O que (não) é quântica! (V.1, N.6, P.5, 2018)

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Tempo de leitura: 5 minutos
#acessibilidade Uma das imagens de comum circulação na mídia, utilizada aqui como um exemplo do que não é quântica, pela ótica da definição científica. A imagem mostra  feixes luminosos que saem do centro da mente de uma pessoa que está representada na figura.

Texto elaborado em colaboração com Michele Salvador

É muito provável que independente do seu interesse por física ou ciências, você já tenha se deparado com o termo “quântico” por aí. Talvez, em alguma de suas formas mais populares, como oração quântica, cura quântica, terapia quântica, consciência quântica, medicina quântica, amor quântico, e até mesmo coaching quântico. Mas será que essa chuva de “termos quânticos” pode ser associada de maneira confiável ao conceito de quântica definido pela física e à sua característica metodologia científica?

A compreensão da física quântica exige diversos formalismos e notações de matemática, como cálculo, álgebra linear, geometria analítica… Portanto, não faz parte do nosso objetivo esclarecer todas as dúvidas sobre essa teoria, pois isso exigiria um curso específico. Mas almejamos desmistificar esse universo e classificar o que de fato é mecânica quântica e o que não pode entrar nessa classificação, por definição. Essa nova forma de compreender os fenômenos da natureza possui, como toda e qualquer teoria, um conjunto de regras ou leis, sistematizadas, aplicadas a uma área específica (compreensão da matéria e suas interações com a luz). Dessa forma, a apropriação de termos contidos nesse conjunto de conhecimento, não garantem por si só a participação nessa teoria nem a validade do que está sendo proposto.

Abreviadamente, pode-se dizer que a mecânica quântica surgiu como alternativa às limitações da mecânica clássica (baseada nas equações de Newton) em descrever observações experimentais. Você se lembra de quando ouviu na sala de aula que a matéria é formada por átomos, que por sua vez é formado por um núcleo (com prótons e nêutrons) e por elétrons? Um dos primeiros modelos, criado por Bohr, propõe que os elétrons giram em torno dos núcleos em “órbitas” circulares, e quando esses elétrons ganham ou perdem energia eles mudam de “órbita”. Ainda segundo Bohr, a essas órbitas são associados valores de energia, e a quantidade de energia que é absorvida ou emitida pelo elétron não pode ter qualquer valor, mas tem que ser exatamente a diferença de energia entre as órbitas. A essa quantidade de energia que o elétron recebe ou emite ele chamou de quantum (plural: quanta).

Esse modelo foi aprimorado por outros cientistas, como Born, Plank, de Broglie, Schrödinger, Dirac, Heisenberg, Einstein e outros, chegando ao conceito de orbitais, que são regiões onde podemos encontrar o elétron.

A ideia da quantização dos valores de energia associados às órbitas dos elétrons e à quantidade de energia que ele podia absorver ou emitir era revolucionária e bastante controversa, para a época. Ao mesmo tempo, surgiam novas teorias para explicar fenômenos observados neste campo que utilizavam ferramentas da estatística e probabilidade. O próprio Einstein se sentia desconfortável com essas ideias probabilísticas, embora tenha utilizado as ideias de Bohr sobre a quantização para seus próprios trabalhos.

Naquele momento da história da ciência, algo era muito claro para todos: as leis que valem para o nosso cotidiano (que chamamos mundo macroscópico) muitas vezes não valem quando vamos analisar coisas da escala do átomo. E mais: em escala atômica acontecem fenômenos muito estranhos! Para descrever esses fenômenos, os próprios cientistas usavam termos incomuns como “função de onda”, “densidade de probabilidade”, “princípio da incerteza”. Assim nasceu a chamada teoria quântica (por causa do termo quantum, utilizado por Bohr), o seu desenvolvimento na forma que os físicos conhecem hoje levou décadas e muitos fenômenos ainda não são bem explicados. Assim surgiu a teoria quântica da matéria.

Para entender como se iniciou o fenômeno cultural do misticismo quântico, precisamos voltar um pouquinho no tempo para compreender os aspectos históricos e sociais que serviram de pano de fundo dessa transformação. Nos Estados Unidos, a contracultura hippie, nos anos 60 e 70, abriu espaço para questionamentos que em nenhuma outra época foram tão relevantes. Em adição, a crise econômica da época levou físicos formados nas melhores instituições de ensino a assumirem posições em instituições menos conservadoras e renomadas, e também buscarem financiamentos de pesquisa não convencionais. Por exemplo, certos empresários excêntricos e a CIA financiavam a exploração por explicações dentro da mecânica quântica para percepção extra sensorial (ESP).

Embora esse período tenha sido muito frutífero, por permitir uma investigação menos preconceituosa de fenômenos observados, e por consequência um grande avanço científico, por outro lado ela também deu espaço para um paralelo entre a física moderna e o misticismo oriental, que teve seu marco em 1975 com a publicação do livro “O tao da física” escrito por Fritjof Capra, um físico teórico. O livro de Capra ainda continha uma descrição minimamente científica dos conceitos da física, embora os paralelos com o misticismo sejam duvidosos. Essa correlação abriu espaço para que Deepak Chopra, um endocrinologista indiano publicasse “A cura quântica” em 1989. Neste último, algumas analogias e termos da mecânica quântica são utilizadas para alicerçar uma discussão com cunho mais espiritual através de uma linguagem de auto-ajuda. No mesmo ano, Chopra, foi o ganhador do Ig-nobel da física por sua interpretação alternativa sobre mecânica quântica e como ela se aplica à vida, à liberdade e à busca da felicidade econômica. Com um apelo prático e uma tentativa de afirmação científica, essas duas obras se tornaram best-sellers, e foram traduzidas em diversos idiomas, publicadas e distribuídas em vários países. Outros autores, sem formação científica específica e inspirados nessa tendência, ganharam o mercado com obras que popularizaram esse novo coletivo de pensamento.

A ciência não é uma verdade absoluta e fechada a novos fatos e esclarecimentos. Pode ser que no futuro o acesso a novas informações mude a nossa interpretação e compreensão da matéria. Porém, algo nesse caminho não pode se perder, a metodologia científica! O conjunto de métodos e processos pelo qual uma teoria é verificada e validada, pois sem ela é impossível separar o que é fato do que intuição, e o que é ciência do que é pseudociência.

Conhece mais algum “termo quântico”? Compartilhe com a gente a sua história nos comentários.

Fontes:

Fonte da imagem destacada: Internet.

http://qnesc.sbq.org.br/online/cadernos/04/mod-teor.pdf

https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2015/11/como-os-hippies-mudaram-fisica-quantica.html

http://revistagalileu.globo.com/Revista/Common/0,,ERT260333-17773,00.html

https://arsphysica.wordpress.com/2009/05/09/como-os-hippies-salvaram-a-fisica/1

Para saber mais:

https://super.abril.com.br/ciencia/a-revolucao-da-teoria-quantica/

https://www.hipercultura.com/entendas-os-principais-conceitos-da-mecanica-quantica/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Contracultura_da_d%C3%A9cada_de_1960

https://pt.wikipedia.org/wiki/Gato_de_Schr%C3%B6dinger

Outros divulgadores:

Lista de reprodução de vídeos sobre mecânica quântica no canal FisicaModernaUFF no YouTube

Vídeo Breve história da Física Quântica do canal Física Universitária no YouTube

Vídeo Quantum Mechanics for Dummies do canal LondonCityGirl – Knowledge no YouTube

Lista de reprodução de vídeos desmistificando a física quântica do canal Primata Falante no YouTube

 

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1 comentário(s) em “O que (não) é quântica! (V.1, N.6, P.5, 2018)

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