(Português do Brasil) Conceito de Humanidade em “Frankenstein, o Prometeu Moderno” (V.8, N.10, P.4, 2025)

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#acessibilidade: Monstro de Frankenstein sentado com um pássaro azul no dedo ao centro de uma ilustração colorida. Por Vinicius Miyake

Texto escrito pela colaboradora Gabriela do Nascimento Barbosa

“As maneiras gentis e a beleza dos camponeses me agradavam muito. Quando estavam infelizes, eu me sentia deprimido; quando eles se alegravam, eu simpatizava com suas alegrias” (SHELLEY, 2019, p. 117) evidencia-se aqui, as emoções dignas de um monstro.

Afinal, o que é ser humano? “O humano do ser humano é mais o resultado de um devir do que o apogeu de um acabamento biológico capturado e engessado por uma concepção tipológica de espécie” (ANDRADE; SILVA; PASSOS, 2007, p. 1). Em outras palavras, ser humano está intrinsecamente ligado ao vir a ser humano. E o que seria isso? O estudo relaciona as transformações da linhagem ao longo da história evolutiva, do andar bípede ao gênero Homo; do gênero Homo ao Homo sapiens; do Homo sapiens ao vir a ser humano. Para os autores, ser humano é viver na linguagem, na sociabilidade e no amor. É tornar-se em relação ao outro. A humanidade não está apenas no corpo, mas na rede de relações, símbolos, emoções e significados.

No romance regado de ficção científica e uma clássica literatura de terror escrita por Mary Shelley, conhecemos o nosso indefinido “Frankenstein”. A obra de 1818 foi considerada a obra prima da escritora, falecida em 1851. Em suma, trata-se da história de um jovem entusiasta da ciência e, do que fora considerado uma filosofia natural, junto a sua experiência delirante, os quais os resultados desastrosos são retratados, tal como a perseguição e os anseios do “monstro” e aquele que o deu a vida.  

O que é antagônico (ao referenciar-se a um monstro) quanto ao outro nome dado à Frankenstein, o de Prometeu Moderno. O mito grego conta a história de Prometeu como criador da humanidade, que fez Phaenon a semelhança dos deuses a partir de argila e água. Além de ser dito como um apoiador da igualdade entre humanos e deuses, fato que Zeus não aceitava. Sendo assim, fora condenado após roubar o “fogo” de Zeus. Curioso a relação entre os dois, que fomentam a discussão acerca da humanidade empregada por Mary.

Frank se apresenta diferente daquele que vemos na animação “Hotel Transilvânia”, nas páginas temos o verdadeiro Frankenstein, a criação sublime e amaldiçoada por seu criador, Victor Frankenstein.  Na luta por uma aceitação inalcançável e um certo sentimento de pertencimento angustiante, Frank não nasceu de fato, sua vida artificial entra em contraponto com o que possa vir a sentir. Para Victor, embora haja suas reflexões a respeito da humanidade e um conceito de naturalidade da criatura que o mesmo criou, nega até o seu fim a possibilidade de existência de uma alma compatível ao conceito humanístico de Frankenstein, o condenando à solidão e rejeição. 

“Quando olhava ao redor, não via e nem ouvia falar de alguém como eu. Então, será que eu era um monstro, uma nódoa sobre a Terra, alguma coisa da qual todos os homens fugiam e a quem todos repudiavam?” (SHELLEY, 2019, p. 126) 

Afinal, o que era Frankenstein? Aliás, quem ele era?

A figura horrível e horripilante, com trejeitos assustadores e desproporcionais, era apenas um monstro de face demoníaca enviado como senhor do caos que profanou a vida de seu criador? Ou apenas uma vítima de um desprezo irracional de Victor, que alienado a normatividade não viu a capacidade que Frank poderia oferecer? Em diversos trechos são evidenciados sentimentos de compaixão, empatia e admiração de Frank, principalmente para com os humanos! Aprendeu seus costumes, suas relações familiares e amorosas, seu linguajar e rotina, apenas ao observar uma família de camponeses nos extremos de uma floresta. Queria uma vida sociável, com companhia e uma parceira para amar. Mesmo que, pela sua aparência, o contato com seus maiores representantes fora tardio (uma vez que não podia sair a luz do dia, pelo medo de uma perseguição), e traumatizante. Seria isso o suficiente para vir a ser humano?

Assim como é apresentado o lado mais humano possível de Frank, a sua mágoa e fúria avassaladora, representadas pelo seus crimes contra os entes de Victor Frankenstein, o qual jurou destruir aos poucos, com a maior necessidade de sofrimento possível.  A negação que sofreu ao longo dos anos, gerou um olhar de estranhamento e falta de pertencimento ao mundo que lhe foi ofertado, transcendendo o lado maligno e escondido nos íncubos do inconsciente que habita em todos nós. Nós, que com uma cegueira admirável não vemos além de aparências, nos enganamos pelo mundo sensível! Talvez Frank seja mais humano que seu criador.

“Ao criar o monstro, Frankenstein desconstrói sua humanidade e constrói uma identidade pós-humana. Judith Halberstam chega a dizer que “embora superficialmente o romance pareça ser sobre a criação de um monstro, é na verdade sobre a criação de um humano” (HALBERSTAM, 1995, p. 38). De acordo com o que foi apresentado nesse trabalho, podemos dizer, no entanto, que Frankenstein vai além: é um romance sobre a criação do pós-humano.” (GOMES, 2018)

Nos trazendo a questão, o que é ser humano? Frank demonstrou tudo o que evidenciaram como um viés da existência humana, daquilo que apenas nós ditamos que possuímos. Sendo assim, Frank poderia ser considerado humano! Dotado de cognitividade e racionalidade, sentimentos e sentidos, necessidade de afeto e cuidado, e, principalmente, de companheirismo e compreensão. Que assim como qualquer outro indivíduo com forte rejeição e exclusão, acaba por revoltar-se, fazendo jus ao título que lhe ofereceram, o de monstro. O que o torna mais humano que a dor que compartilha, e o que o torna mais monstro do que os horrores que o assombram? O que o torna mais humano do que a condição intrínseca de existir e de sentir?

Referências:

ANDRADE, Luiz Antonio Botelho; SILVA, Edson Pereira da; PASSOS, Eduardo. O que é ser humano? Ciências & Cognição, Rio de Janeiro, ano 4, v. 12, 2007. 

GOMES, Anderson Soares. A ciência monstruosa em ’Frankenstein’: aspectos do pós-humano. Gragoatá, v. 23, n. 47, p. 848-872, 29 dez. 2018.

SHELLEY, Mary. Frankenstein ou o Prometeu moderno. Tradução de Silvio Antunha. Jandira, SP: Principis, 2019.

Para saber mais:

“Por que Frankenstein é chamado de Prometeu moderno?”

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