#acessibilidade No lado esquerdo aparece a imagem de uma perereca verde que caminha sob dois pés, corpo esbelto, bolinhas nas pontas dos dedos e olhos posicionados na frente da cabeça. Carrega uma iluminação no alto da cabeça e um papel. Há um balão de diálogo acima dela que diz: “Senhor rã, pode me acompanhar?” Do lado direito um sapo sob dois pés e vestindo bermuda, camisa e gravata. É mais robusto, tem pele rugosa, dedos finos e olhos posicionados mais lateralmente está ao lado de uma cadeira. Acima dele há um balão de diálogo que diz: “OK, mas eu sou um sapo.”
Se você entra num lugar e eu grito: “Olha! Uma perereca!” Você olha para onde? Para cima ou pra baixo? E se fosse um sapo? E se fosse uma rã? Se fosse uma rã era melhor nem entrar porque deve estar tudo molhado. Como assim? Não está entendendo nada? Você sabe quem são os sapos, rãs e pererecas? E que tipo de informações esses nomes carregam? Será que essas informações só valem no dia a dia ou será que estão relacionadas com a ciência feita pelos herpetólogos?
Vamos começar do começo. Herpetólogos são cientistas que trabalham com os animais conhecidos como anfíbios (que inclui também os sapos, rãs e pererecas) e os répteis (que inclui tartarugas, jacarés, serpentes e lagartos, por exemplo). Embora sejam animais muito diferentes uns dos outros, são normalmente encontrados em locais similares e muitos têm hábitos noturnos. Assim, quem encontra um, acaba encontrando o outro também, mas dentro da herpetologia a gente brinca que quem trabalha com sapos, rãs e pererecas é sapólogo!
Existem muitas espécies de sapos, rãs e pererecas pelo mundo (mais de 7 mil), cerca de mil só no Brasil. Essas espécies estão distribuídas em grupos que compartilham características únicas. Um grupo de espécies forma um gênero e um grupo de gêneros forma uma família. A espécie Cycloramphus acangatan por exemplo (eu que descrevi!), é parte do gênero Cycloramphus, que inclui outras 29 espécies. Cycloramphus mais o gênero Thoropa formam a família Cycloramphidae. Existem, atualmente, 52 famílias que agrupam todas as espécies de sapos, rãs e pererecas que conhecemos. Algumas são pequenas, com poucos gêneros e espécies, e outras são muito grandes. Existem regras que determinam o que é necessário para definir cada família, cada gênero e cada espécie, bem como o nome que devem receber. O nome da espécie é o que chamamos nome científico. Ele é único. Só animais que apresentam as características que definem essa espécie são nomeados assim. Quando eu digo Cycloramphus acangatan, um herpetólogo sabe exatamente do que estou falando. E é aí que está uma questão importante para apontar as diferenças entre sapos, rãs e pererecas. Esses nomes não são científicos. São nomes populares.
Nomes populares variam de região para região, o que significa que podem significar coisas diferentes em locais diferentes e aí tudo fica confuso! Saruê, gambá e raposinha são nomes usados para um marsupial comum aqui do sudeste, mas raposinha também é usado para cachorro do mato. Se eu sou de um lugar e você de outro, quando você fala raposinha eu penso num cachorro, mas você está falando de um marsupial. A gente não se entende. Além disso, as pessoas normalmente diferenciam menos espécies do que os cientistas, então muitas espécies diferentes acabam recebendo o mesmo nome popular. Vocês não imaginam a quantidade de espécies chamadas de “cobra-verde” ou de “cobra-coral”.
Aqui no Brasil a gente usa a palavra “sapos” com dois significados. Como o grupo que inclui todos os sapos, rãs e as pererecas, que corresponde ao grupo dos anuros, que tem base científica, e inclui animais que não apresentam cauda na vida adulta e apresentam um corpo curto, com morfologia adaptada à locomoção por saltos. Mas também usamos a palavra sapos para indicar anuros de corpo robusto, pernas relativamente curtas, pele com aparência mais seca e rugosa e que são normalmente encontrados longe da água. Muitos dos sapos estão no grupo que corresponde à família Bufonidae, mas como a classificação é popular, tem bicho que a gente pode chamar de sapo que está em outra família. E tudo bem, porque é conversa e não ciência. O sapo mais comum no Brasil, aquele que você tem mais chance de encontrar andando por aí é o sapo-cururu, nome dado a muitas espécies do gênero Rhinella. Os sapos desse gênero também apresentam uma concentração de glândulas de veneno atrás dos olhos bem fácil de identificar. Ah, é o que espirra veneno e te deixa cego? Não! Mas vamos deixar esse assunto para outro texto. Precisamos acabar esse. Aqui em São Paulo você deve encontrar Rhinella diptycha, Rhinella icterica ou Rhinella ornata, mas tem Rhinella de outras espécies em outros estados. Aliás, Rhinella marina, brasileira, foi levada até para a Austrália e é considerada espécie invasora por lá! Mas esse também é assunto para outro texto! Fazer o quê? Sou sapóloga! Adoro falar sobre sapos!
Voltando ao assunto original, quem chamamos de rãs são os anuros com pele lisa e de aparência úmida. As pernas das rãs são mais longas e musculosas e os pés podem apresentar membranas entre os dedos dando aparência de um pé de pato. As rãs são ótimas saltadoras e normalmente são encontradas dentro da água. A família que inclui animais que mais correspondem às características que usamos para chamar um anuro de rã é Ranidae, mas animais dessa família são muito mais comuns no hemisfério Norte. Aqui no Brasil podemos encontrar uma espécie nativa de Ranidae (Lithobates palmipes) e uma espécie exótica (que não ocorria aqui naturalmente) e considerada invasora — a rã touro Lithobates catesbeianus. Espécies com características similares e brasileiras que você pode encontrar visitando um charco à noite vão pertencer provavelmente à família Leptodactylidae, como a rã-manteiga (Leptodactylus latrans) ou ou rã-assobiadeira (Leptodactylus fuscus). Já passou pelo charco à noite e ouviu fiu, fiu? Pois é!
Finalmente as pererecas incluem anuros mais esbeltos, a pele é lisa, mas não parece tão úmida, as pernas são longas e finas, os olhos grandes e posicionados mais voltados para a frente da cabeça. A ponta dos dedos das mãos e pés apresentam expansões em forma de disco que permitem que escalem. As pererecas são arborícolas e de vez em quando a gente acaba encontrando com uma ou outra dentro de casa, no banheiro ou cozinha. Nesse caso, a maior coincidência entre animais com essas características está na família Hylidae. Você já deve ter se deparado em alguma viagem com uma perereca-de-banheiro, que a depender da região, pode ser uma Scinax fuscovarius ou um Trachycephalus mesophaeus. Em São Paulo, é muito comum ouvirmos à noite o sapo-martelo (Boana faber —- que é uma perereca! Nomes populares gente. Aqui a sonoridade ganhou da aparência) que constrói uma bacia de barro para deixar seus ovos protegidos e de lá chama sua fêmea: tôu tôu tôu
#acessibilidade Quatro imagens de anuros. Acima à esquerda um sapo cururu, robusto e com pele rugosa; acima à direita uma rã manteiga, pele lisa e brilhante e pernas musculosas; abaixo à esquerda uma perereca empoleirada em um galho com as expansões na ponta dos dedos bem visíveis; e abaixo à direita outra rã, essa dentro da água com as membranas entre os dedos na forma de um pé de pato bem visíveis.
Deu para entender? Agora se eu gritar “Olha uma perereca” você olha para cima! Ela deve estar na parede. Para saber exatamente de que bicho estamos falando, sem erro, devemos usar o nome científico. Mas nomes populares podem ser informativos também, a depender do detalhamento necessário na conversa. Se você gostou do assunto ou se tem alguma dúvida, escreva nos comentários. Posso responder diretamente ou até escrever mais um texto. Assunto sobre sapos não falta.
Fontes:
Fonte da imagem destacada: Rafaela Verdade (9 anos)
Fonte da imagem 1: Wikipedia (sapo e as duas rãs) e Freepik (perereca)
Frost, D. 2021. Amphibian Species of the World: an Online Reference. AMNH, USA.
ICMBio. Ministério do Meio Ambiente. Anfíbios
Sociedade Brasileira de Herpetologia. Lista das espécies de anfíbios.
Verdade, V.K. & Rodrigues, M.T. 2003. A new species of Cycloramphus (Anura, Leptodactylide) from the Atlantic Forest, Brazil. Herpetologica: 59: 515-520
Para saber mais:
Berneck, B. Cururu: O girino que não queria virar sapo. Editora Anolis Book
Bertoluci, J.A. Anfíbios. Editora Ática
Sobiologia: https://www.sobiologia.com.br/conteudos/Curiosidades/ra_perereca_sapo.php
Super interessante: https://super.abril.com.br/mundo-estranho/qual-a-diferenca-entre-sapo-ra-e-perereca/
Outros divulgadores:
Animal TV: Sapos, rãs, pererecas. Você sabe quem é quem?
Ciência UAU no Facebook: https://www.facebook.com/cienciaUAU e sobre sapos e rã
Rapidinhas da Bio: Sapos, rãs e pererecas. Qual a diferença?
SapoCiência no facebook: https://www.facebook.com/sapociencia e no instagram
Ameii o texto!!! muito divertido e gostoso de ler. Entrei para o curso de ciências biológicas agora e estou amando os textos de vocês! Na sua opinião, o Froakie (Pokémon) se encaixa em qual deles ( sapo, rã ou perereca)?
Adorei o conteúdo, a didática na explicação, bem como a paixão da autora por sapos! Somos duas!!! Parabéns e obrigada! 🐸💚