O que é Biodiversidade? E o que devemos conservar? (V.6, N.5, P.3, 2023)

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Tempo de leitura: 5 minutos
#acessibilidade: na imagem em destaque está a cianobactéria Prochlorococcus marinus, um micro organismo marinho que produz grande parte do oxigênio do planeta. Na foto aparecem dez desses organismos, que têm formato arredondado e coloração verde, mais uniforme externamente e mais heterogênea na porção interna; em alguns é possível visualizar um núcleo mais escuro.

 

Texto escrito pelo Prof. Ricardo Sawaya.

O que é Biodiversidade? A biodiversidade ou diversidade biológica é um conceito complexo que começou a ser amplamente utilizado na Eco-92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento. Intuitivamente, quando ouvimos falar em biodiversidade, pensamos no número de espécies diferentes de determinado local. Mas o próprio conceito de espécie é ainda mais complicado e tema de grandes debates entre os biólogos. Para simplificar, poderíamos pensar na variedade de organismos. Mas o que seria essa variedade? Apenas o que podemos ver? Mais útil do que tentar definir a biodiversidade, é compreender quais são as suas diferentes dimensões e escalas de organização, desde genes até ecossistemas inteiros. É muito importante que a gente reconheça essa complexidade. Vivemos na chamada crise da biodiversidade, que já é considerada como um sexto evento de extinção em massa na história da Terra. E desta vez, não são cometas ou eventos climáticos naturais que estão modificando o planeta, somos nós, seres humanos. Por isso, já consideramos que vivemos em uma nova época geológica, o Antropoceno. Mas o que será que estamos perdendo da diversidade biológica no Antropoceno?

A dimensão mais fácil de compreender da biodiversidade é a composição. Um organismo qualquer, como a gente, tem um código genético único formado por genes. Mas esses genes variam de pessoa para pessoa. Assim, existe uma variação na composição de genes entre as pessoas, uma das características que faz com que nenhuma seja igual à outra. Os grupos de pessoas ou outros organismos formam populações, com indivíduos mais parecidos ou aparentados entre si do que com indivíduos de outras populações. Pense em uma população de pigmeus africanos e outra de vikings europeus. E diferentes populações de pessoas, outros animais, plantas, bactérias e fungos que convivem em um mesmo local formam comunidades ecológicas. Diferentes comunidades vivem em um ecossistema, como a Mata Atlântica, a Amazônia, o Cerrado ou o Pantanal. Podemos quantificar as composições da diversidade ao longo de todas essas escalas de organização. Desde a variedade ou diversidade de genes de um grupo de organismos de uma mesma população, passando pela variedade de populações em uma comunidade ecológica, e de comunidades em um ecossistema, até toda a variação de ecossistemas na biosfera.

Mas e se considerarmos que todas essas formas de vida estão conectadas de alguma forma? Isso interfere na biodiversidade? É consenso entre os biólogos atualmente que toda a vida na Terra tem uma única origem. Ou seja, todas as centenas de milhões de espécies que vivem hoje no planeta têm um único ancestral comum que chamamos de LUCA (sigla do inglês de Last Universal Common Ancestor). Um organismo que tinha uma única célula, talvez parecido com uma bactéria ou uma arquea. Ele deve ter vivido há cerca de quatro bilhões de anos nas profundezas dos oceanos, em ambientes onde a crosta terrestre apresenta rachaduras e o magma do interior do planeta extravasa, criando um ambiente de alta temperatura, rico em nutrientes e relativamente homogêneo. Esses ambientes, as fontes hidrotermais ou fumarolas, são atualmente repletas de diferentes formas de vida, muito diferentes da maioria das regiões de grande profundidade dos oceanos (veja mais sobre esses ambientes e sua importância para entendermos a origem da vida na Terra aqui). E se toda a vida na Terra surgiu de um organismo como o LUCA, isso significa que todas as formas vivas são aparentadas ao longo da evolução dos organismos na Terra.

Podemos representar o parentesco evolutivo de todas as formas de vida por uma grande árvore da vida, ou filogenia, como ilustrado por Charles Darwin no seu livro mais famoso, “A origem das espécies”. Assim, podemos estimar para qualquer grupo de organismos se são mais ou menos aparentados evolutivamente, ou seja, calcular a sua diversidade evolutiva. Imagine que você tem em seu quintal quatro espécies de plantas, uma goiabeira, uma jabuticabeira, uma pitangueira e um pé de jambolão. Todas são da mesma família de plantas, ou seja, são bastante aparentadas entre si em termos evolutivos. E seu vizinho tem somente três espécies de plantas no quintal dele, uma goiabeira, um limoeiro e um cacto. Cada uma das três plantas de seu vizinho pertence a uma família diferente, ou seja, são menos aparentadas. Quem tem uma maior diversidade de plantas em seu quintal? Em relação à composição de espécies é você: quatro. Mas em relação ao que podemos chamar de diversidade evolutiva é seu vizinho: três famílias de plantas diferentes (enquanto você só tem uma). Podemos dizer que seu vizinho tem uma maior representação dos diferentes ramos da árvore da vida do que você.

Mas para além das diversidades de espécies e evolutiva, há ainda uma outra dimensão da biodiversidade muito importante: a diversidade funcional. Essa dimensão da biodiversidade afeta a nossa vida de forma muito mais importante. Ela pode ser definida pelas características dos organismos que causam qualquer impacto no meio ambiente. Há exemplos bastante óbvios de organismos que afetam ou modificam o ambiente, como as chamadas espécies engenheiras de ecossistemas. Um exemplo famoso é o dos castores, que constroem grandes barragens e mudam completamente o curso dos rios. Outros a gente pode não enxergar. Mas tem efeitos tão importantes, que se não tivessem surgido em nosso planeta, nós não estaríamos aqui respirando. São as cianobactérias, seres em geral com uma única célula e muito abundantes em ambientes aquáticos como os oceanos. São os organismos responsáveis pela maior parte da fotossíntese na Terra, e devem ter sido os maiores responsáveis pelo aumento da concentração de oxigênio na atmosfera primitiva do nosso planeta. E esse oxigênio foi o que possibilitou a evolução de organismos complexos que geram energia pela respiração como nós (veja como as cianobactérias mudaram o planeta aqui). Assim, temos que considerar não apenas as espécies, mas também uma boa representação de toda a evolução da vida na Terra e das funções que os organismos desempenham nos ecossistemas. Decidir o que é mais importante e urgente conservar da biodiversidade é tarefa complexa. Que o Antropoceno venha a ser uma época marcada também pelo poder de restauração por parte dos seres humanos e não só de destruição.

 

Links do texto:

Biodiversidade

Eco-92, a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento

Antropoceno

LUCA (do inglês, Last Universal Common Ancestor)

Bactéria

Archaea

Nerdologia ensina 01: Origem da Vida

Charles Darwin

Cyanobactérias

Nerdologia ensina 02: Uma explosão de energia (mitocôndrias)

Nerdologia ensina 03: Como surgiram as plantas (fotossíntese)

 

Fonte da imagem em destaque:

FLICKR (por Luke Thompson, MIT, 2007)

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2 thoughts on “O que é Biodiversidade? E o que devemos conservar? (V.6, N.5, P.3, 2023)

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