#acessibilidade: Imagem da planta negramina onde mostra varias estruturas folhosas verdes, flores amareladas, dando destaque para os frutos maduros na cor vermelha.
Texto escrito pelos colaboladores Elton John de Lírio da Universidade de São Paulo e Universidade Federal do ABC & Gustavo Rebechi Brunassi da Universidade Federal do ABC
Quem aqui já ficou doente e recebeu a sugestão de tomar um chazinho para melhorar? Só esse carinho já ajuda, mas sabemos que plantas apresentam um potencial farmacêutico enorme e ainda bastante desconhecido. Mais desconhecido ainda em se tratando de plantas nativas. Você sabia que uma planta brasileira, comum, popularmente usada no tratamento contra febres, dores no corpo e gripe, a negramina, está sendo estudada e pode ser base de um remédio contra a COVID-19?
A pandemia da COVID-19 mudou completamente o rumo da história de todos e, inclusive, o da ciência, com um recorde no desenvolvimento e produção da vacina contra esta doença que tirou a vida de milhões de pessoas. Apesar das vacinas disponíveis, a ciência continua buscando medicamentos para tratar esta enfermidade, inclusive entre as plantas. Já sabemos que plantas podem auxiliar no tratamento de algumas condições de saúde, e que algumas espécies foram autorizadas para tal uso pela ANVISA, a agência nacional de vigilância sanitária, que entre outras coisas, regula o uso de produtos para saúde no Brasil. Por exemplo, o boldo ou boldo-do-chile (Peumus boldus Molina), é muito utilizado em países da América do Sul para auxiliar em distúrbios digestivos leves, e consta em farmacopeias oficiais de países como Brasil, Chile, Alemanha, Portugal, Romênia, Espanha e Suíça.
As espécies do gênero Siparuna (família Siparunaceae), conhecidas popularmente como negramina ou limão-bravo estão compreendidas na ordem Laurales, a mesma ordem onde se encontram o abacate (Persea americana Mill.), a canela (Cinnamomum verum J.Presl) e o boldo-chileno. É um grupo de plantas com aproximadamente 50 espécies, 20 delas ocorrentes no Brasil. São árvores ou arbustos emaranhados, o que chamamos na botânica de arbustos sarmentosos. São aromáticas, com um cheirinho que lembra o limão, isso por conta de células oleíferas que estão distribuídas por toda a planta.
As folhas de Siparuna são simples, opostas, e a margem delas pode ser inteira ou dentada, na maioria das vezes com presença de tricomas (o que popularmente costumamos chamar de “pelos”) (Fig. 1 e 2). As espécies de Siparuna contém flores sempre unissexuadas, podendo ter diferentes tipos de tricomas que são fundamentais para sua identificação, contendo desde tricomas simples (não ramificados) à tricomas estrelados (ramificados). O fruto é geralmente globoso, e quando maduros podem ser roxos, amarelados ou avermelhados.
Espécies de Siparuna tem se mostrado com potencial uso medicinal. Sabe-se que as plantas do gênero são comumente usadas na medicina popular brasileira e também em rituais religiosos. Um trabalho que investigou metabólitos secundários na espécie amazônica Siparuna cristata (Poepp. & Endl.) A.DC encontrou flavonóides metilados com atividade potencial anti-influenza e anti-COVID-19. Além disso, outro trabalho recente mostrou que a negramina (Siparuna guianensis Aubl.), que ocorre na Mata Atlântica, tem potencial inibidor de bactérias e fungos, como Streptococcus mutans (ATCC 3440) e Candida albicans (ATCC 10231). Apesar do potencial dessas plantas contra enfermidades, elas também podem ser tóxicas para animais, inclusive podendo ser usada como inseticidas. Os macacos Callithrix flaviceps, que habitam o sudeste do Brasil, por exemplo, aguardam a abertura dos frutos para consumir as sementes, ignorando as cascas, que contém alcalóides benzilisoquinoleínico, tóxicos para os animais.
O caso dessas espécies de Siparuna nos mostra a importância de se pesquisar o potencial medicinal existente nas plantas. Do potencial até que algum medicamento possa ser testado e comercializado, muitos estudos são ainda necessários. E fique atento! É comum que plantas medicinais apresentem inúmeras substâncias de potencial farmacêutico, algumas que podem fazer bem e outras que podem ser nocivas à saúde humana. É de suma importância lembrar que só se deve utilizar plantas medicinais com acompanhamento profissional adequado. Não é por que é natural que não faz mal!
Figura 1. Siparuna brasiliensis (Spreng.) A.DC. A. Ramo com flores. B. Ampliação das flores pistiladas. C. Frutos; Siparuna guianensis. D. Ramo com frutos jovens. E. Ampliação dos frutos jovens. F. Fruto jovem. G. Fruto em corte longitudinal; Siparuna reginae. H, I e J. Ramos com flores. Fotos: A-G: D. A. Zavatin; H-J: M. S. Wängler.
#acessibilidade: Imagem de várias estruturas folhosas, verde, dando destaque para as estruturas menores, como as flores e os frutos jovens na cor verde. Em destaque também se encontra um fruto exposto e aberto de cor avermelhada.
Figura 2. Tipos de margem e formato dos tricomas na folha de espécies de Siparuna. A. Folha de Siparuna guianensis com a margem inteira. B. Folha de Siparuna reginae com a margem inteira. C. Folha de Siparuna brasiliensis com margem dentada. D. Ampliação da lâmina foliar de Siparuna guianensis com tricomas bifidos. E. Ampliação da lâmina foliar de Siparuna brasiliensis com tricomas em tufos. F. Ampliação da lâmina foliar de Siparuna reginae com tricomas estrelados. Fotos: G. R. Brunassi. Montagem da prancha: T. S. Gama.
#acessibilidade: imagem de algumas folhas desidratadas, de cores esverdeada-amarronzada, mostrando a diferença de margem lisa e dentada e ampliação da imagem para mostrar os diferentes tipos de tricomas (ou popularmente chamados pelos).
Fontes:
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Imagem destacada: Disponível em https://www.flickr.com/photos/mi_verderane/4902765162.