(V.6, N.3, P.3, 2023)

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#acessibilidade: Ilustração de três cientistas examinando e estudando uma imagem representativa de um cérebro humano em maior escala. Ao lado do cérebro contém um béquer e um tubo de ensaio.

Se você acompanha notícias sobre ciência na última década, já deve ter lido manchetes semelhantes a essas: “Os minicérebros, criados em laboratório, auxiliam a neurociência”, “Os minicérebros são utilizados para teste de novos medicamentos” ou até “Minicérebros jogam videogame”. Os minicérebros produzidos em laboratório realmente existem, mas não são parecidos com o que está no imaginário popular, ou seja, não é uma miniatura completa dos cérebros humanos.

É necessário compreender como a ciência desenvolveu esta tecnologia para que se entenda o que são os minicérebros e, para isso, iniciaremos no desenvolvimento do corpo humano, processo chamado “embriogênese”.

Todo o corpo humano é originado de uma única célula chamada zigoto e a partir dela, ocorrem diversas divisões celulares, aumentando a quantidade de células. Em paralelo, há um processo chamado diferenciação celular, o qual determina a função de cada célula e, assim, define-se o que será uma célula hepática, muscular, neuronal, sanguínea e todas as demais células do corpo. Todas as células de uma pessoa têm o mesmo DNA e esse processo de diferenciá-las envolve apenas a ativação ou inativação de um ou mais trechos do DNA (genes).

Em 2006, os pesquisadores Takahashi e Yamanaka, estabeleceram um protocolo para “desligar” os genes ativados em uma célula especializada (por exemplo, uma célula da pele), “ligar” genes importantes na embriogênese que estavam inativados e, com isso, fazer com que ela se assemelhe, na sua funcionalidade, ao zigoto. A célula produzida por esse protocolo é chamada de iPSC (célula tronco de pluripotência induzida, em inglês) e ela possui este nome pois nela se induz artificialmente a pluripotência, que é a capacidade de uma célula de se dividir indefinidamente permanecendo indiferenciada, ou seja, produzir várias cópias de si mesmo, e, também, de se diferenciar em células que dão origem a todo embrião humano.

processo iPSC 300x210 - (V.6, N.3, P.3, 2023)

#acessibilidade: Desenho esquemático de um zigoto se multiplicando em diversas células, as quais se diferenciam em: neurônios, fibroblastos, hepatócitos e miócitos. Tais células estão demonstradas em suas regiões de corpo: cérebro, pele, fígado e músculo, respectivamente. Esquema demonstra também um fibroblasto sendo isolado e reprogramado por uma cientista em uma célula tronco pluripotente induzida, a qual é semelhante ao zigoto.

Portanto, com as iPSC’s “em mãos” em um laboratório, tornou-se possível produzir células humanas de diferentes órgãos sem problemas éticos, pois coleta-se do paciente/voluntário apenas uma amostra de sangue, uma biópsia da pele ou a “massinha” que fica no interior de um dente “de leite”. Há um benefício adicional, pois a célula produzida irá ter o mesmo DNA da célula original, o que permite que ela seja utilizada para estudos de doenças ou síndromes genéticas.

O surgimento das iPSC’s permitiu estudar e manipular células humanas vivas, o que foi muito importante para a neurociência, visto que o cérebro humano é um órgão de difícil acesso que para observá-lo em atividade usava-se apenas outros animais, o que não é tão bom. Com o passar dos anos, esta tecnologia foi ampliada e aperfeiçoada.

Até que, em 2013, Madeline Lancaster, uma jovem cientista americana, desenvolveu uma técnica para a produção de organoides cerebrais, os minicérebros. Um minicérebro, a olho nu, é um aglomerado de células em formato esferoide de cerca de 4 mm de diâmetro e, mesmo no microscópio, não é visualmente semelhante ao formato de um cérebro humano, mas apresenta diferentes tipos de células e há especialização de regiões cerebrais, por exemplo, córtex, hipocampo e retina.

Na embriogênese, para que o cérebro se desenvolva é necessária a interação com outros tecidos, como o crânio delimitando o seu tamanho e, principalmente, a vascularização fornecendo um aporte energético e a ausência desses fatores limita o desenvolvimento de um organoide. Portanto, se estabelece que um minicérebro mimetiza apenas os primeiros estágios do desenvolvimento do cérebro de um embrião.

minicerebro 300x205 - (V.6, N.3, P.3, 2023)

#acessibilidade: Foto de uma placa de cultura celular com 6 poços, de aproximadamente 3,5mm de diâmetro cada. Dentro dos poços há meio de cultura na cor amarela e pequenas estruturas esféricas de cor clara, as quais são os minicérebros. Há, em média, quatro minicérebros em cada poço, mas eles não ocupam toda a área do poço.

Uma curiosidade é que o estudo brasileiro que explicou os mecanismos pelo qual a infecção na gestação da cepa brasileira do Zika vírus acarretava na microcefalia do feto utilizou de minicérebros e, com isso, observou e descreveu o dano no desenvolvimento de regiões corticais.

Como esperado, a ciência se aperfeiçoou e, atualmente, há protocolos para desenvolvimento de organoides específicos para cada região cerebral, permitindo estudar pontualmente o seu funcionamento, uma determinada patologia, a ação de drogas, as infecções e, também, soma-se às técnicas recentes de manipulação gênica na terapia celular.

 

Para saber mais:

Afinal, o que são células-tronco? – Youtube

Células-tronco embrionárias e de pluripotência induzida: uma visão geral – Youtube

MINI-CÉREBROS FEITOS COM CÉLULAS-TRONCOS – Youtube

 

Fontes:
– TAKAHASHI, Kazutoshi; YAMANAKA, Shinya. Induction of pluripotent stem cells from mouse embryonic and adult fibroblast cultures by defined factors. cell, v. 126, n. 4, p. 663-676, 2006.

– BELTRÃO-BRAGA, Patrícia CB et al. Feeder-free derivation of induced pluripotent stem cells from human immature dental pulp stem cells. Cell transplantation, v. 20, n. 11-12, p. 1707-1719, 2011.

– LANCASTER, Madeline A. et al. Cerebral organoids model human brain development and microcephaly. Nature, v. 501, n. 7467, p. 373-379, 2013.

– CUGOLA, Fernanda R. et al. The Brazilian Zika virus strain causes birth defects in experimental models. Nature, v. 534, n. 7606, p. 267-271, 2016.

Fonte da imagem em destaque: storyset on Freepik

Imagem de iPSC criada no BioRender.com

Fonte da foto de minicérebros: Laboratório de modelagem de doenças, Dpto. de Microbiologia, ICB-USP.

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