#acessibilidade Fotografia por Mike Lehmann de um relâmpago sobre uma cidade da Suíça, 4 de Março de 2007.
A todo instante ocorrem cerca de 2.000 tempestades, produzindo, aproximadamente, 100 relâmpagos por segundo que atingem algum lugar da superfície da Terra. A maioria das tempestades de raios acontecem nas zonas tropicais e o Brasil é tido como o país de maior incidência de raios no mundo, atingindo a marca de 100 milhões de raios por ano. No início da história da Terra, houve um período de maior intensidade: durante a era Hadeana (entre 4 e 4,6 bilhões de anos atrás), após a crosta terrestre se solidificar, a água começou a acumular-se nos oceanos e na atmosfera e uma tempestade de escala planetária — o verdadeiro dilúvio — irrompeu em toda a atmosfera primordial, durando vários milhões de anos. Acredita-se que foram os relâmpagos desta supertempestade a fonte de energia para as reações químicas que levaram à formação dos primeiros aminoácidos e da vida em nosso planeta.
As antigas civilizações davam explicações sobrenaturais para os relâmpagos e trovões. Na mitologia grega, os raios eram a arma de Zeus, o deus dos deuses, e Pégasus, o cavalo alado, o seu portador. Na mitologia hindu, Indra era o deus dos relâmpagos, trovões e do céu. Na mitologia nórdica, o deus do trovão era Thor, que enviava raios arremessando o seu martelo mijöllnir e este depois retornava para suas mãos como um bumerangue. Para alguns nativos da América do Norte, os trovões e os raios eram criados por um petrel mitológico, o “pássaro-trovão” que produzia trovões ao bater as asas e relâmpagos ao piscar os olhos.
Já o primeiro cientista a dar uma explicação racional para os raios — e sua conexão com a eletricidade — foi Benjamin Franklin (1706-1790), cientista, jornalista, diplomata e inventor americano que conduziu uma série de experimentos, como o célebre e perigoso experimento da pipa de 1752, que, entre outros feitos, o levou à invenção dos para-raios. Após observar as similaridades entre as faíscas e os raios: ambos produzem luz, sons de estalos e seguem trajetórias em ziguezague; Franklin concluiu que os raios eram nada mais nada menos que enormes faíscas produzidas na atmosfera pelas nuvens de tempestade.
Os raios podem ser classificados em nuvem-solo, solo-nuvem, nuvem-céu (ou nuvem-ar) ou nuvem-nuvem, de acordo com os seus pontos de produção e de término, ou, ainda, em raios positivos ou negativos, de acordo com a polaridade das cargas que são transferidas. Dentre as razões para o surgimento das cargas elétricas estão as ionizações das moléculas do ar causadas por radiações de elementos radioativos, pelos raios ultravioletas do Sol, ou pelos raios cósmicos. Tipicamente, cargas positivas acumulam-se entre 6 e 7 km e as negativas entre 3 e 4 km de altitude, de tal forma que a diferença de potencial entre a parte positiva e a negativa da nuvem atinge a casa das centenas de milhões de volts. No ano de 1925, o físico e meteorologista escocês Charles T. R. Wilson (1869-1959), que realizou diversos estudos sobre eletricidade atmosférica e sobre ionizações do ar, já previra que estas tensões poderiam atingir escalas de bilhões de volts em nuvens de tempestade com vários quilômetros de altura. Entretanto, sua previsão nunca havia sido testada porque os balões e os aviões usados em tais medidas não são capazes de medi-las em escalas tão longas.
De fato, foi com um balão meteorológico que, em 1984, foi medida, numa tempestade sobre o Novo México (EUA), a tensão até então recorde de 130 MV (megavolts, ou milhões de volts). Mas, agora, uma equipe de físicos indianos e japoneses utilizaram o experimento GRAPES-3, um telescópio de múons do Instituto Tata de Pesquisa Fundamental, em Mumbai (Índia), para medir as tensões entre nuvens inteiras. Múons são partículas geradas na atmosfera nas interações dos raios cósmicos; são carregados (μ+ ou μ–) e, portanto, acelerados em campos elétricos. Assim, menos múons devem ser detectados pelo GRAPES-3 quando nuvens de tempestade estiverem próximas, o que a equipe verificou ao estudar 184 tempestades ao longo de três anos. Usando este modelo para interpretar as medidas do fluxo de múons, eles inferiram uma voltagem 10 vezes maior: de 1,3 GV (gigavolts, ou bilhões de volts), durante uma tempestade, em dezembro de 2014, confirmando a previsão de Wilson e estabelecendo o novo recorde de tensões atmosféricas.
#acessibilidade O telescópio de múons GRAPES-3, do Instituto Tata de Pesquisa Fundamental, em Mumbai (Índia)
Com isto, um outro misterioso fenômeno ganhou uma explicação. Cientistas japoneses descobriram recentemente que pulsos eletromagnéticos de alta energia (raios gama com energias superiores a 10 mega elétrons-volt) precediam a emissão de relâmpagos. De acordo com seus cálculos, as tensões atmosféricas, observadas anteriormente, não seriam capazes de produzir as acelerações capazes de gerar estas radiações, somente raios gama de energia menor ou raios-X, mas a tensão medida na tempestade de 2014 pelo GRAPES-3 é suficientemente grande para gerar os raios gama de alta energia. Os pesquisadores do GRAPES-3 planejam agora instalar detectores de raios gama, permitindo-lhes captá-los em coincidência com as tempestades de escala de gigavolt.
O estudo foi publicado na Physical Review Letters.
Fontes:
Fonte da imagem destacada: Mike Lehmann, Mike Switzerland 13:43, 4 March 2007 (UTC) [CC BY-SA 3.0], via Wikimedia Commons
Fonte da imagem 1: Website do GRAPES-3
Vernon Cooray, An Introduction to Lightning, Springer (2015);
https://super.abril.com.br/comportamento/brasil-o-pais-dos-100-milhoes-de-raios/
http://www.inpe.br/webelat/homepage/menu/el.atm/os.raios.e.a.origem.da.vida.php
https://en.wikipedia.org/wiki/Benjamin_Franklin
https://tempojoaopessoa.jimdo.com/raios/tipos-de-raios/
http://www.fisica.net/eletricidade/eletricidade-na-atmosfera.php
https://en.wikipedia.org/wiki/Charles_Thomson_Rees_Wilson
https://agupubs.onlinelibrary.wiley.com/doi/pdf/10.1029/2000JD900640
https://www.vifindia.org/print/6000?slide=%24slideshow%24
http://grapes-3.tifr.res.in/index.html
https://physicsworld.com/a/japanese-team-sees-gamma-ray-pulse-before-lightning-flash/
https://journals.aps.org/prl/abstract/10.1103/PhysRevLett.122.105101
https://physicsworld.com/a/billion-volt-thunderstorm-studied-using-muons/