#acessibilidade: urna eletrônica brasileira com a palavra “ciência” na tela e uma mão segurando uma caneta de forma que sua ponta traseira aperte o botão “confirma”.
As campanhas eleitorais estão começando a percorrer as ruas e, sobretudo, os meios digitais no Brasil. Em 2022, a população brasileira escolherá novos deputados (estaduais e federais), senadores, governadores e presidente da república. O pleito de 2022 é um dos mais importantes da história recente brasileira, já que vai definir o rumo do país em meio a um cenário de crises, causadas pela pandemia da Covid-19 e, mais recentemente, pela escalada dos conflitos na Europa Oriental, que devem afetar a política de todo o mundo.
Nesse cenário de incertezas sanitárias e econômicas, governos ao redor do globo têm, cada vez mais, investidos no que chamam, em inglês, de R&D (Research & Development), e traduzindo para a língua de Camões, Pesquisa e Desenvolvimento, P&D. Esse movimento parece lógico de acordo com o cenário que se apresenta no mundo, no qual os países querem se tornar mais autossuficientes e desenvolver suas próprias tecnologias e indústria. Só que não no Brasil.
Nosso país têm apresentado, nos últimos tempos, vários ataques às verbas destinadas ao desenvolvimento científico-tecnológico, e também por isso, experimentamos um grande retrocesso na indústria em um claro processo de desindustrialização do Brasil, sendo “reduzido”, cada vez mais, a um mero exportador de “commodities”. Sabe aqueles produtos da agropecuária ou de mineração, em que há pouca manipulação e são produzidos em larga escala para vender prioritariamente para o comércio exterior? Um exemplo é a soja. O preço das commodities é definido pelo mercado externo, por isso o óleo de soja subiu tanto nos últimos tempos.
Em meio a todo esse caos, nos últimos anos a comunidade científica tem denunciado todos os ataques que a ciência brasileira vem recebendo, como os cortes nas verbas de pesquisa do CNPq em meio à pandemia de Covid-19, ou o “truque” para diminuir o orçamento das Universidades Federais também no período mais duro da pandemia.
Mas como quantificar isso em números para que qualquer brasileiro possa entender o que se passa na ciência? A seguir apresento uma tabela simples que compara toda a verba do CNPq e da FAPESP em reais e quanto seria isso em dólares, de acordo com a cotação do mesmo ano.
Antes de continuar, uma breve explicação do porquê fazer essa comparação: todos os preços de aparelhos, reagentes, eventos, e a competitividade para atrair mão de obra qualificada (os cientistas) é regulado em dólar. Ou seja, quando um cientista brasileiro precisa comprar um equipamento novo que custa 20 mil dólares, por exemplo, ele está sujeito a todas as variações cambiais, só que a verba brasileira para a ciência não leva isso em conta, como veremos a seguir.
Ano |
Orçamento CNPQ (em bilhões de reais) |
Orçamento FAPESP (em bilhões de reais) |
Cotação do Dólar em Janeiro do ano |
Orçamento CNPQ (em bilhões de dólares) |
Orçamento FAPESP (em bilhões de dólares) |
2022 |
1,32 |
1,86 |
5,66 |
0,23 |
0,33 |
2021 |
1,23 |
1,61 |
5,26 |
0,23 |
0,31 |
2020 |
1,37 |
1,64 |
4,02 |
0,34 |
0,41 |
2019 |
1,23 |
1,58 |
3,8 |
0,32 |
0,42 |
2018 |
1,42 |
1,54 |
3,25 |
0,44 |
0,47 |
2017 |
1,84 |
1,33 |
3,38 |
0,54 |
0,39 |
2016 |
1,94 |
1,34 |
3,87 |
0,50 |
0,35 |
2015 |
2,58 |
1,35 |
2,61 |
0,99 |
0,52 |
2014 |
2,95 |
1,22 |
2,34 |
1,26 |
0,52 |
2013 |
3,14 |
1,16 |
2,03 |
1,55 |
0,57 |
2012 |
2,57 |
1,09 |
1,78 |
1,44 |
0,61 |
2011 |
2,09 |
1,03 |
1,68 |
1,24 |
0,61 |
2010 |
2,1 |
0,86 |
1,77 |
1,19 |
0,49 |
Na tabela acima vemos que, mesmo em reais, a verba de pesquisa do CNPq vem diminuindo ao longo dos anos, tendo alcançado o pico em 2013, com 3,14 bilhões de reais (equivalentes a 1,55 bilhão de dólares na cotação do mesmo ano). A verba esperada para 2022 é de 1,32 bilhão de reais, menos da metade do que tínhamos em 2013 (se a comparação é feita em dólares a diferença é maior ainda, em 2022 a verba do CNPq para pesquisa é quase 5 vezes menor que em 2013). No caso da FAPESP a queda em dólares é menor, o que pode mostrar uma tendência da agência em manter um investimento estável mesmo em dólar (o investimento em reais aumentou de 2010 para cá e hoje supera o do CNPq). Cabe destacar que o CNPq deveria financiar a pesquisa no país todo, e a FAPESP é a agência de financiamento da pesquisa no estado de São Paulo.
Acima, o gráfico que ilustra a evolução histórica da verba das duas agências em reais. Em azul o orçamento do CNPq, em vermelho o da FAPESP. Em 2018 o orçamento da FAPESP se torna maior que o do CNPq.
O gráfico da evolução do orçamento em dólares mostra a acentuada queda do “poder de compra internacional” da ciência brasileira.
Bolsas
Outro dado crítico é o da remuneração dos pesquisadores, o que chamamos de “bolsa” no Brasil (que aliás é chamada assim até para pesquisadores já com doutorado, mas falaremos mais adiante sobre isso). Nesse caso, o último reajuste no valor das bolsas do CNPq foi justamente em 2013, de lá pra cá temos o mesmo valor (em reais), como mostra a tabela abaixo.
Ano |
IC (R$) |
IC (USD) |
Mestrado (R$) |
Mestrado (USD) |
Doutorado (R$) |
Doutorado (USD) |
2022 |
400 |
70,67 |
1500 |
265,02 |
2200 |
388,69 |
2021 |
400 |
76,05 |
1500 |
285,17 |
2200 |
418,25 |
2020 |
400 |
99,50 |
1500 |
373,13 |
2200 |
547,26 |
2019 |
400 |
105,26 |
1500 |
394,74 |
2200 |
578,95 |
2018 |
400 |
123,08 |
1500 |
461,54 |
2200 |
676,92 |
2017 |
400 |
118,34 |
1500 |
443,79 |
2200 |
650,89 |
2016 |
400 |
103,36 |
1500 |
387,60 |
2200 |
568,48 |
2015 |
400 |
153,26 |
1500 |
574,71 |
2200 |
842,91 |
2014 |
400 |
170,94 |
1500 |
641,03 |
2200 |
940,17 |
2013 |
400 |
197,04 |
1500 |
738,92 |
2200 |
1083,74 |
O salário dos pesquisadores brasileiros vêm perdendo competitividade com os demais salários mundiais (pagos em USD ou Euro) e isso faz com que não seja mais interessante para jovens pesquisadores permanecerem trabalhando e desenvolvendo a ciência brasileira. Abaixo o gráfico com a evolução do valor das bolsas em dólar, de acordo com a cotação de janeiro de cada ano.
Esses dados nos mostram como a ciência feita no Brasil vem perdendo protagonismo no cenário mundial, o que causa o fenômeno conhecido como fuga de cérebros. Editorial publicado pelo jornal “O Globo” em fevereiro de 2022 indica que há cerca de 3 mil pesquisadores brasileiros trabalhando no exterior, muitos sendo obrigados a procurar oportunidades fora do país pela falta de investimento.
Comparações com realidades de outros países sempre são difíceis de se fazer por conta da dificuldade de se obter dados precisos de cada país. Mas, dados disponíveis no banco de dados da OCDE (Organização para o comércio e desenvolvimento econômico) destacam a porcentagem do PIB (Produto Interno Bruto) que cada país destina para P&D. Israel e Coreia do Sul são os países que mais investem, chegando a quase 5% do PIB para pesquisa. Nesse quesito, o último dado brasileiro disponível é de 2017, quando se investiu 1,3% do PIB em P&D, com os sucessivos cortes é provável que esse número tenha tendência de queda. Quando o dado é investimento em P%D per capita, ou seja, proporcionalmente à população do país, o Brasil investe 181 dólares, enquanto a Coreia do Sul investe 1935 dólares per capita. Nosso país está atrás de países como Kuwait, Malta e Hungria, países bem menos importantes economicamente que o Brasil.
Como melhorar isso?
Após essa breve apresentação da situação atual da ciência no Brasil, podemos elencar algumas (das muitas) reivindicações da comunidade científica para a evolução do investimento em P&D no país.
*Essa parte do artigo é mais opinativa e reflete a opinião do autor baseada na vivência acadêmica e em conversa com colegas, e não reflete, necessariamente, a opinião de todos os colaboradores do Guia dos Entusiastas da Ciência.
– Criação de uma política nacional de desenvolvimento científico que seja levada a cabo independente dos futuros governos, que envolva:
– Emparelhamento do investimento em ciência com as flutuações no câmbio, e aumento gradativo em investimento de acordo com o PIB, fazendo com que as perdas com crises financeiras sejam as menores possíveis;
– Reajuste de salário (que deveria ser o nome certo, e não bolsa) dos pesquisadores de pós-graduação, para que se tornem competitivos com os mercados externos de pesquisa;
– Reconhecimento do pesquisador de pós-graduação, sobretudo Doutorado e Post-Doc, como trabalhador, com todos os direitos trabalhistas e não mais como estudante;
– Debates entre academia, governo e indústria sobre formas de investimento privado mais facilitado em instituições públicas, com regras estabelecidas;
– Política de desenvolvimento industrial que incentive o crescimento da indústria nacional e facilite a incorporação de trabalhadores altamente qualificados (doutores) às indústrias;
Estas são algumas ideias a serem debatidas pela sociedade e, em pleno ano eleitoral, pelos candidatos à presidência do Brasil. Esse texto não tem como objetivo esgotar as discussões sobre qual a solução para a ciência brasileira, mas sim pretende trazer essa discussão à tona, mostrando que esse tema é de fundamental importância para o desenvolvimento sustentável da nação. Espero que a população entenda essa importância e cobre dos candidatos as propostas e um debate sério sobre esse tema.
Fontes:
Portal da transparência FAPESP