Ela é porta-voz de quem nunca foi ouvido (V.4, N.8, P.3, 2021)

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Tempo de leitura: 3 minutos
#acessibilidade A pesquisadora Rachel Hardeman em uma foto retrato ministrando uma palestra.

Geralmente, ao pensarmos em cientistas geniais, nos vem à cabeça uma imagem de uma pessoa velha, provavelmente branca, talvez um homem. E se eu te dissesse que dá pra ser genial com “apenas” 11 anos de carreira, sendo mulher e negra? Alguns já sabem, quando uma mulher negra cresce, ela leva toda uma galera junto. Pra outros, vale essa surpresa.

Pois Rachel Hardeman é essa mulher. Estadunidense e professora associada na Universidade de Minessota, a doutora Hardeman acumula dezenas de publicações sobre o sistema de saúde do país e tem concluído uma coisa mais legal que a outra. Dentre os títulos dos artigos, vemos: “Decisões sobre a prescrição de analgésicos são influenciadas pelo cargo (enfermeira ou médica) e pelo gênero, idade e etnia de paciente”, ou ainda, “O valor do contato inter-racial na formação médica para reduzir o viés racial”. Rachel se tornou essa pesquisadora engajada e, junto com ela, crianças, mães e profissionais da saúde crescem junto.

Já sabíamos por trabalhos brasileiros que mulheres negras recebem menos anestesia durante o parto que mulheres brancas. Mas o que Rachel nos mostrou em um de seus trabalhos foi o aumento na sobrevivência de bebês negros quando cuidados por profissionais da saúde também negros, o que ela chamou de concordância racial. O contrário, porém, não é verdade. Bebês brancos, que já apresentam uma taxa de mortalidade inferior à de bebês negros, não têm menor chance de sobreviver quando cuidados por profissionais negros.

Vamos aos números. Os cálculos originais foram feitos a cada cem mil crianças, mas vamos pensar a cada mil crianças. O número de mortes de crianças recém-nascidas é um pouco mais que o dobro para crianças negras, mais especificamente, 4,6 para crianças brancas e 10,8 por mil para crianças negras.

No estudo sobre concordância racial, foram analisados dados de hospitais da Flórida entre 1992 e 2015. A amostra tinha 1,35 milhões de recém nascidos brancos e 460 mil recém nascidos negros. As taxas de mortalidade foram 2,89 por mil e 7,84 por mil, respectivamente. Uma baita diferença, não? Agora, quando acrescentamos a informação sobre a raça da equipe de atendimento, foram calculadas 4,3 mortes a mais a cada 1000 bebês para recém-nascidos negros cuidados por brancos.

No gráfico, foram calculadas as diferenças entre os dados e o modelo linear, que foi feito com base nas crianças brancas tratadas por equipes médicas brancas. Quanto maior a diferença em relação ao modelo, maior o efeito da concordância racial. Fica nítido o efeito do viés da equipe médica branca em crianças negras, com um coeficiente de mortalidade de quase 0,5.

coeficiente de mortalidade - Ela é porta-voz de quem nunca foi ouvido (V.4, N.8, P.3, 2021)

#acessibilidade Gráfico de coeficientes estimados. No eixo y vê-se o valor do coeficiente e no eixo x as categorias analisadas. Uma linha horizontal vermelha marca o zero. Para criança e equipe médica negras, o coeficiente é pouco inferior a 0,2. Para criança branca e equipe médica negra, o coeficiente é levemente superior a 0. Para criança negra e médica branca, o coeficiente é aproximadamente 0,43.

A conclusão de Rachel e sua equipe? Que a formação médica antirracista é crucial para diminuir esses números, ou seja, que o racismo explícito seja combatido, que o racismo implícito seja percebido e que a justiça social seja posta em lugar de destaque na formação inicial e continuada de equipes médicas, de enfermaria e de psicologia. Obviamente, uma outra necessidade é aumentarmos o número de pessoas negras nos cursos de medicina.

Com o trabalho de Rachel Hardeman fica aparente também a necessidade de pesquisadoras negras nas várias ciências, não é mesmo?

* o título faz referência à letra da música Triunfo, do rapper Emicida

Fontes:

Fonte da imagem destacada: The Colorado Trust, CC BY 3.0, via Wikimedia Commons

Artigo original: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC7474610/

Reportagem no Washington Post: https://www.washingtonpost.com/health/black-baby-death-rate-cut-by-black-doctors/2021/01/08/e9f0f850-238a-11eb-952e-0c475972cfc0_story.html

Site da universidade: https://directory.sph.umn.edu/bio/sph-a-z/rachel-hardeman

Site da cientista: https://www.rachelhardeman.com/

Maternidade e anestesia: https://www.scielo.br/j/csp/a/LybHbcHxdFbYsb6BDSQHb7H/?format=pdf&lang=pt

Para saber mais:

Portal Geledés – https://www.geledes.org.br/geledes-instituto-da-mulher-negra/publicacoes-de-geledes/

Rachel Hardeman na Wikipedia: https://en.wikipedia.org/wiki/Rachel_Hardeman

Outros divulgadores:

Twitter da Rachel Hardeman: https://twitter.com/RRHDr

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