proporcional à perda do potencial econômico da Amazônia. Em termos botânicos, por exemplo, há mais de dez mil plantas bioativas (para uso medicinal, cosmético e controle biológico de pragas) só em território amazônico. Políticas públicas de incentivo à exploração sustentável e comercialização destes compostos, gerariam renda não só às comunidades locais, mas a todos os brasileiros que atuariam na cadeia produtiva desses produtos (socialmente justo), com perspectiva de geração de renda a longo prazo (economicamente viável) e sem destruir a floresta, mantendo todos seus serviços ecossistêmicos (ambientalmente adequado).

Analisemos o uso do veneno de serpentes brasileiras na indústria farmacêutica versus o garimpo amazônico: uma grama de veneno de cobras das espécies cascavel e jararaca custa em média R$ 400 e o da coral chega a custar R$ 7 mil. O valor da grama do ouro hoje está em torno de R$ 300. Serpentários podem ser implantados em todo território nacional, para quem quiser investir no ramo, e com uma procura grande por laboratórios estrangeiros (mercado internacional garantido). O garimpo está concentrado na Amazônia, adoecendo as populações com mercúrio, destruindo o bioma, além de financiar o crime organizado do ouro ilegal. Por que o garimpo cresce cada dia mais e sobre os serpentários, ninguém fala?

Ainda, no ano de 2016, pesquisadores da UFMG estimaram que a produção de 1 hectare de açaí manejado gerava um rendimento bruto de R$ 26,8 mil, 10 vezes superior ao hectare de soja na época. O açaí emprega diversas comunidades. A soja, baseada na monocultura mecanizada, enriquece ainda mais o latifundiário. Onde estão as políticas públicas de fomento à atividades econômicas justas e rentáveis, considerando que o açaí é nativo do bioma Amazônico?

Com desenvolvimento sustentável, poderíamos investir no mercado interno e vender tecnologia para o exterior, utilizando o potencial natural que o Brasil tem, trazendo mais qualidade de vida equitativa ao nosso país, alcançando todas as comunidades, sejam elas rurais, urbanas, ribeirinhas, indígenas e/ou tradicionais. A reserva de recursos naturais, patrimônio de todos os brasileiros, é capital futuro. Destruí-lo é tirar de nós o que temos de mais valoroso.

Para conhecermos nosso potencial econômico, investirmos com inteligência e para tornar a nossa agricultura tecnológica e inovadora, é preciso, antes de tudo, de ciência e pesquisa. E não é cortando fomentos e fechando universidades que alcançaremos o desenvolvimento sustentável. Sustentabilidade vai muito além de separar o lixo em casa, é necessário reciclar também os que nos lideram; é necessário lutar pelo que é nosso e pelo nosso futuro; é necessário acreditar e apoiar a ciência.

Fontes:

Fonte da imagem destacada: Bruno Kelly/Amazônia Real/07/08/2020. Creative Commons Attribution 2.0

https://www.ecodebate.com.br/2009/01/07/amazonia-tem-10-mil-plantas-com-potencial-economico/

http://g1.globo.com/mato-grosso/noticia/2012/01/cobra-da-mais-lucro-do-que-ouro-diz-em-mt-administrador-de-serpentario.html

https://epocanegocios.globo.com/colunas/noticia/2018/04/maior-parte-dos-graos-vira-racao-e-nao-alimento-humano.html

https://revistagloborural.globo.com/Noticias/Economia/noticia/2020/09/acai-cacau-e-castanha-sao-mais-rentaveis-que-pecuaria-e-soja-na-amazonia-diz-carlos-nobre.html

https://revistagloborural.globo.com/Noticias/Sustentabilidade/noticia/2020/09/cacau-rende-sete-vezes-mais-que-pecuaria-e-recupera-mata-nativa-da-amazonia-no-para.html

https://www.ethos.org.br/cedoc/o-que-e-e-o-que-nao-e-sustentabilidade/

https://ciclovivo.com.br/planeta/desenvolvimento/agrofloresta-gera-dobro-de-lucro-da-soja-na-amazonia/

https://epocanegocios.globo.com/Tecnologia/noticia/2019/08/e-possivel-aproveitar-o-potencial-economico-da-amazonia-com-tecnologia-e-sem-desmatamento-diz-carlos-nobre.html

Para saber mais:

Projeto Amazônia 4.0 incentiva economia da região de forma sustentável: https://jornal.usp.br/atualidades/projeto-amazonia-4-0-incentiva-economia-da-regiao-de-forma-sustentavel/

Outros divulgadores:

Política ambiental do governo Bolsonaro é insustentável: https://www.redebrasilatual.com.br/sem-categoria/2019/08/para-orgao-da-onu-politica-ambiental-do-governo-bolsonaro-e-insustentavel/

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