#acessibilidade: A imagem é uma ilustração que, brincando com o título, “inverte a ciência”. Temos Isaac Newton sentado debaixo de uma macieira, tal qual o mito do desenvolvimento das teorias newtonianas; mas dessa vez, as maças estão “caindo para cima”.
Texto escrito por Ronei Miotto
O momento atual do mundo científico pode ser resumido pela frase do Dr. Chirstian Haass, da Ludwig Maximilians University Munich:
People will, of course, be shocked, as I was. … I was falling from a chair, basically.
Tradução livre: As pessoas, é claro, ficarão chocadas, assim como eu fiquei. … Eu estava basicamente caindo da cadeira.
O que fez o Dr. Haass cair da cadeira foi um dossiê que aponta inúmeras fraudes nos trabalhos de Eliezer Masliah, autor de aproximadamente 800 artigos acadêmicos concentrados em estudos sobre as doenças de Alzheimer e Parkinson [1],. Mas engana-se quem acha que a possível fraude está restrita à pesquisa acadêmica: estudos baseados nos trabalhos de Masliah levaram fármacos à fase de estudos com voluntários humanos. Sim, meus caros, nem todos os remédios aprovados são testados de maneira inquestionável. Depois desse caso vir à tona, a pergunta que fica é: como confiar nos novos parâmetros que balizarão os novos ensaios [2]?
Poucos dias depois da prestigiosa revista Science divulgar um longo estudo sobre os trabalhos de Masliah [1], Packer e Bavel [3] apresentaram um artigo que lança novos olhares sobre o famoso Experimento da prisão de Stanford. Em 1971, o psicólogo Philip Zimbardo, simulou a vida em uma prisão para estudar o comportamento humano em situações de poder. Vinte e quatro voluntários foram divididos aleatoriamente em dois grupos: guardas e prisioneiros. Com o passar dos dias, os guardas adotaram comportamentos abusivos e autoritários, enquanto os prisioneiros começaram a mostrar sinais de estresse e submissão. O experimento, que deveria durar duas semanas, foi interrompido após seis dias devido à crescente violência psicológica e deterioração emocional dos participantes, tornando-se referência na compreensão e análise da psicologia da tirania e do terror. O filme “The Stanford Prison Experiment”, dirigido por Kyle Patrick Alvarez, mostra com nitidez o impacto que situações de poder extremo podem ter no comportamento humano.
A partir dos áudios originais disponibilizados pela Universidade de Stanford, Packer e Bavel indicam que, ao contrário do que foi sugerido pelo experimento, o comportamento abusivo e autoritário dos guardas foi induzido pelos assistentes de Zimbardo. Segundo Packer e Bavel:
… adotar um papel ou entrar em um sistema de brutalidade não é suficiente para produzir um comportamento cruel. Talvez o papel seja necessário, mas não suficiente para a brutalidade — é preciso uma liderança identitária para levar as pessoas ao limite.
Nos dois casos apresentados, o que vemos é a manipulação deliberada de experimentos que resultam em fama e poder para seus autores. Sim, tanto Masliah quanto Zimbardo tiveram a sua disposição muitos recursos, influenciaram políticas públicas e direcionaram o investimento, na casa de bilhões de dólares (você leu certo, são BILHÕES mesmo!) em suas respectivas áreas durante longos períodos. Muitos de seus colaboradores sabiam ou ao menos tinham indícios de que algo errado ocorria. Outros foram coniventes ou mesmo se beneficiaram, participando ativamente das fraudes ou de seu acobertamento.
Lamentavelmente, Masliah, Zimbardo e seus colaboradores (ou seriam cúmplices!) não são os únicos. Pior, não é apenas na produção de artigos que isso ocorre. Vemos isso todos os dias: mentiras são contadas, cadeiras são atiradas, pessoas são agredidas (lembra algum momento histórico brasileiro?). Uma frase do texto de Packer e Bavel talvez resuma bem todas essas questões:
É assim que líderes ao longo da história têm justificado a crueldade contra minorias ou imigrantes — ao sinalizar que esses são membros de um grupo externo e que os fins justificam os meios.
Mas não se deixe levar pela má-fé e apego ao luxo e ao poder de alguns cientistas. Antes de serem cientistas, são humanos e, portanto, falíveis. A maioria dos pesquisadores, no entanto, são pessoas sérias e comprometidas. São suas pesquisas que impulsionam a humanidade! [4]
Fontes:
[1] Charles Piller, Picture Imperfect, disponível em https://www.doi.org/10.1126/science.z2o7c3k, acesso em 02/10/2024.
[2] É preciso que centros de pesquisa, universidades, agências de fomento, revisores, editores e revistas científicas discutam mecanismos mais eficazes para minimizar os riscos de que trabalhos mal intencionados, que tenham conflito de interesse, ou sem pé-nem-cabeça, sejam publicados e virem referência ou estudos que coloquem em risco os seres vivos. Mas esta é uma conversa para outro texto …
[3] Dominic Packer & Jay Van Bavel, Debunking Common Psychology Myths #2: The Stanford Prison Experiment, disponível em https://open.substack.com/pub/powerofus/p/debunking-common-psychology-myths?utm_campaign=post&utm_medium=email acesso em 02/10/2024.
[4] https://en.wikipedia.org/wiki/Timeline_of_scientific_discoveries acesso em 04/10/2024.
1 thought on “A ciência de ponta cabeça ou a manipulação como instrumento de poder – Parte 1 (V.7, N.10, P.1, 2024)”