O que a Alice de Lewis Carroll e a teoria da evolução têm em comum? (V.4, N.5, P.4, 2021)

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Tempo de leitura: 4 minutos
#acessibilidade Desenho da Rainha Vermelha na animação Alice no País das Maravilhas (1951). A rainha usa coroa e brincos dourados, um vestido vermelho e preto com gola alta branca. Ela segura um espelho em forma de coração na mão esquerda, olha na direção contrária, segurando a barra do vestido. O cenário ao seu redor é cinza.

Em Através do Espelho, Alice percebe, frustrada, que correu até a exaustão sem sair do lugar, ao seu lado a Rainha Vermelha não parece surpresa. Quando Alice argumenta que em sua terra as pessoas correm para chegar a algum lugar, a Rainha responde:

“Pois aqui, como vê, você tem de correr o mais rápido que puder para continuar no mesmo lugar.”

A frase da personagem de Lewis Carroll serviu de metáfora para a teoria proposta por Leigh Van Valen em 1973. Chamada de Teoria da Rainha Vermelha, a hipótese teve grande impacto na biologia evolutiva do século XX e até hoje segue sendo citada em estudos sobre o assunto.

A hipótese atesta que a evolução das espécies é como um jogo soma-zero, ou seja, o ganho de alguém necessariamente representa a perda do outro. A vantagem evolutiva obtida por uma certa espécie, produz um efeito negativo no ambiente onde ela está inserida, com isso, as espécies que coabitam este ambiente sofrerão desvantagens e precisarão se adaptar. Isso implica que há uma luta constante por sobrevivência, as espécies precisam sempre se aprimorar para permanecer competitivas.

Se para qualquer vantagem obtida por um grupo, há uma perda generalizada para todos que dividem o ambiente e a recuperação dessa perda produz outra desvantagem, este processo pode continuar indefinidamente. Ou seja, na corrida evolutiva, as espécies são como a Alice, correndo para permanecer no mesmo lugar.

A teoria da Rainha Vermelha enfatizou a ação das forças bióticas, relativa aos seres vivos, sobre as abióticas, aquelas relacionadas ao ambiente não-vivo, na condução da evolução, o que revolucionou a noção que os cientistas tinham a respeito dos fatores que impulsionam a evolução. Como as mudanças em ambientes abióticos são muito lentas quando comparadas aos organismos habitantes, a evolução pararia quando um fenótipo ideal fosse alcançado. Os ambientes bióticos, por outro lado, podem mudar rapidamente. O que a Rainha Vermelha sugere é que a mudança evolutiva perpétua é necessária para a existência (Brockhurst, 2014).

O próprio autor reconheceu que é difícil demonstrar a pressuposição do soma-zero, mas que é possível observar facilmente essa dinâmica em relações do tipo presa-predador e hospedeiro-parasita. Se presas adquirem uma nova habilidade, como o aumento da velocidade, por exemplo, os predadores são obrigados a aprimorarem suas características para continuarem se alimentando. A relação predatória entre raposas e coelhos é um exemplo disso, as raposas evoluíram de modo a competir com a velocidade dos coelhos. (Será que é por isso que o coelho da Alice está sempre atrasado?)

O mesmo acontece entre hospedeiros e parasitas, enquanto os hospedeiros fortalecem suas defesas imunológicas e os parasitas evoluem para furar essas defesas. Uma evidência dessa relação é a velocidade com que alguns vírus sofrem mutações genéticas que permitem infectar seus hospedeiros (muitas vezes, nós) mesmo que eles tenham criado resistência. Essas são chamadas “Guerras Armamentistas” da evolução, onde cada espécie se equipa das melhores vantagens para permanecer competitiva.

Ainda hoje o modelo da Rainha Vermelha permanece relevante para explicar fenômenos como a co-evolução de espécies, as corridas armamentistas e respostas imunológicas, além de ser citada em debates em torno da evolução do sexo. Sua aplicação na biologia evolutiva é muito ampla e foi intensificada após os estudos genéticos ganharem força no final do século XX.

Com certeza, quando Lewis Carroll escreveu a personagem no final do século XIX não imaginava que sua influência se estenderia até a ciência atual.

Fontes:

Fonte da imagem destacada: Clipartart

Carroll, L. Alice Através do Espelho e O Que Ela Encontrou Por Lá. Rio de Janeiro: Zahar, 2009.

Brockhurst MA, Chapman T, King KC, Mank JE, Paterson S, Hurst GD. Correndo com a Rainha Vermelha: o papel dos conflitos bióticos na evolução. Proc Biol Sei . 2014; 281 (1797): 20141382. doi: 10.1098 / rspb.2014.1382

Ignacio-Espinoza, JC, Ahlgren, NA & Fuhrman, JA Estabilidade de longo prazo e Dinâmica de cepas semelhantes a Red Queen em vírus marinhos. Nat Microbiol 5, 265–271 (2020). https://doi.org/10.1038/s41564-019-0628-x

Biazoli, Claudinei et. al. A Hipótese da Rainha Vermelha. 28 p. Instituto de Biociências – Universidade de São Paulo. São Paulo. Acesso em: 12/05/21. Disponível em: < http://www.biologia.bio.br/curso/Introdu%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20Biologia%20Evolutiva/Hipotese%20da%20Rainha%20Vermelha.pdf >

Pera, Carolina et. al. O LEGADO DA RAINHA VERMELHA PARA A BIODIVERSIDADE: TENDÊNCIAS DOS ESTUDOS DESENVOLVIDOS APÓS MAIS DE QUATRO DÉCADAS DE FORMULAÇÃO. Oecologia Australis. 2020. 11p. Pós-Graduação de Ecologia em Ambientes Aquáticos – Universidade Estadual de Maringá. Paraná. Acesso em: 12/05/21.

Red Queen Hypothesis. In: Oxford Reference. Disponível em: < https://www.oxfordreference.com/view/10.1093/oi/authority.20110803100409461> Acesso em: 12/05/21.

Para saber mais:

Coevolução – https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4240979/

Estudo sobre dinâmica da Rainha Vermelha em cepas de vírus – https://www.nature.com/articles/s41564-019-0628-x

Outros divulgadores:

https://www.blogs.unicamp.br/rainha/2008/01/rainha-de-copas-e-evolucao/

https://www.blogs.unicamp.br/rainha/sobre/

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