(Português do Brasil) Onde ficam nossos órgãos? (V.7, N.4, P.5, 2024)

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#acessibilidade: A imagem acima é uma ilustração que contém dois corpos, lado a lado. Ambos estão “abertos”, permitindo que se observe seus órgãos e sistemas internos.

Texto escrito pelos colaboradores Victor Morais Ghirotto, Pamela Viana Barbosa, Ives Haifig e Vanessa Kruth Verdade.

Você já parou para pensar no que sustenta nossos órgãos? Tipo estômago ou fígado? Será que eles ficam presos? Onde? Como? A gente não costuma pensar muito nisso, mas existem expressões interessantes em português que refletem um pouco esse assunto, por exemplo, “Nossa! Me deu até nó nas tripas” ou “chega a revirar o estômago”. Ainda bem, nossas tripas não ficam emaranhadas e nem reviradas em nossa barriga, ainda que a gente sente, levante, pule ou dê cambalhota. Isso já indica que estão dispostas de alguma maneira a manterem-se organizadas. Se você cozinha, já limpou um peixe ou um frango, deve ter notado que os órgãos internos podem ser retirados de uma vez. Já ouviu a palavra “barrigada”? É isso. Essa cavidade que contém os órgãos internos é uma novidade evolutiva dos animais, ou, cientificamente, dos Metazoa (veja o texto É adequado chamar animais sem coluna vertebral de invertebrados?) que recebe o nome de celoma. Lembra deste termo? Aprendemos sobre o celoma na escola: animais celomados. Mas, que diferença faz ter uma cavidade corpórea específica, com um surgimento complexo?

Os animais são os grandes organismos móveis que habitam nosso planeta. Das mais variadas formas e tamanhos, de baleias a minhocas ou mosquitos, e vários outros seres visíveis ou invisíveis a olho nu, como alguns vermes, por exemplo. O grande tamanho dos animais, que surgiu com a evolução da multicelularidade, trouxe também desafios. Dentre estes desafios, a comunicação das células mais internas do corpo com o ambiente, dificultando a troca de nutrientes e gases da respiração com o meio.

O celoma acabou solucionando alguns destes problemas. Esta cavidade tem múltiplas funções. Pode servir como esqueleto hidrostático (mantendo a forma de animais de corpo mole), pode absorver choques mecânicos, diminuindo danos, e pode também ajudar na circulação interna de nutrientes. O celoma completamente formado, chamado de verdadeiro, origina a chamada cavidade peritoneal, em que os órgãos estão interligados e suspensos no organismo por tecido conjuntivo e em uma determinada ordem que acompanha o desenvolvimento de cada organismo. Em diferentes grupos de animais, os órgãos estão organizados de maneiras diferentes, indicando grande diversidade.

Mas o leitor de boa memória já deve estar se questionando: não havia também animais acelomados e pseudocelomados? Pois é, a evolução percorre diferentes caminhos que funcionam como respostas eficientes às mais diversas pressões ambientais. Cabe a nós tentar decifrar essas trajetórias. O que sabemos até agora? Que o celoma é uma cavidade que surgiu no grupo dos animais. Que existem animais sem celoma (os acelomados), animais com celoma verdadeiro (celomados) e animais com celoma incompleto (pseudocelomados). Também sabemos que a evolução do celoma não ocorreu de acelomados para pseudocelomados e então celomados, foi muito mais complexa e envolveu diferentes origens. Você pode ter uma ideia dessa variação observando as diferentes cores representando os diferentes grupos animais da Figura 1.

Vamos tentar organizar um pouco essas informações? Pois bem, no reino animal, ou Metazoa, existem animais que apresentam duas camadas de pele, a ectoderme e a endoderme, e animais que apresentam três camadas de pele, a ectoderme, a mesoderme e a endoderme. Os nomes ajudam a entender onde ficam essas camadas de células e qual é sua função. Essas camadas estão presentes nas fases iniciais de desenvolvimento dos embriões dos Metazoa e dão origem às diferentes partes do corpo. De uma maneira bem simplificada, a ectoderme corresponderia à pele que fica para fora, em contato com o meio, a endoderme, a pele que fica para o lado de dentro e a mesoderme, a pele que reveste o que fica entre a ecto e a endoderme. Nossa pele, por exemplo, veio da multiplicação das células da ectoderme, nossos músculos, da multiplicação das células da mesoderme e nossos pulmões e fígado se originaram da multiplicação de células da endoderme.

O celoma surge da mesoderme, portanto, quem não tem mesoderme, não tem celoma – são os acelomados. Exemplos de acelomados são as águas vivas, você pode ver outros exemplos em preto na Figura 1.

Dentre os animais que apresentam ectoderme, mesoderme e endoderme, existem os acelomados que perderam celoma, os pseudocelomados e os celomados. Como assim? Alguns animais que hoje não apresentam celoma, como as planárias, por exemplo, descendem de ancestrais que apresentavam celoma. Ou seja, são acelomados por que perderam o celoma ancestral e não porque nunca tiveram, como as águas vivas. Exemplos de grupos que perderam o celoma estão representados em cinza na Figura 1.

Dentre os pseudocelomados e celomados, todos apresentam uma cavidade corporal, mas somente nos celomados a parede dessa cavidade e todos os órgãos que se encontram dentro dela estão recobertos pelo mesentério, a camada de tecido conjuntivo originado também da mesoderme e que mantém os órgãos posicionados. Nos pseudocelomados, existe um tecido que reveste a cavidade, mas não recobre os órgãos. Essa cavidade é derivada do estágio embrionário e por isso é considerada um falso celoma. Exemplos de animais pseudocelomados são vermes como as lombrigas e na Figura 1 estão representados pela cor creme. Os celomados, embora similares em relação à presença do mesentério, variam entre si em relação à origem das células da mesoderme que originam o celoma, adicionando nomes difíceis ao estudo da biologia! Esses celomas podem ser esquizocélicos, enterocélicos ou heterocélicos e estão representados na Figura 1 pelas cores vermelho, azul e roxo, respectivamente. Por hoje basta leitor amigo, apresentar mais nomes neste texto pode nos levar ladeira abaixo. Aliás, sabe aquele frio na barriga que sentimos durante uma descida brusca e intensa, numa montanha russa, por exemplo? Nada mais é do que nossos órgãos permanecendo suspensos pela inércia durante a queda e depois voltando a suas posições, sustentados pelo mesentério de nosso celoma verdadeiro de origem enterocélica. Um bom grito pode ajudar a manter tudo no lugar, fica a dica!

 

image1 - (Português do Brasil) Onde ficam nossos órgãos? (V.7, N.4, P.5, 2024)

#acessibilidade: A imagem acima é uma árvore filogenética em formato circular apresentando 30 terminações. Em cada terminação há a imagem de um representante do filo animal correspondente. Os filos estão representados com cores diferentes, com o significado da cor, retratado na legenda da figura, em parênteses: Preto para Ctenophora, Porifera, Placozoa, Cnidaria e Xenacoelomorpha (Celoma ausente, sem precursores); cinza para Gastrotricha, Platyhelminthes, Entoprocta e Cycliophora (Celoma perdido, ausente); roxo para Chaetognatha (Celoma presente, heterocelia); bege para Nematoda, Nematomorpha, Priapulida, Loricifera, kinorhyncha, Gnathostomulida, Micrognathozoa e Rotifera (Celoma reduzido em pseudoceloma); vermelho para Mollusca, Annelida, Nemertea, Bryozoa, Arthropoda, Onychophora e Tardigrada (Celoma presente, esquizocelia); azul para Echinodermata, Hemichordata e Chordata (Celoma presente, enterocelia); vermelho e azul para Brachiopoda e Phoronida. Ainda, na árvore, um ponto azul na origem do clado Nephrozoa (deuterostômios + protostômios) indica a possível origem do celoma. A figura segue Andrade et al. (2021).

Fontes:

Andrade MP, Ferreira FS, Pinto TCF, Sampronha S, Santos D, Silva, PKR, Carrijo TF, Costa-Nunes FR, Oliveira OMP. 2021. Um panorama atual sobre a filogenia de Metazoa: conflitos e concordâncias. Revista da Biologia, v. 21, p. 1-13. https://doi.org/10.11606/issn.1984-5154.v21p1-13

Brusca RC, Giribet G, Moore W. 2023. Invertebrates. 4th ed. Sinauer Associates. Oxford University Press. 1104p.

Catalogue of Life. COL Checklist 2024-03-26. Disponível em: https://www.catalogueoflife.org/ Acesso em: 08 de dezembro de 2023. doi:10.48580/dfz8d

Kapp H. 2000. The unique embryology of Chaetognatha. Zoologischer Anzeiger 239: 263-266

Pough FH, Bemis WE, McGuire B, Janis CM. 2023. Vertebrate life. 11th ed. Sinauer Associates. Oxford University Press. 657p.

Schierwater B, DeSalle R. 2021. Invertebrate zoology: a tree of life approach. 1st ed. CRC Press. 644p.

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