(Português do Brasil) O que a Virginia Fonseca e o Linus Pauling têm em comum? (V.7, N.8, P.3, 2024)

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#acessibilidade: A imagem é uma montagem que coloca o químico estadunidense Linus Pauling num painel backlight da marca da influenciadora Virgínia Fonseca – a WePink -, como se esse estivesse numa propaganda. Ao fundo temos um ambiente como uma praça ou shopping.

Texto escrito pela colaboradora Larissa Prando Vicente

Caro leitor, a sequência a seguir te trás alguma lembrança?

linuss e1724035796283 - (Português do Brasil) O que a Virginia Fonseca e o Linus Pauling têm em comum? (V.7, N.8, P.3, 2024)
Figura 1 – Diagrama de Linus Pauling

Sim, ele mesmo, nosso querido Linus Pauling. Além de ser um dos principais arquitetos da química moderna, Pauling era cientista, educador, humanista e político, com um impacto mundial em cada um desses papéis. 

Em seu livro Vitamina C e Resfriado (1970), o cientista sugere a ingestão de doses elevadas de vitamina C e suplementos vitamínicos. Neste livro, Pauling afirma que a vitamina C poderia evitar infecções virais e até mesmo o câncer, desde que fossem administradas megadoses em vez de algumas poucas miligramas. Ele recomenda que a ingestão diária de 1.000 mg de vitamina C reduz a incidência de resfriados em 45% para a maioria das pessoas. Na reedição do livro em 1976, ele sugere doses ainda maiores [1]. 

É importante destacar que a Anvisa recomenda o uso diário de 45 mg. Em outras literaturas, registra-se o consumo máximo de 75 – 90 mg dependendo do gênero e idade. Em crianças, a suplementação de vitamina C não demonstrou ser benéfica na redução dos sintomas de infecções respiratórias [2]. 

Linus Pauling não foi o único na história a acreditar nos poderes milagrosos dos suplementos, se você acompanha o Instagram e o TikTok, já deve ter visto que a influenciadora Virgínia possui uma marca de suplementos e muitas vezes encoraja seu uso e até divulga promoções. 

Além disso, você deve ter notado o crescente uso indiscriminado e as várias publicidades de influenciadores para suplementos alimentares com a premissa de “autocuidado”, visando uma melhora na saúde física e mental. Neste texto trarei um pequeno histórico do uso de suplementos em casos sem comprovação científica de eficácia.

SUPLEMENTOS CONTRA COVID-19

Durante a pandemia de SARS-CoV-2, houve uma promoção do uso de certos suplementos alimentares, como vitamina C, vitamina D, zinco, sabugueiro e prata, com a intenção de proteger indivíduos contra a COVID-19 e auxiliar no tratamento agudo da doença. As vendas de suplementos como sabugueiro e zinco aumentaram significativamente, chegando a crescer até 255% e 415%, respectivamente, na semana que terminou em 8 de março de 2020. No entanto, as diretrizes atuais para o tratamento da COVID-19 não abordam o uso de suplementos alimentares [3]. Em excesso, a vitamina C pode causar diarreia e, cronicamente, causar cálculos urinários [4].

MELATONINA

A melatonina tem ganhado fama nos últimos anos para auxiliar nos problemas de insônia, ela é um hormônio produzido em resposta à escuridão, e sua síntese é reduzida pela exposição à luz, inclusive à luz artificial. No entanto, o aumento do uso de suplementos de melatonina gerou preocupações quanto à sua segurança, especialmente em doses elevadas, uso a longo prazo e aplicação em determinadas populações.

Em 2022, a Anvisa autorizou o uso de melatonina na forma de suplemento alimentar, mas somente para pessoas com 19 anos ou mais e com uma dose diária máxima de 0,21 mg. Os suplementos de melatonina devem incluir um aviso de que o produto não deve ser consumido por gestantes, lactantes, crianças e pessoas envolvidas em atividades que requerem atenção constante. A Anvisa também deixou claro que não foram aprovadas alegações de benefícios associados ao consumo de suplementos alimentares à base de melatonina [5]. 

Além disso, em 2023, a Anvisa proibiu o suplemento alimentar “Soninho Perfeito Melatonina Kids” devido a propaganda irregular. Foi constatado que o produto era promovido na internet com alegações terapêuticas não autorizadas, incluindo tratamentos para sono, ansiedade, compulsão alimentar, irritabilidade noturna, inflamação, transtorno do espectro autista, câncer, entre outros [6]. 

Na Austrália, os comprimidos de melatonina de 2 mg são o único produto disponível comercialmente e lá sua venda é mais rigorosa: os critérios descrito no Poison Standard, incluem o seguinte:

  • O produto de melatonina deve estar em comprimidos de liberação modificada contendo 2 mg ou menos de melatonina.
  • É indicado para monoterapia no tratamento de curto prazo da insônia primária, caracterizada pela má qualidade do sono.
  • É destinado especificamente a adultos com 55 anos ou mais.
  • O produto deve ser acondicionado em embalagens contendo no máximo 30 comprimidos.

Se os pacientes não atenderem a esses critérios, eles precisarão buscar uma receita de um profissional de saúde, se apropriado [7]. 

COLÁGENO

O colágeno é uma proteína que é usada muitas vezes como suprimento, os estudos sobre sua ação são amplos, mas gostaria de destacar um específico: referente ao ELASTEN®. Este é um estudo randomizado, controlado por placebo e simples-cego, conduzido de acordo com os princípios de boas práticas clínicas (GCP) e em conformidade com os princípios descritos na Declaração de Helsinque e com os regulamentos nacionais da Alemanha. Antes de tudo, o que isso quer dizer? Significa que os participantes são divididos aleatoriamente em dois (ou mais) grupos, de forma semelhante a um sorteio. Em alguns casos, um grupo receberá o novo medicamento, enquanto o outro receberá o tratamento padrão ou um placebo, caso não exista um tratamento padrão disponível.

Outra forma de aumentar a precisão do estudo é realizar um “estudo cego-simples”. Isso significa que os pacientes não sabem se estão recebendo o medicamento em análise ou não. Se, além disso, os investigadores ou médicos do estudo também não souberem quais pacientes receberam cada tratamento, trata-se de um “estudo duplo-cego”. Esse método ajuda a evitar vieses e expectativas por parte dos pesquisadores. Se tiver mais interesse em relação a pesquisa clínica, leia “O que o caso da Prevent Senior e a pandemia nos mostram sobre a ética em pesquisa?” aqui.

Voltando ao estudo, tanto o produto em teste quanto o placebo foram entregues em ampolas de bebidas idênticas. Medidas dermatológicas objetivas, como cutometria e corneometria, demonstraram que os peptídeos de colágeno orais, juntamente com outros dermonutrientes, melhoram significativamente a hidratação, elasticidade, rugosidade e densidade da pele após três meses de ingestão. Esses resultados confirmam os achados de ensaios anteriores. Além disso, o suplemento de colágeno não causou efeitos colaterais e se mostrou seguro e bem tolerado durante todo o período de aplicação e após o seu término [8]. 

VAMOS RESUMIR….

Alguns suplementos têm benefícios comprovados, enquanto outros ainda precisam ser melhor estudados. No entanto, o foco deste texto é questionar se realmente precisamos desses suplementos quando nosso organismo não está em déficit. Qual é o impacto financeiro, mental e físico para os consumidores, e qual é a real necessidade de usá-los sem recomendação médica, nutricional e farmacêutica (especialmente quando não há uma necessidade clínica comprovada)?

Com a expansão do marketing na internet e a falta de acesso dos consumidores a informações médicas relevantes sobre suplementos alimentares nos sites de venda, há uma necessidade clara de um controle de qualidade mais rigoroso desses sites e de uma maior conscientização pública sobre esses produtos amplamente utilizados [9]. Há também a necessidade de uma melhor regulamentação e monitoramento rigoroso das vendas e da publicidade, assim como para outros produtos farmacêuticos.

Sempre procure orientação de um profissional de saúde legalmente habilitado antes de consumir suplementos alimentares. Inclusive, alguns podem interagir com medicamentos ou representar riscos se o consumidor tiver problemas de saúde ou tiver sido ou for submetido a alguma cirurgia.

Para saber mais: 

[1] Levada, C; Levada, M – “LINUS PAULING E A VITAMINA C”. Disponível em: https://www.fap.com.br/fap-ciencia/edicao_2010/003.pdf 

[2] Barretto JR; Gouveia MADC; Alves C. – “Use of dietary supplements by children and adolescents”. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC10960193/ 

[3] Adams KK; Baker WL; Sobieraj DM. – “Busters: Dietary Supplements and COVID-19”. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC8685478/ 

[4] Pierri, V. (Jornal da USP). – “Consumo excessivo de vitaminas pode causar danos à saúde“ Disponível em:

https://jornal.usp.br/atualidades/consumo-excessivo-de-vitaminas-pode-causar-danos-a-saude/#:~:text=A%20vitamina%20C%2C%20que%20tamb%C3%A9m,%2C%20cronicamente%2C%20causar%20c%C3%A1lculos%20urin%C3%A1rios.

[5] Hub Health. – “Do You Need a Prescription for Melatonin in Australia?“. Disponível em: https://hub.health/blog/sleep/do-you-need-a-prescription-for-melatonin-in-australia/?gclsrc=aw.ds&&utm_source=google&utm_medium=cpc&utm_campaign=Hub_Weight-Loss_P-Max_AllEx-NC&gclid=CjwKCAjwko21BhAPEiwAwfaQCPQlJN_satrMTpCSKqUl8XwnHlaxjhjLD-qscUdHTZuwOyXV4XUDtRoCMfoQAvD_BwE 

[6] ANVISA. – “Anvisa proíbe o suplemento alimentar Soninho Perfeito Melatonina Kids“. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2023/anvisa-proibe-o-suplemento-alimentar-soninho-perfeito-melatonina-kids 

[7] ANVISA. – “Anvisa autoriza melatonina na forma de suplemento alimentar”. Disponível em: https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2021/anvisa-autoriza-a-melatonina-na-forma-de-suplemento-alimentar 

[8] Bolke L; Schlippe G; Gerß J; Voss W. – “A Collagen Supplement Improves Skin Hydration, Elasticity, Roughness, and Density: Results of a Randomized, Placebo-Controlled, Blind Study”. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC6835901/ 

[9]  Bjelica A; Aleksić S; Svetlana G; Sazdanić D; Torović L; Cvejić J. – “Internet Marketing of Cardioprotective Dietary Supplements“. Disponível em: https://www.liebertpub.com/doi/10.1089/acm.2019.0128?url_ver=Z39.88-2003&rfr_id=ori%3Arid%3Acrossref.org&rfr_dat=cr_pub++0pubmed 

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