(Português do Brasil) Às bruxas a fogueira, às cientistas a sentença (V.7, N.10, P.4, 2024)

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#acessibilidade: A ilustração é uma litografia do final do século XIX de um julgamento da era colonial onde um raio solta as algemas de uma mulher acusada de ser bruxa e derruba seu inquisidor. Essa cena mostra um dos julgamentos de bruxas em Salem.

Texto escrito pelo colaborador Artur Franz Keppler

Absurdos acontecem em livros, séries e nos nossos sonhos mais profundos. Porém a atual conjuntura está superando a ficção. Além dos terra planistas, côncavos planistas (sim, existem!) [1], anti vacinas, anti-tudo-o-que-pode-ser-científico, forças bem mais organizadas e poderosas atentam contra os cientistas.
PASMEM, também estamos sob risco jurídico.

Recentemente, em um canal de divulgação científica, duas cientistas fizeram um vídeo, comentando uma postagem que associava diabetes a infecção por vermes. A postagem tinha claro caráter comercial, pois levava à venda de vermífugos que, supostamente, curariam diabetes e outras doenças (possivelmente mau olhado, lumbago, unha encravada…). Usando dados científicos, as pesquisadoras deixaram claro que não existe qualquer relação entre doenças parasitárias e diabetes. Ocorre que em setembro de 2024, uma juíza entendeu que as cientistas expuseram a imagem do “influencer” e as condenou a indenizá-lo financeiramente, pessoa esta que foi responsável por divulgar informações falsas, que colocavam em risco a vida daqueles que poderiam interromper um tratamento de diabetes para tomar vermífugo.

Os comentários no vídeo das cientistas não foi vexatória, elas não usaram linguagem chula e nem atacaram pessoalmente o dono da banquinha poções mágicas. Apenas contestaram o absurdo científico da propaganda usada por ele para vender vermífugos [2]. E foram mais além, usaram o vídeo para alertar os incautos para não interromperem o tratamento receitado por seu médico, pois ao substituir a insulina por vermífugo, há um grande risco ocorrerem graves complicações do quadro geral do diabético, como amputação de membros, cegueira, falência renal e em quadros mais sensíveis, levar o paciente junto com o verme para o caixão.

Não custa nada repetir
NÃO INTERROMPAM O USO DE INSULINA RECEITADA POR SEU MÉDICO!

Ah, nosso departamento jurídico nos informou que o ministro Dias Toffoli (STF) anulou a condenação das cientistas supracitadas.

Temos outra corrente de perseguição em andamento, orquestrada pelos donatários das capitanias hereditárias (hoje conhecidos como latifundiários). É algo que foge um pouco da esfera jurídica, mas tem um braço na atual política de negacionismo climático. A pesquisadora da USP, Larissa Bombardi, foi obrigada a se auto-exilar do país em 2019, por conta das ameaças sofridas pela publicação de um atlas geográfico do uso de agrotóxicos no Brasil,[3] fruto de sua pesquisa. Outra pesquisadora, Luciana Gatti, está sob perseguição nas redes, pois o levantamento de dados feito pelo seu grupo no INPE,[4] mostrou um forte indício de ações orquestradas nas queimadas que ocorreram em agosto/setembro de 2024. Com o uso de satélites em tempo real e com geolocalização precisa (desmatamento em foco, IPAM),[5] pôde-se ver, que os 1886 focos de incêndio que ocorreram no dia 23/08/2024, em diversas regiões do estado de SP, começaram quase que simultaneamente (com um intervalo de 90 minutos), contestando o discurso de que haviam condições favoráveis para o fogo e em um raro alinhamento cósmico, 1886 bitucas de cigarro ou raios caíram ao mesmo momento no mato seco. Por conta do seu relatório de dados, que não foi publicado em redes sociais, mas acabou caindo nas mãos dos agroboys, desde agosto a reputação da Dra. Luciana vem sendo atacada sistematicamente.[6] Ao invés de buscar os criminosos que queimaram suas lavouras, os dedos incriminatórios apontaram para culpabilizar a pesquisadora que fez seu trabalho e cumpriu com seu dever profissional, cívico e patriótico. Vale destacar que, se desse para usar um outdoor seria até mais apropriado, mas no momento não temos recursos, a Dra. Luciana Gatti é a única cientista paulista que publicou, como autora correspondente, três artigos na revista NATURE, que é uma das mais prestigiadas revistas científicas do mundo.[7]

Qual o elo entre as 4 cientistas que citamos aqui? Sim minha gente, são mulheres! Claro que os cientistas que se entendem como homens também são perseguidos, muitos mortos (como o Bruno Pereira e Dom Phillips em 2022),[8] mas diferentemente deles, as mulheres são desacreditadas com argumentos fracos, palavreado chulo, ataques pessoais contra sua pessoa, seu corpo, sua aparência, sua honra e ameaças diretas à sua família. Não é recomendável,  porém, caso queiram dar uma passada nas timelines das redes sociais das pesquisadoras aqui citadas, vocês terão uma amostra de algumas das mais abjetas, baixas e infames  mentalidades.

O problema discutido aqui, é muito mais uma questão de gênero do que uma discussão sobre ciência. Estão culpando a testemunha de acusação e não o infrator, seja na justiça formal como no “tribunal” das redes. Pode parecer absurdo que no século XXI ainda esteja em vigência a lei de 1735 (lei da Bruxaria, do Reino da Grã-Bretanha) que, apesar de ter sido revogada em 1951, PASMEM novamente!, a perseguição continua socialmente aceita. O que mudou foram os métodos de eliminar as “intrometidas”: há pouco tempo ofereciam ao público churrasco humano ao ar livre e hoje, as mulheres são lentamente fritas, usando o fogo do ódio das milícias digitais.

Confiamos na Ciência, confiamos na Justiça, confiamos no nosso trabalho aqui do GEC e afirmamos publicamente: os charlatães e pilantras não passarão despercebidos. Jamais.

Todo nosso apoio a Ana Bonassa e Laura Marise, Larissa Mies Bombardi, Luciana Gatti e a todas e todos que fazem ciência.

Veritas Vincit 

Referências:

[1] https://pegasus.portal.nom.br/teoria-convexo-plana-da-terra/
ah, esse texto, faz referência ao material publicado pela Dakila Pesquisas 

[2] Notem que não foram feitos comentários aleatórios. Elas rebateram as falsas afirmações com evidências científicas consagradas há décadas, por estudos médicos de referência.
E olha que coincidência, o influencer não só critica o tratamento com insulina, como vende produtos de origem duvidosa para a mesma finalidade.
Outra curiosidade: o ecossistema Dakila, a plataforma responsável pela teoria do formato curioso do nosso planeta, tem um grande anúncio de uma empresa que vende suplementos alimentares. Interessante né?? https://opsuplementos.com/

[3] Eis aqui o incrível trabalho da Profa. Larissa Mies Bombardi: https://ecotoxbrasil.org.br/2023/09/18/atlas-geografico-do-uso-de-agrotoxicos-no-brasil-e-conexoes-com-a-uniao-europeia/

[4] MONITORAMENTO POR SATÉLITE REVELA QUE 99% DOS INCÊNDIOS SÃO POR AÇÃO HUMANA | Cortes 247 minutagem 4:30

[5] https://ipam.org.br/cartilhas-ipam/desmatamento-em-foco/

[6] Ao invés de acionar as forças competentes para investigar e prender os mandantes da quadrilha incendiária, em suas redes sociais, o secretário da agricultura do estado de SP gravou um vídeo dizendo que a pesquisadora faz militância partidária e que as declarações da Luciana Gatti foram “nefastas e criminosas”. De acordo com tal secretário, a servidora do Inpe manifesta publicamente a tentativa de “criminalizar um setor que é a mola propulsora de nossa economia”. 

https://www.canalrural.com.br/politica/nefasta-e-criminosa-diz-secretario-de-agricultura-de-sp-sobre-fala-de-pesquisadora-do-inpe/#:~:text=Desafio%20%C3%A0%20pesquisadora&text=Em%20suas%20redes%20sociais%2C%20ele,mola%20propulsora%20de%20nossa%20economia%E2%80%9D.

[7] Eis um título que merece destaque. Desbanca pesquisadores homens, em um ambiente (o científico) extremamente desfavorável para as mulheres
Alguns dos seus trabalhos:

https://scholar.google.com/citations?view_op=view_citation&hl=pt-PT&user=Uo61xrAAAAAJ&sortby=pubdate&citation_for_view=Uo61xrAAAAAJ:jFemdcug13IC
https://scholar.google.com/citations?view_op=view_citation&hl=pt-PT&user=Uo61xrAAAAAJ&sortby=pubdate&citation_for_view=Uo61xrAAAAAJ:yxmsSjX2EkcC
https://scholar.google.com/citations?view_op=view_citation&hl=pt-PT&user=Uo61xrAAAAAJ&cstart=20&pagesize=80&sortby=pubdate&citation_for_view=Uo61xrAAAAAJ:fFSKOagxvKUC

[8] https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2023-06/assassinato-de-bruno-e-dom-completa-um-ano-veja-linha-do-tempo

Fonte da imagem destacada: Joseph E. Baker, 1892. Domínio público.

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