#acessibilidade Fundo preto com dois portais circulares feitos de luz, um laranja à esquerda e um azul à direita. No centro de ambos há o contorno de um gato preto que parece estar desaparecendo de um lado e aparecendo do outro.
Você provavelmente já assistiu a um filme, série, desenho animado ou leu um livro em que era utilizado o teletransporte, certo? Mas sabe exatamente o que é, como funciona e principalmente como funcionaria se fosse possível no mundo real?
Teletransporte na ficção científica é a transferência de um objeto, um ser vivo, um ser humano (enfim, matéria) de um ponto a outro no espaço de forma instantânea, ou seja, sem que exista uma trajetória entre esses dois pontos.
A forma como esse teletransporte ocorre vai depender da imaginação do autor e das ferramentas que ele tem disponíveis para criar o seu “modelo”. Algumas obras utilizam máquinas de teletransporte, portais etc, que podem ser gerados por meio de eletricidade, fenômenos atômicos/nucleares, buracos negros, conversão de matéria em energia e posterior envio desta energia para o local de destino, dentre outros.
A obra de ficção científica mais antiga que descreve o teletransporte é o romance O homem sem corpo de Edward Page Mitchell, publicado em 1877. O romance descreve a aventura de um cientista que descobre um método para desmontar um gato em átomos, transmiti-lo por um telégrafo, e em seguida montá-lo. (Lembra que eu mencionei “ferramentas disponíveis”? Telégrafo era a forma de transmissão de mensagens que existia na época de Mitchell!)
Na icônica e hoje clássica série Jornada nas Estrelas (Star Wars Trek) da década de 1960, os personagens entravam numa “cabine” na qual eles eram “escaneados” e desapareciam – a informação necessária para reconstruí-los era transmitida para o local de destino, onde eles eram reconstruídos com os átomos presentes lá. Pensando na produção da série e nas limitações técnicas da época, o teletransporte dos personagens era uma forma bem prática (e mais barata…) de evitar longas sequências da representação do transporte físico da nave para diferentes planetas, e vice-versa.
Aliás, o argumento que sustentava a ideia do teletransporte nessa e em outras obras era exatamente esse: que não era a matéria que era teletransportada e sim a informação necessária para sua reconstrução. Em outras palavras, os átomos que formam você seriam destruídos (ou desorganizados) e em outro ponto no espaço outros átomos dos mesmos elementos que formam você se organizariam para formar … você!
Mas, saindo da ficção e vindo para o mundo real, isso seria possível?
Sim, cientistas realmente pesquisam o teletransporte! Mas não, não estão nem perto de construir uma “máquina” como as da ficção, que transporte matéria (ou energia…).
Você provavelmente já ouviu falar da mecânica quântica, certo? Os objetos de estudo da mecânica quântica são os fenômenos que ocorrem em escala atômica e sub-atômica, que em geral são bem diferentes do que ocorre em escalas maiores.
Átomos, elétrons, fótons são partículas elementares de matéria ou de luz, e é nesse mundo subatômico que podemos falar sobre teletransporte no mundo real. Um elétron, por exemplo, é definido por seu estado quântico, que seria a sua “identidade”, ou seja, de que átomo ele faz parte, em que estado de energia ele está, se ele está sozinho ou acompanhado (qual o seu spin).
Uma forma de teletransporte quântico então, seria transmitir de alguma forma a informação sobre o estado quântico de um elétron de um lugar para outro. Esse foi um experimento teórico proposto por uma equipe de físicos da IBM em 1993.
Existe uma lei física, proposta em 1982 e estendida em 1996, chamada “teorema da não-clonagem”, que diz que “não existem operações quânticas capazes de duplicar perfeitamente um estado”*. Uma analogia para esse teorema seria “é proibido copiar e colar, mas é permitido recortar e colar”*, ou seja, para se recriar um estado (ou teletransportá-lo) é preciso destruir o original.
Outro ponto sempre discutido quando se fala de transporte quântico é o emaranhamento, que é mais um fenômeno bizarro relevante quando consideramos escalas atômicas e subatômicas. Simplificadamente, quando duas partículas estão emaranhadas, toda ação que é feita sobre uma delas é sentida imediatamente pela outra, mesmo que elas estejam separadas por grandes distâncias. Assim, mudar o estado quântico de um átomo e utilizar o emaranhamento quântico para que outro átomo distante fosse afetado por essa mudança seria uma forma de teletransportar informação instantaneamente.
No nosso mundo cotidiano (que os físicos chamam de “clássico”, em contraposição ao mundo “quântico”), a informação digital é formada por bits (do inglês binary digits), que formam bytes (conjuntos de 8 bits). Cada bit pode assumir dois valores – zero ou um – e qualquer informação a ser transmitida é “traduzida” em bits e bytes. No mundo quântico temos os bits quânticos – q-bits, que podem ser fótons (“partículas” de luz), elétrons, átomos, etc.
Em janeiro de 2020, pesquisadores austríacos e chineses publicaram um artigo que descrevia um experimento no qual teletransportavam o estado quântico de um fóton, não a partir de um q-bit (dois estados possíveis), mas de um q-trit (três estados possíveis), por meio do emaranhamento. Esse foi um passo importante na direção da computação quântica, que aumentará muito a capacidade de armazenamento e a segurança na transmissão de informações.
A computação quântica é a principal área na qual é possível que sejam aplicados os resultados dos estudos de teletransporte no mundo real, ao menos por enquanto. Máquinas de teletransporte que transportam pessoas, só na ficção científica.
Teletransporte é um assunto bastante extenso e interessante sob vários aspectos e se deixar, a autora escreve um livro sobre o assunto, então encontre abaixo algumas referências para se aprofundar nas diferentes abordagens.
*a analogia descrita no texto foi retirada da dissertação do Thiago P. de Oliveira, e a referência está listada abaixo, no Saiba mais.
Fontes:
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Para saber mais:
Visão geral sobre o teletransporte na cultura pop e no mundo real
Discussão sobre o paradoxo do teletransporte
Dissertação de mestrado de Thiago P. de Oliveira: “Teletransporte quântico de estados térmicos”, Brasília, 2008 (disponível em repositorio.unb.br, acessado em 15/07/20)
Outros divulgadores: