Do que eram feitas as poções das bruxas na Idade Média? (V.4, N.1, P.2, 2021)

Facebook Instagram YouTube Spotify
Tempo de leitura: 4 minutos
#acessibilidade A imagem mostra frascos de vidro contendo substâncias coloridas e desconhecidas, frascos metálicos onde há escrito “sombra de coruja” e “canção do corvo”, tesoura, aranha e livros, sobre uma mesa em um ambiente sombrio, de modo que remeta a uma mesa de preparo de poções de bruxaria.

Texto escrito em colaboração com Guilherme Barbosa de Morais, João Paulo Carvalho Moura e Tatyara Monteiro da Silva

Do que eram feitas as poções das bruxas na Idade Média? Certamente, você já ouviu falar sobre as perseguições da Inquisição durante a Idade Média, quando a Igreja Católica, por meio de seu sistema jurídico, perseguia, prendia e torturava aqueles que estivessem envolvidos em atividades consideradas pagãs. Mesmo práticas hoje aceitas como científicas, como dissecação de cadáveres humanos para estudo, experimentos com eletricidade e teorias astronômicas, foram consideradas proibidas e seus praticantes presos e/ou mortos. Um dos casos mais famosos é o de Galileu Galilei, o astrônomo italiano que teve de desmentir sua própria teoria heliocêntrica para evitar ser morto pela Inquisição.

Nessa época, muitas mulheres foram perseguidas pela Igreja, sob acusação de praticarem bruxaria. Mas o que era considerado bruxaria? Quais práticas eram realizadas? As bruxas eram conhecidas por prepararem poções com efeitos ditos “sobrenaturais” e foram perseguidas porque, na época, ainda não era possível explicar o que causava esses efeitos. Muitos detalhes não chegaram a ser registrados ao longo da história e, portanto, podemos não conhecer realmente todas as práticas das bruxas. Contudo, com relação a muitos preparos que elas realizavam, podemos investigar em quais ervas eram baseados e, assim, entender melhor os seus efeitos. É importante lembrar que estamos falando de práticas da Idade Média, muito antes da Revolução Industrial, quando não havia Medicina ou Farmacêutica avançada, ou seja, todos os preparos vinham de extratos naturais de plantas!

Grande parte das ervas utilizadas pelas bruxas para a elaboração de suas poções possuíam, em sua composição, moléculas conhecidas como alcaloides tropânicos, substâncias muito comuns em plantas. Elas são capazes de atuar no sistema nervoso central, pois possuem uma estrutura parecida com a da molécula de serotonina – uma molécula que regula nosso humor, sono, disposição etc.

Dois exemplos muito conhecidos são a “poção do amor” e a “poção do sono”. A “poção do amor” era um preparado típico das bruxas que continha substâncias como a Escopolamina, Atropina e Hiosciamina, presentes em plantas como a Beladona (Atropa belladonna), meimendro ou belenho (Hyosciamus niger) e mandrágora (Mandragora officinarum). Estas ervas eram tipicamente utilizadas em rituais pagãos. Elas contêm alcaloides que, quando consumidos, inibem a ação da acetilcolina no organismo que, em grandes doses, pode provocar estimulação seguida de depressão e, em pequenas doses, diminuição salivar, brônquica e a sudorese. A mistura dessas substâncias, portanto, resultava em efeitos afrodisíacos com elevação do ânimo, euforia e alucinações.

Já a “poção do sono”, outro “feitiço” muito comum, continha ingredientes como o extrato de flores de dedaleiras ou lírios, sapos secos, extrato de raízes de serpentina e óleo de amêndoas, que possuíam como princípios químicos ativos glicosídeos (digitoxina, proveniente das dedaleiras) e alcaloides (bufoteninas e reserpinas, oriundos do sapo e serpentina, respectivamente). Essa poção, quando ingerida, resultava na diminuição dos batimentos cardíacos, temperatura do corpo e da pressão sanguínea, levando a um estado letárgico profundo, facilmente confundido com a morte clínica.

Conhecendo as propriedades das substâncias presentes nas plantas usadas pelas bruxas, podemos entender que sua fama foi muito moldada pelas habilidades especiais em manipular poções – incluindo as famosas figuras de caldeirão e voos em vassouras. A habilidade de “voar em vassouras” pode ser melhor compreendida se pensarmos que muitas substâncias alucinógenas podiam ser passadas em cabos de vassouras e, em contato com as mucosas da pele, provocavam alucinações.

Percebe-se que era comum, então, o uso de substâncias alucinógenas e sedativas nos preparos das bruxas, algo, na época, relacionado a poderes sobrenaturais, mas que hoje, após anos de evolução da Ciência, conseguimos explicar como sendo fruto, na verdade, da mistura de diversas propriedades químicas das plantas. É importante destacar que, ainda hoje, muitos povos indígenas ao redor do planeta ainda produzem seus próprios fármacos (e inclusive drogas!) diretamente a partir dos extratos de plantas. Ainda há muito o que a Ciência estudar sobre estes tratamentos, pois a quantidade de plantas desconhecidas e as combinações entre seus extratos é praticamente infinita!

Nesse contexto, é importante refletirmos e darmos o devido crédito àquelas mulheres que foram perseguidas e mortas durante a Idade Média, pois elas mantiveram vivos importantes conhecimentos adquiridos ao longo de séculos sobre as plantas medicinais. Sem tais conhecimentos, talvez, não tivéssemos à disposição o arsenal de fármacos que temos atualmente.

Fontes:

Fonte da imagem destacada: Freepik

Beladona, Meimendro e Mandrágora: As 3 Ervas das Bruxas da Idade Média. https://www.preparaenem.com/quimica/alcaloides.htm

LE COUTEUR, Penny; BURRESON, Jay. Os botões de Napoleão: as 17 moléculas que mudaram a história. Trad. Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006. 343 p. ISBN: 978-85-7110924-7.

Müller, J. L. Love potions and the ointment of witches: historical aspects of the nightshade alkaloids. Journal of Toxicology: Clinical Toxicology, 1998, 36(6), 617-627.

As moléculas da bruxaria: o segredo das poções e elixires das bruxas – http://falaquimica.com/?p=1064

Sabrina T. Martinez, Márcia R. Almeida e Angelo C. Pinto. ALUCINÓGENOS NATURAIS: UM VOO DA EUROPA MEDIEVAL AO BRASIL. Quim. Nova, Vol. 32, No. 9, 2501-2507, 2009.

Compartilhe:

2 thoughts on “Do que eram feitas as poções das bruxas na Idade Média? (V.4, N.1, P.2, 2021)

  1. Gente, essa matéria é muito legal. Um dias desses estava conversando com um amigo meu sobre os conhecimentos de plantas pelas mulheres. E como isso deveria ter contribuido para o nosso conhecimento e desenvolvimento de novos medicamento. Imaginamos como a morte dessas mulheres pode ter aniquliado também uma outra gama de conhecimentos. Eu trabalho na pesquisa de um extrato de uma planta, conhecida pelo seu pontecial de curar infecções urinárias. Então, gostei muito da matéria de vcs.
    Vocês poderiam verificar quais plantas o SUS indica para o uso de plantas para o tratamento (complemento) de algumas doenças.

    1. Olá, Jéssica. Tudo bem? Ficamos felizes que tenha gostado!
      E concordo plenamente, o conhecimento herbal dessas mulheres é de grande valia! Executá-las “por bruxaria” foi um dos maiores crimes ao conhecimento humano, conhecimento tal que poderia ter-nos privado de várias doenças e malefícios.
      Sobre a sua pergunta, há dois arquivos muito bacanas que pode te auxiliar, inclusive, na sua pesquisa, que são:

      – Memento Fitoterápico da Farmacopeia Brasileira
      http://www.farmacia.pe.gov.br/sites/farmacia.saude.pe.gov.br/files/memento_fitoterapico.pdf

      – Formulário de Fitoterápicos da Farmacopeia Brasileira
      https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2014/julho/14/Formulario-de-Fitoterapicos-da-Farmacopeia-Brasileira-sem-marca.pdf

      O primeiro traz uma gama de plantas e informações das mesmas (como se fosse a bula de cada planta) que são utilizadas e aceitas, inclusive, pela ANVISA.
      O segundo já traz algumas receitas de preparos de xaropes, pomadas, cremes, etc, utilizando algumas plantas da farmacopeia brasileira, também aceito pela ANVISA.
      Ambos são bem completinhos e interessantes.

      Espero ter respondido a sua pergunta.

      Abraços!

Leave a Reply

Your email address will not be published.Required fields are marked *