(Português do Brasil) O que é paisagem sonora e o que podemos aprender ouvindo o ambiente? (V.8, N.5, P.3, 2025)

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#acessibilidade: imagem de uma moça jovem, loira, vestindo calça azul e camisa verde, de olhos fechados, com um leve sorriso no rosto, com um fone de ouvido e as mãos nas orelhas; círculos concêntricos representando ondas sonoras em tons alternados de azul claro e branco emanam do meio de seu peito para o ambiente ao redor.

Texto pelos colaboradores, Ricardo Sawaya, biólogo e professor da Universidade Federal do ABC, e Luciana Rathsam, bióloga e especialista em jornalismo científico

Quando você pensa em paisagem, o que lhe vem à cabeça? A palavra “paisagem” é normalmente usada para se referir a uma porção do território que é percebida pela visão. Desta forma, “paisagem bucólica” talvez evoque lembranças de uma fazenda, com campos floridos e animais pastando, enquanto “paisagem urbana” pode suscitar a memória de prédios, avenidas e trânsito. Há um sentido nisso. Mas a percepção do ambiente não se limita ao que podemos enxergar. A paisagem bucólica, por exemplo, não estaria completa sem o cheiro do pasto, a sensação do vento, o som do riacho.

Você se lembra dos sons que costuma ouvir ao se levantar de manhã? Quais são os sons do interior de uma caverna, ou de uma floresta na Mata Atlântica? Todos os sons que podemos ouvir em um determinado espaço formam a sua paisagem sonora. Ela inclui os sons produzidos pelos organismos (biofonia), pelo homem (antropofonia) e por elementos não vivos, como o vento, o mar ou os trovões (geofonia).

O professor, pesquisador, músico e ambientalista canadense R. Murray Schafer foi um dos primeiros a popularizar o termo paisagem sonora, traduzido do inglês soundscape. No seu livro “A Afinação do Mundo” de 1977, ele descreve o que são as paisagens sonoras naturais e como os seres humanos a modificaram. Cada ambiente tem uma paisagem sonora singular, e essas paisagens nos afetam sempre: estranhamos as primeiras noites em um novo bairro, pelos ruídos diferentes do novo endereço; após passarmos uma noite em um bar barulhento, podemos nos sentir mais cansados ou estressados; e alguns dias no campo, longe dos sons da cidade, podem ser relaxantes. Assim, os sons afetam o nosso bem-estar, nosso comportamento e a nossa saúde. Ruídos muito intensos podem prejudicar a audição, e evidências recentes sugerem que as paisagens sonoras que estamos criando nas grandes cidades podem estar relacionadas a doenças cardíacas, diabetes e demência, além de prejudicarem a atenção, a memória e o aprendizado, inclusive de crianças.

Os animais também são muito impactados pela paisagem sonora. Eles utilizam repertórios variados para se comunicarem, a partir de vocalizações ou por sons emitidos de outras partes de seus corpos. Dessa forma, transmitem informações fundamentais para a sua sobrevivência. Os sapos, rãs e pererecas são alguns dos melhores exemplos, especialmente no Brasil, país que tem o maior número de espécies de anfíbios do mundo. Os machos cantam, muitas vezes em grandes coros, para atraírem as fêmeas para reprodução e para defenderem territórios. O canto também serve para que as espécies se reconheçam. A paisagem sonora de um brejo em uma noite de verão é tão impressionante que já inspirou diversas poesias e músicas brasileiras. 

Mas a modificação da paisagem sonora tem afetado de forma muito importante a vida desses animais. A antropofonia, produzida pela urbanização, meios de transporte e produção de energia, já modifica o comportamento dos anfíbios, o modo como funcionam (a sua fisiologia) e como se relacionam com o ambiente e os outros animais (a sua ecologia). Estudos realizados no Brasil nos últimos anos mostraram que cinco espécies de pererecas da Mata Atlântica passaram a cantar mais ou menos e até mudaram a sua forma de cantar, como resposta à poluição sonora de rodovias

Paisagens sonoras em vários ambientes terrestres e aquáticos têm sido estudadas recentemente. Utilizando novas tecnologias de gravação remota, pesquisadores têm espalhado pequenos gravadores em áreas com diferentes graus de alterações ambientais. As gravações permitem, por exemplo, detectar simultaneamente a presença de espécies em várias áreas, ou monitorar populações de animais ameaçados de extinção, como o mico-leão-preto. Este método também possibilita a avaliação da qualidade de florestas e a saúde dos ecossistemas, indicando, por exemplo, a perda de espécies de aves em ambientes perturbados, como florestas que sofreram corte seletivo de árvores. 

Os estudos da paisagem sonora também têm sido aplicados para avaliar os efeitos das mudanças climáticas e embasar programas de sustentabilidade. É o que um grupo de pesquisadores está fazendo na Amazônia brasileira, a maior floresta tropical do mundo. A partir do projeto Capital Natural da Floresta Nacional de Carajás, foram gravados 16 mil minutos de sons da paisagem sonora de 14 áreas protegidas. Analisando esses sons, os pesquisadores podem entender a intensidade de degradação das florestas e seus possíveis impactos em serviços ecossistêmicos, como a absorção do carbono, a regulação do clima, a proteção das águas e a manutenção da enorme biodiversidade amazônica. O ambiente conta a sua história. Nós precisamos agora aprender a escutá-la.

Referências:

Vídeo interessante sobre paisagem sonora: The voice of the natural world

Sobre a paisagem sonora natural e modificada pelo homem: A afinação do mundo – 2ª edição: Uma exploração pioneira pela história passada e pelo atual estado do mais negligenciado aspecto do nosso ambiente: a paisagem sonora. R. Murray Schafer. 2012. Editora UNESP, São Paulo.

Sobre os efeitos da poluição sonora na saúde humana:

Sobre os sapos e a música brasileira: https://oeco.org.br/analises/cantadores-encantados/

Sobre o efeito da antropofonia nos anfíbios:

  • Dosso, E. S. 2018. Efeito da poluição sonora na atividade de vocalização em anuros (Amphibia, anura). Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio Grande.
  • Cezila, B. A., Rebouças, R., & Lisboa, C. S. 2024. Effects of traffic noise on calling activity of Aplastodiscus leucopygius (Anura, Hylidae). Acta Herpetologica 19: 29-39.
  • Zaffaroni-Caorsi, V., Both, C., Márquez, R., Llusia, D., Narins, P., Debon, M., & Borges-Martins, M. 2023. Effects of anthropogenic noise on anuran amphibians. Bioacoustics 32(1): 90-120. https://doi.org/10.1080/09524622.2022.2070543

Como a ecologia está estudando os sons nos ecossistemas e os efeitos da intervenção humana:

Sobre paisagem sonora:

Fonte da imagem em destaque: Portrait of young woman with universe projection texture

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