Como são formadas as imagens do nosso corpo por ressonância magnética? (V.5, N.10, P.4, 2022)

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Tempo de leitura: 7 minutos
#acessibilidade: imagem do aparelho usado para a ressonância magnética em hospitais.

Texto escrito pelo Prof. Dr. Thiago Branquinho de Queiroz – CCNH/UFABC

O nosso corpo é formado por diferentes moléculas e macromoléculas, como carboidratos, hormônios, aminoácidos, proteínas, entre muitas outras. Também possuímos surpreendentemente bastante água (H2O), em torno de 60%. Todas essas moléculas, por sua vez, são formadas, como sabemos, por átomos e cada átomo é formado por núcleo, que tem carga positiva +Z (esse número é diferente para cada tipo de átomo), e por elétrons que têm carga negativa -Z (na maioria das vezes somos neutros).

Possivelmente, poucas vezes nos damos conta que somos constituídos também por pequenos ímãs, os núcleos, ou melhor, os isótopos (veja, o núcleo é definido pela carga nuclear e o isótopo pela soma de prótons – carga nuclear – e nêutrons). Os elétrons também são “magnéticos”, e fortes, mas, em geral, estes se “blindam” quando associados em moléculas (a exceção são os terríveis radicais livres!).

Muito bem, voltemos aos núcleos/isótopos. O isótopo com maior momento magnético e, portanto, “o ímã mais forte”, é o próton, o núcleo do nosso amigo hidrogênio. Além disso, o próton, 1H, é muitíssimo abundante na Terra (e nos nossos corpos). Vamos aos dados:

1H – Abundância natural (99,98%) – momento magnético (1,5 x 10-3 µβ – µβ, magneton de Bohr, é uma unidade de momento magnético e momento magnético é a quantidade que relaciona quanto o ímã reage ao campo magnético, “a força do ímã”);

2H – (deutério, um nêutron e um próton) – abundância natural (0,02%) – momento magnético (0,46 x 10-3 µβ);

Temos água distribuída em abundância no nosso corpo e ela é composta por oxigênio e hidrogênio. Assim, podemos usar esse monte de átomos hidrogênio como “sonda” de inspeção se tivermos uma tática para identificarmos suas posições interagindo com o seu momento magnético. Essa tática usa o fenômeno da ressonância magnética (nuclear) com diversas técnicas, o que enriquece enormemente as possibilidades de formação de imagens, como veremos adiante. A proposta e o desenvolvimento inicial da ressonância magnética nuclear são devidos aos físicos Isidor Isaac Rabi (1938) [1] e Felix Bloch e Edward Mills Purcell (1946) [2], ambos laureados com Nobel de Física.

Interessante: Devido ao desenvolvimento da energia nuclear (1934), sucedida pela obtenção da bomba nuclear e os terríveis ataques atômicos à Hiroshima e Nagasaki pelos Estados Unidos, já no final da segunda guerra mundial (1945), e acidentes em plantas nucleares, como em Chernobyl (1986), vazamento de Césio 137 em Goiânia-GO (1987), a palavra “nuclear” aterroriza o público geral, pois refere-se ao processo de fissão nuclear que gera enormes quantidades de energia radiante ionizante e térmica.

Já a ressonância magnética nuclear é inofensiva, e refere-se à mudança de orientação dos ímãs dos átomos em campos magnéticos e submetidos à radiofrequência (em frequências similares ao recebido pelo seu radinho de pilha, ou melhor, do sinal do seu celular – provavelmente você não tem um radinho de pilha…). Bom, o fato é que para evitar pânico, normalmente nos hospitais e laboratórios de análises, não está escrito “Imagem por Ressonância Magnética Nuclear (RMN)”, mas somente “Imagem por Ressonância Magnética”.

Mas vamos ao que interessa, como forma-se uma imagem por RMN?

O próton, com momento magnético µP, sob efeito de um campo externo aplicado pelo equipamento (B0), possui dois níveis de energia. Se o momento magnético é alinhado com o campo do equipamento B0, a energia é menor, E- = -½µp B0. Se o alinhamento é antiparalelo, a energia é maior, E+ = +½ µp B0. Quando o “sistema” (o conjunto de ímãs no equipamento) está em equilíbrio térmico, o sistema se encontra em energia menor, E-. O fenômeno de ressonância consiste em fornecer energia ao sistema por aplicação de radiofrequência exatamente igual à energia de transição entre esses dois estados ΔE=µp B0, e assim aumentar a população do sistema em energia maior, E+. O que o equipamento faz a seguir é detectar as transições ΔE entre os estados à medida que o sistema retorna ao equilíbrio, que ocorre enquanto o sistema emite radiofrequência com energia ΔE=µp B0, retornando ao estado de menor energia, E-.

A partir das descobertas da Mecânica Quântica, descobrimos que energia e frequência da onda eletromagnética (f) são diretamente proporcionais (E=hf, em que h é a constante de Planck). Dessa forma, o decaimento do sistema ao equilíbrio é observado como o decaimento da magnetização, que é detectado pela presença de decaimento da radiofrequência emitida pelo sistema (r.f.*). Tecnicamente, o chamamos de decaimento livre da magnetização, e essa é a quantidade física que gera as imagens. O decaimento livre da magnetização é então transformado em “pico de frequência”, por um processo matemático desenvolvido pelo matemático francês Jean-Baptiste Joseph Fourier, a transformada de Fourier (1807). Neste espectro, então, relacionamos a intensidade do sinal à frequência da radiação emitida. A obtenção do espectro de RMN é ilustrada na Figura 1.

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Figura 1: a) O conjunto de ímãs sob efeito de um campo magnético externo B0 e submetido à um pulso de radiofrequência (r.f.) com energia apropriada para inversão do momento magnético dos núcleos (ΔE=µp B0), e portanto frequência  f=E/h=µp B0/h; b) Após a inversão de população, o sistema retorna ao equilíbrio “lentamente” emitindo radiação na frequência natural do sistema (r.f.*), característica de cada molécula; A emissão da radiação é observada pelo detector (abaixo à esquerda) e é feita uma transformação matemática para descrever a quantidade de sinal que é emitido naquela frequência (abaixo à direita). A Transformada de Fourier do decaimento da magnetização é o que chamamos de espectro de RMN.

O próximo passo para entendermos como são constituídas as imagens por RMN é relativamente simples. A água e outras moléculas vão gerar espectros de prótons em frequências bem específicas. Isso depende da densidade eletrônica que “blinda” o próton, o que por sua vez depende da natureza das ligações químicas. Além disso, a frequência de emissão do sistema será diretamente proporcional ao campo magnético externo B0. Para ilustrar, façamos agora três experimentos em um único espectro, com campos externos distintos B1 < B2 < B3, aplicados sobre um tubinho de água. O espectro resultante é ilustrado na Figura 2, abaixo. Vemos que, como f=µp B0/h, da mesma forma como B1 < B2 < B3, é também f1 < f2 < f3.

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Figura 2: Ilustração de um espectro de RMN do próton da água, por exemplo, obtido com a amostra sob campos magnéticos externos em ordem crescente B1 < B2 < B3, em que f1P B1/h e assim sucessivamente.

Para obtermos as imagens, ao invés de fazermos três experimentos, impõe-se que o campo magnético varie de acordo com a extensão do corpo no equipamento. Portanto, sabendo-se como o campo magnético externo varia em função da distância, r, podemos obter espectros em função da frequência e reconstruir um “espectro” em função de r, formando assim a imagem. Por exemplo, observe o Sr. Palito no equipamento de imagem por RMN na Figura 3. O equipamento controla a mudança do campo magnético, de modo que podemos atribuir uma função B(r), por exemplo, B=Axr, onde A é uma constante positiva determinada pelo equipamento. Considerando-se que o Sr. Palito tem água somente na cabeça, onde o campo magnético é dado por B1, somente em f1 o espectro acusará a presença de água. E como sabemos onde está a posição de B3(r3), B2(r2) e B1(r1), sabemos que a cabeça do Sr. Palito está em r1.

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Figura 3: Sr. Palito em um equipamento de imagem por RMN. Note as bobinas laterais atribuindo diferentes intensidades de campo magnético na extensão do corpo do Sr. Palito, representados por B1, B2 e B3.

A conversão final do espectro em imagem é ilustrada na Figura 4. Consideremos que o campo magnético varia com a função B =Axr, onde A é uma constante qualquer positiva. Observamos somente o espectro em f1. Portanto, somente em r1 detectamos água no corpo do Sr. Palito. A conversão de frequência para imagem é simples: f1= µp B1(r1)/h= µp Axr1 / h, de modo que r1=f1.h/µp A. Sendo assim, podemos determinar exatamente onde está a maior concentração de água do Sr. Palito, que é, neste caso, na cabeça.

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Figura 4: Ilustração da conversão do espectro de RMN em imagem do Sr. Palito.

Na prática, as técnicas para a formação de imagens por RMN são muito mais sofisticadas. O desenvolvimento experimental permitiu obtermos altíssima resolução (muito mais que 3 pontos de B(r)). Também se utilizam medidas em função do tempo de relaxação da magnetização, que é o tempo de retorno do sistema ao equilíbrio, o que eleva o contraste entre áreas ricas em prótons com áreas pobres. Esse é um campo atual e fascinante de desenvolvimento científico e tecnológico multidisciplinar, incluindo-se físicos, químicos, matemáticos e “bio-cientistas” das mais variadas áreas.

Fontes:

[1] Rabi, I.I.; Zacharias, J.R.; Millman, S. & Kusch, P. (1938). “A New Method of Measuring Nuclear Magnetic Moment”. Physical Review. 53 (4): 318–327. https://doi.org/10.1103/PhysRev.53.318

[2] Filler, Aaron (2009). “The History, Development and Impact of Computed Imaging in Neurological Diagnosis and Neurosurgery: CT, MRI, and DTI”. Nature Precedings. https://doi.org/10.1038/npre.2009.3267.5

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