(Português do Brasil) Dos faraós à noite na taverna: a saga do Bacilo de Koch (V.7, N.7, P.3, 2024)

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#acessibilidade: A imagem é uma pintura de Edvard Munch, pintor norueguês famoso pela obra “O Grito”. Essa é uma das telas que compõe a série de pinturas e outras expressões chamada “The Sick Child” (traduzida como A Menina Doente), que retratam sua irmã antes de seu falecimento por conta da tuberculose. Com uma maioria de pinceladas verticais, observa-se uma garota ruiva, Johanne, sentada com um cobertor verde sobre suas pernas. Ao seu lado, uma mulher ajoelhada, de cabelos cinzas e cabeça baixa.

Texto escrito por Paula Bertolotto Varaldo & Ana Paula Mattos Arêas

A tuberculose é uma doença que atinge principalmente os nossos pulmões, mas também pode afetar os rins, a pele, os ossos e os gânglios. É causada por uma bactéria chamada Mycobacterium tuberculosis que, em 1882, foi descoberta pelo médico alemão Robert Koch. Por essa razão, o microrganismo foi chamado de Bacilo de Koch. Alguns princípios da Microbiologia médica da época, conhecidos como postulados de Koch, foram formulados com base no crescimento desta bactéria em laboratório e na observação da infecção de pacientes. Em 1905, o cientista recebeu o Nobel de Medicina pelas suas descobertas sobre tuberculose.

Segundo a OMS (Organização Mundial de Saúde), um terço da população mundial está infectada pelo bacilo da tuberculose, sendo a grande maioria de forma assintomática. Ainda assim, as infecções causadas por esse microrganismo somam 8,8 milhões de casos, que resultam em 1,1 milhão de mortes por ano. Dentre os 22 países responsáveis por 82% dos casos da doença, o Brasil está em 17o lugar, que corresponde a 4,7 mil mortes anuais.

Os sintomas da doença são tosse seca ou com secreção, por três semanas, evoluindo para tosse seguida de escarro com pus ou sangue, febre baixa, cansaço e prostração, perda acentuada de peso, suor noturno e rouquidão. Como a bactéria tem a característica de se reproduzir lentamente, a evolução dos sintomas também é lenta, podendo ser confundidos com os sintomas da gripe. Talvez essa seja a razão de muitas pessoas só procurarem o serviço médico quando o estágio da doença já está bem avançado.

A epidemia mais bem documentada de tuberculose aconteceu aproximadamente entre 1850 e 1950, com um bilhão de casos, mas a doença já era endêmica (presente de forma permanente) em muitos países, inclusive no Brasil, tanto que nosso imperador Dom Pedro I faleceu desta doença em 1834. A vida boêmia do monarca nunca foi segredo e esse é justamente um fator de risco para a doença. Obras da literatura da época, da segunda geração romântica conhecida como “Mal do século”, traziam a “morte por amor” – a morte de jovens, muitas vezes na faixa dos 18 anos, que levavam vidas desregradas e que sofriam de desilusão amorosa. Uma obra emblemática deste movimento é A noite na Taverna, de Álvares de Azevedo.

O livro, publicado em 1855, três anos após a morte do autor, é uma narrativa, em forma de contos, que trata da trajetória de cinco jovens que se abrigam em uma taverna. Os contos descrevem as histórias fantásticas contadas pelos jovens que, em comum com suas vidas reais, tinham o uso de álcool, a vida boêmia e os amores não correspondidos. Mas a suposta “sofrência” e prostração de suas vidas reais eram fruto não de desilusão, mas de um processo patogênico grave por M. tuberculosis, que saiu da latência e começou a afetar os órgãos vitais, resultando em infecção generalizada. A alimentação pobre, poucas horas de sono, álcool e exposição a ambientes sem higiene eram o cenário perfeito para o desfecho letal destas infecções.

Muito antes destes registros dos séculos XIX e XX, a presença desta bactéria já havia sido relatada em múmias do antigo Egito (3000 a.C.) e das antigas civilizações da América Latina pré-colombiana. A análise microbiológica dessas amostras arqueológicas mostrou que humanos e bacilos de Koch coexistem há séculos. Porém, como pouco se conhecia sobre a causa das infecções, o número de mortes era enorme e, aqueles que sobreviviam, tinham sequelas graves, principalmente pulmonares.

Os estudos de Koch contribuíram para o avanço na área, por isso, hoje em dia, a tuberculose é uma doença tratável e prevenível. O tratamento da tuberculose é feito com antibióticos combinados e está amplamente disponível em toda a rede pública, já a prevenção da tuberculose é feita através da vacinação. A vacina contra tuberculose foi desenvolvida em 1904, no Instituto Pasteur de Lille, pelos cientistas Albert Calmette e Camille Guerin, recebendo o nome de Bacilo Calmette-Guerin, BCG.

O BCG é uma vacina viva atenuada, composta por uma bactéria, a Mycobacterium bovis, parecida com a que causa a doença, mas que não é perigosa para humanos. A partir de 1921, iniciou-se a vacinação em crianças e devido a sua segurança, é a única vacina recomendada pela OMS para ser administrada ao nascimento. Estima-se que cerca de três bilhões de indivíduos já tenham sido vacinados contra tuberculose desde 1948, pois se trata de uma vacina de baixo custo, segura e aplicada em uma única dose.

A meta de cobertura da vacinação, ou seja, a porcentagem da população que deve ser vacinada para que a totalidade tenha proteção, é de 90%. Como a vacina é dada ao nascimento, ela já é aplicada antes da parturiente e do bebê terem alta das instalações hospitalares, por isso, é uma das vacinas com maior taxa de cobertura. Então, por que ainda ocorrem casos de tuberculose no Brasil? Porque nem todos os nascimentos são feitos em hospitais. Nesses casos, os bebês devem ser levados às Unidades de Saúde para receberem a vacina. Outro fator está na pandemia, onde menos bebês foram vacinados e o número de testes diagnósticos realizados pelo SUS também caiu, aumentando a sensação de segurança e, portanto, a transmissão. A reboque, a pandemia também trouxe a precarização das condições de vida. Mudar esse cenário infeccioso depende de aumentar a cobertura vacinal e fazer o tratamento como prescrito, que inclui antibioticoterapia e mudança de hábitos. Isso é o que cabe ao SUS. Tratar a pobreza, que é a principal causa, já é mais complicado e assunto para outro texto.

image1 - (Português do Brasil) Dos faraós à noite na taverna: a saga do Bacilo de Koch (V.7, N.7, P.3, 2024)
Mesa de trabalho de Robert Koch no laboratório, agora no Museu Robert Koch de Berlim (foto da Profa. Ana Paula Areas).
#acessibilidade: Mesa de laboratório com espaço central onde está uma cadeira. No lado direito uma demarcação em que se lê R. Koch. Sobre a mesa equipamentos, vidrarias, tubos de ensaio e um caderno de anotações.

Referências:

Fonte da imagem destacada: MUNCH, Edvard. The Sick Child. 1907.

BRASIL. Manual de recomendações para o diagnóstico laboratorial de tuberculose e micobactérias não tuberculosas de interesse em saúde pública no Brasil. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Doenças de condições crônicas e infecções sexualmente transmissíveis. Brasília, 492 p., 2022. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/svsa/tuberculose/manual-de-recomendacoes-e-para-diagnostico-laboratorial-de-tuberculose-e-micobacterias-nao-tuberculosas-de-interesse-em-saude-publica-no-brasil.pdf/view

BRASIL. Manual de Normas e procedimentos para vacinação. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente, Departamento do Programa Nacional de Imunizações. 2a edição, Brasília, 294 p, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-e-manuais/2024/manual-de-normas-e-procedimentos-para-vacinacao.pdf

CVE – Centro de Vigilância Epidemiológica “Prof. Alexandre Vranjac”. História & Curiosidades. Disponível em: https://saude.sp.gov.br/cve-centro-de-vigilancia-epidemiologica-prof.-alexandre-vranjac/areas-de-vigilancia/tuberculose/informacoes-sobre-tuberculose/historia-curiosidades#:~:text=Existem%20evidências%20de%20que%20a,múmia%20pré-colombiana%20no%20Peru. Acesso em 11 jul. 2024.

JUNG et al. Significados das experiências corporais de pessoas com tuberculose pulmonar: a construção de uma nova identidade. Enferm, 2018; 27(2): e2030016. http://dx.doi.org/10.1590/0104-070720180002030016

NEUFELD, P. M. Personagem da História da Saúde V: Robert Koch – Editorial. RBAC. 2019; 51 (1): 4-8 Disponível no link: https://www.rbac.org.br/wp-content/uploads/2019/07/RBAC-vol-51-1-2019-Editorial.pdf. Acesso em 11 jul. 2024. DOI: 10.21877/2448-3877.201900863

OUR WORLD IN DATA. World population. Our World in data. Reino Unido, 2024. Disponível no link: https://ourworldindata.org/search?q=worl+population. Acesso em 11 jul. 2024. Base de dados.

SILVA et al. Assistência farmacêutica a pacientes com tuberculose pulmonar: uma revisão integrativa. Revista Presença, v. 3 (n. 7): 83-106, 2017.

SOUZA, L. Tuberculose à espreita – a pandemia enfraqueceu o combate à doença no Brasil, que agora vive uma escalada preocupante de infecções. Revista Piauí – Questões sanitárias. Publicado em 06 dez. 2023. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/tuberculose-a-espreita-pandemia-ministerio-saude/amp/?fbclid=IwZXh0bgNhZW0CMTEAAR2XA0VYKBFArVhzd7gfVc8LS_RpJBLI4XRfVrqCWAFT2VWM57X77MmXxuE_aem_recZOOLamu34Tei5ReX_wA. Acesso em 11 jul. 2024.

SUPER INTERESSANTE. Varíola, gripe espanhola, sarampo: as grandes epidemias ao longo da história. Super Interessante – Saúde. Disponível em: https://super.abril.com.br/saude/as-grandes-epidemias-ao-longo-da-historia. Atualizado em 14 ago 2023, 14h13 – Publicado em 31 ago 2004, 22h00. Acesso em 11 jul. 2024.

UTFPR. Noite na Taverna – Álvares de Azevedo (Dom. Público). Disponível em: http://paginapessoal.utfpr.edu.br/fabiomesquita/textos/obras-literarias/Noite%20na%20Taverna%20-%20Alvares%20de%20Azevedo.pdf/view. Acesso em: 11 jul. 2024.

Para saber mais:

Rede – TB, no link: https://redetb.org.br

Outros:

https://blog.sciencemuseum.org.uk/tuberculosis-a-fashionable-disease/

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