Johanna Döbereiner: a presença feminina que revolucionou a agricultura (V.3, N.7, P.4, 2020)

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Tempo de leitura: 4 minutos
#acessibilidade A imagem mostra uma senhora de cabelos brancos, usando óculos, vestida com uma camisa social feminina por baixo de um casaco vermelho. Ao fundo avista-se um laboratório de pesquisa científica, com bancadas onde encontram-se frascos de soluções químicas.

Texto escrito pelo colaborador Wagner R. de Souza

Tchecoslováquia, 1945. Naquele ano, onde hoje está localizada a atual República Tcheca, uma perseguição intensa contra os cidadãos de ascendência alemã residentes no país estava sendo realizada. Paul Kubelka, um professor de físico-química na Universidade de Praga, foi então expulso do país com toda sua família, incluindo sua filha Johanna Liesbeth Kubelka Döbereiner, que foi então morar com seus avós na antiga Alemanha Oriental. Na Alemanha comunista, Johanna trabalhou em uma fazenda, ordenhando vacas e espalhando esterco para adubar o solo. Com a morte de seus avós, Johanna encontrou-se então com o restante de sua família em Munique, na Alemanha Ocidental, onde continuou trabalhando como camponesa. Sua mãe, Margarethe Kubelka, infelizmente havia morrido em um campo de concentração localizado em Praga.

O amor pelas plantas e pela terra fez Johanna matricular-se no curso de Agronomia da Universidade de Munique, onde formou-se em 1950. Neste mesmo ano, conheceu seu futuro marido, Jürgen Döbereiner. A situação da Alemanha na década de 50 era bastante conturbada, o que fez com que o pai de Johanna, junto a ela e seu marido, emigrassem para o Brasil.

Assim que chegou ao Brasil, Johanna ficou encantada com o vigor de nossa flora, notando particularmente como nossas plantas eram vistosas. Após sua chegada, foi trabalhar no Departamento de Microbiologia do antigo Instituto de Ecologia e Experimentação Agrícola, atual Centro Nacional de Pesquisa em Agrobiologia da Embrapa, localizado no município de Seropédica, no Rio de Janeiro. Sem conhecimento profundo de Microbiologia, Johanna prontificou-se a trabalhar como voluntária, sem receber nada. Todavia, lá em seu íntimo, ela já deveria saber de algo, pois um dia declarou: “há neste solo brasileiro algo de especial, pois olhem só o verde exuberante desta vegetação e destes gramados!” O carinho pelo Brasil levou a cientista tcheca a se naturalizar brasileira em 1956.

As observações atentas da nossa vegetação pela Dra. Joana, como era chamada pelos seus alunos e amigos brasileiros, a levaram a estudar um grupo especial de bactérias encontradas no solo, as bactérias fixadoras de nitrogênio. Estas bactérias são capazes de captar o nitrogênio do ar (N2), que é um gás inerte, e transformá-lo em amônia (NH3) ou outra molécula semelhante, que será então incorporada em moléculas essenciais como os aminoácidos. As plantas precisam de muito nitrogênio para o seu desenvolvimento, mas não conseguem realizar a transformação do N2 do ar. As bactérias fixadoras, por sua vez, precisam de muita energia na forma de açúcares para realizar o processo de transformação do N2. Então, estes dois organismos, que de bobos não têm nada, se associam. As plantas produzem os açúcares para as bactérias através da fotossíntese e as bactérias transformam o nitrogênio em uma forma que as plantas possam utilizar. Esta foi a grande sacada da Dra. Joana!

Os estudos da cientista com estas bactérias coincidiram com o programa de melhoramento da soja no Brasil, em 1964. Nos EUA, os produtores utilizavam uma quantidade enorme de fertilizantes nitrogenados para obter alta produtividade da soja. Estes fertilizantes, além de caros, poluem o meio ambiente. Foi então que Johanna propôs algo que chocaria não só os produtores agrícolas, mas também a comunidade científica: a introdução de bactérias fixadoras de nitrogênio no solo para que a planta pudesse produzir seu próprio adubo. Após vários testes, o grupo da Dra. Joana descobriu uma espécie de bactéria capaz de se associar às raízes da soja e promover uma alta produtividade através da fixação do nitrogênio. Esta bactéria, a Rhizobium, é hoje aplicada ao solo ou inoculada na semente durante a plantação da soja, dispensando o adubo mineral, caro e nocivo ao meio ambiente. Com a aplicação desta tecnologia, o Brasil tem economizado anualmente cerca de 1,5 bilhão de dólares no plantio da soja. A descoberta de outras espécies de bactérias fixadoras de nitrogênio em simbiose com plantas como a cana-de-açúcar, por exemplo, levou também ao Programa Nacional do Álcool (Proálcool) em 1970, devido à grande produtividade da cana plantada com esta tecnologia.

As realizações de Johanna Döbereiner a levaram ao topo da carreira profissional. Em 1997, foi indicada ao Prêmio Nobel de Química, aos 72 anos, já mãe de 3 filhos e avó de 10 netos. Foi indicada pelo Papa Paulo VI para a Academia de Ciências do Vaticano, possui mais de 500 publicações, diversos prêmios e condecorações e foi a cientista brasileira mais citada pela comunidade científica internacional. Mas nada disso a deixava tão satisfeita quanto perceber que sua contribuição, por meio de sua pesquisa, levou à adoção de práticas sustentáveis na agricultura. Desta maneira, Johanna Döbereiner, que infelizmente nos deixou por conta de insuficiência respiratória no ano 2000, pode-se dizer vitoriosa segundo os conselhos de sua mãe Margarethe, que dizia: “Não devemos falar para nossa filha que seu destino estará alcançado quando encontrar um marido. Devemos dizer à nossa filha que sua vitória foi atingida quando se orgulhar do que realizou”. E se tem alguém que pode se orgulhar do que realizou, essa é Johanna Döbereiner.

Viva Dra. Joana, cientista, mãe, avó, esposa e revolucionária!

Fontes:

Fonte da imagem destacada: Wikipedia Commons / CC0

Para saber mais:

Globo Ciência (vídeo)

Revista Fapesp

Memória Embrapa

Proálcool

Fixação biológica do nitrogênio

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