Como sabemos do que são feitas as estrelas e os planetas que estão a anos-luz de nós? (V.6, N.6, P.2, 2023)

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Tempo de leitura: 5 minutos
#acessibilidade: Em um fundo preto se observam inúmeros corpos celestes brilhantes, com luzes cintilantes nas cores branca, azul, laranja e amarela. 

Texto escrito por Mónica Benicia Mamián-López

Sabemos muito bem que estrelas e planetas estão a anos-luz do nosso planeta Terra e mesmo assim a ciência tem trazido para nós muito conhecimento sobre seu tamanho, temperatura e, ainda, sobre sua composição química. Mas como é possível obter essa informação?

Embora missões espaciais tenham conseguido coletar amostras da superfície de corpos celestes mais “próximos” ou acessíveis, como a lua e Marte, isto não é possível para a grande maioria de planetas e estrelas, já que estão muito distantes. Assim, eles são estudados de forma remota, utilizando a interação da luz com a matéria e a decompondo para obter informação. 

A decomposição da luz solar nas cores do arco-íris já era conhecida na antiguidade mas foi Newton, no século XVII que estudou e descreveu formalmente este fenômeno, a partir do seu famoso experimento de decomposição e recomposição da luz utilizando um prisma. Esta decomposição da luz nas diferentes cores é conhecida como espectro (Figura 1). No começo do século XIX, cientistas como Johann Wilhelm Ritter e William Hyde Wollaston descobriram que além das cores observáveis por nós, a luz solar também tinha na sua composição radiação invisível aos nossos olhos, e de energia maior do que a da cor violeta, e que conhecemos hoje como luz ultravioleta. Ao reproduzir o experimento do Newton, Wollaston também fez outro descobrimento interessante, ele viu que quando a luz passava por uma fenda muito estreita antes de atravessar pelo prisma, aparecia uma série de poucas linhas escuras sobrepostas no espectro de cores (espectro visível), como observamos na Figura 1. 

representacao de espectros de emissao e absorcao - Como sabemos do que são feitas as estrelas e os planetas que estão a anos-luz de nós? (V.6, N.6, P.2, 2023)
Figura 1. Representação de espectros de emissão e absorção na região do visível.

Alguns anos depois, em 1820, Joseph Fraunhofer, um construtor de instrumentos ópticos descobriu centenas destas linhas, não somente na região visível ou colorida, mas também no ultravioleta. Esta descoberta era só o começo, e ele ainda chegou a identificar vários milhares. Em outros experimentos, Fraunhofer utilizou a luz emitida por materiais incandescentes (usados para fazer os fogos de artifício, como contamos no nosso texto https://gec.proec.ufabc.edu.br/ciencia-ao-redor/fogos-de-artificio/),  e observou que ao invés de se obter um espectro contínuo (como no caso da luz solar), aparecia uma sequência de linhas coloridas brilhantes (linhas de emissão). E o mais surpreendente, estas linhas pareciam se encaixar perfeitamente nas linhas negras que haviam sido identificadas no espectro solar. Além disso, ele analisou a luz da lua e outros planetas e estrelas, descobrindo que cada estrela tinha um espectro único, enquanto o da lua e dos planetas era idêntico ao espectro da luz do sol. 

Quase 40 anos mais tarde, o físico Gustav Kirchhoff e o químico Robert Bunsen, trabalharam juntos inicialmente na construção de um aparelho chamado de espectroscópio, precursor dos espectrômetros modernos, essenciais para inúmeros campos da ciência. Dentre os experimentos mais relevantes realizados, está a obtenção do espectro de vários elementos químicos, observando que cada um deles tinha um espectro característico, chegando à extraordinária conclusão de que os elementos tinham sua própria “impressão digital”. Como podemos imaginar, estes resultados abririam uma porta imensa à descoberta de vários elementos químicos, complementando assim a tabela periódica que na época, tinha ainda elementos “faltantes”. 

Conforme a descoberta de Fraunhofer, a determinação da composição do sol poderia ser feita analisando o espectro solar com suas linhas faltantes, que corresponderiam à absorção de elementos presentes no corpo celeste que está sendo medido. Mas será que é tão simples assim? Como saber agora quanto de cada elemento estava presente em um corpo celeste? Até então, e sob este princípio, era considerado que os elementos cálcio e ferro eram os principais constituintes das estrelas, hoje sabemos que não é bem assim, e vamos tentar explicar o porquê. 

E aqui é necessário falar do trabalho da Cecilia Payne, astrônoma e astrofísica, que em 1925 mostrou como decodificar os espectros da luz das estrelas para, além de conhecer a identidade dos elementos, calcular sua quantidade. Neste ponto, outros astrônomos tinham feito uma classificação de centenas de milhares de estrelas, baseada nos seus espectros. Nesta classificação, assumia-se uma escala de temperatura que, até então, ninguém havia demonstrado quantitativamente. Payne sabia que o espectro de qualquer átomo está determinado pelo arranjo dos seus elétrons, e também que em altas temperaturas, um ou mais elétrons podiam ser “arrancados” dos átomos formando o que conhecemos como íons (ionização). Já era conhecido também que a temperatura e pressão da atmosfera de uma estrela estava  relacionada justamente à ionização dos seus átomos.

Com isto, Payne mostrou que a ampla variação nos espectros das estrelas era devida aos diferentes estados de ionização dos átomos, e portanto à temperatura da sua superfície. Ela calculou as quantidades relativas de dezoito elementos, mostrando que eram quase as mesmas para os diferentes tipos de estrelas, e foi assim como chegou à conclusão que o sol e outras estrelas estão compostas majoritariamente de hidrogênio e hélio, e que os elementos mais pesados constituem menos do que 2% da sua massa. 

É claro que hoje em dia temos versões muito melhoradas do espectroscópio de Kirchhoff, mas a luz continua sendo a nossa principal aliada no estudo do universo visível. Os espectros que obtemos de corpos celestes contém muita mais informação (mais linhas), em parte devido à substituição de  prismas por redes de difração. Além disso, conseguimos medir a luz não somente na região visível do espectro, mas também no ultravioleta ou infravermelho. Isto é possível usando por exemplo um tipo de espectroscopia na região do infravermelho (Heterodyne Infrared Spectroscopy), útil para o estudo de planetas e luas que possuem atmosferas. Ao serem aquecidas pelo sol, o gás das atmosferas dos planetas vibram com uma dada energia, e o equipamento “sintoniza” essas vibrações, como se fosse um aparelho de rádio sintonizando um certo canal ou estação. Com esta técnica, é possível identificar moléculas gasosas como metano, etano, dióxido de carbono, ozônio, etileno, vapor de água dentre outros. Também fornece informações sobre os fluxos dos ventos, pressão e temperatura, permitindo fazer modelos  ou simulações da atmosfera de outros planetas. Um equipamento que usa este princípio é operado pela NASA no cume do vulcão Mauna Kea no Havaí. 

Não é fascinante tudo o que conseguimos descobrir remotamente conhecendo e usando a luz? E o que falta, um universo infinito por explorar. 

 

Fontes: 

Fonte da imagem destacada: Hubble’s colourful view of the Universe” by Hubble Space Telescope / ESA is licensed under CC BY 2.0.

FILGUEIRAS, Carlos A. L. A Espectroscopia e a Química. Da descoberta de novos elementos ao limiar da teoria quântica. Química Nova na Escola, 1996.

Royal Society of Chemistry, setembro de 2013. Kirchhoff’s spectroscope. Disponível em: https://www.chemistryworld.com/opinion/kirchhoffs-spectroscope/6547.article.

American Museum of Natural History. Cecilia Payne and the Composition of the Stars. Disponível em: https://www.amnh.org/learn-teach/curriculum-collections/cosmic-horizons-book/cecilia-payne-profile.

Scientistlive, junho de 2020. Transit spectroscopy in action. Disponível em: https://www.scientistlive.com/content/transit-spectroscopy-action.

Heterodyne Instrument for Planetary Wind and Composition. Exploring Planetary Atmospheres. Disponível em: https://ssed.gsfc.nasa.gov/hipwac/index.html.

UPPSALA Universitet, fevereiro 2022. Exoplanet atmospheres. Disponível em: https://www.physics.uu.se/research/astronomy-and-space-physics/research/planets/exoplanet-atmospheres/.

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