Cromo, mocinho ou vilão? (V.5, N.5, P.4, 2022)

Facebook Instagram YouTube Spotify
Tempo de leitura: 4 minutos
#acessibilidade: cena do filme “Erin Brockovich – Uma mulher de talento”, com Julia Roberts ao centro e Albert Finney e Conchata Ferrell ao seu lado.

Um dia desses, em uma conversa descontraída, surgiu um tema super legal: filmes! Lembramos de um chamado Erin Brockovich – Uma mulher de talento. Um drama/romance, baseado em fatos reais, em que a protagonista foi interpretada por nada menos que a talentosa Julia Roberts. 

Erin é uma advogada em um pequeno escritório de advocacia em uma cidade no deserto americano. Resumidamente, a protagonista encontra fichas médicas arquivadas e descobre que uma grande companhia era supostamente responsável pela contaminação do lençol d’água que abastece a cidade. Mas afinal, o que pode ser tão terrível ou tão nocivo a ponto de causar contaminação e mesmo mortes? 

Se você não assistiu o filme deve estar curioso e se você assistiu irá se lembrar… do cromo! Ao longo do desenrolar da trama muitas vezes é falado sobre o tal cromo e para complicar um pouco surge o cromo 3 e o cromo 6, também chamados cromo trivalente e cromo hexavalente, respectivamente. É o mesmo metal, mas com números de oxidação diferentes. Cromo pode ser representado na forma iônica como Cr3+, CrO42- (cromato) e Cr2O72- (dicromato) – é fácil perceber que o primeiro é aquele com número de oxidação 3 (III – em química usamos também os números romanos para indicar o estado de oxidação) e os outros dois apresentam o cromo com número de oxidação 6 (VI).

Mas antes de entender qual das espécies de cromo é a mais nociva vale a pena comentar que o cromo hexavalente é utilizado em alguns processos de galvanização (cromatização) conferindo maior resistência a corrosão em aço, por exemplo, e também como recurso decorativo em peças de automóveis, metais sanitários, eletrodomésticos, entre outros. Sim, esse é o metal usado para fazer lindas peças cromadas. Compostos de cromo também são utilizados na indústria de pigmentos e em curtumes. Já vem de um bom tempo a tentativa da substituição do cromo hexavalente pelo cromo trivalente na cromatização. 

Você já deve ter percebido que o vilão da história é o cromo (VI). Pois então, os compostos de Cr(VI) são considerados agentes mutagênicos (podem causar mutações em nosso DNA, infelizmente nada tipo X-men), carcinogênicos (sim, podem causar câncer!), teratogênicos (que pode produzir dano ao embrião ou feto durante a gravidez) e ambientalmente perigosos. Tais características dos compostos de Cr (VI) têm resultado em um uso cada vez mais restrito. 

Por outro lado, o cromo é um oligoelemento e, portanto, desempenha um papel importante em nosso planeta e na fisiologia humana. Como já percebido, a essencialidade depende da espécie química do cromo. O Cr(III) apresenta certa essencialidade, pois é uma espécie química importante para algumas funções no organismo humano, como por exemplo para o metabolismo normal da glicose. Mesmo com sua essencialidade o Cr(III) pode se tornar tóxico em altas doses. A ingestão diária (consumo recomendável) de cromo trivalente (em microgramas por dia – µg dia-1) varia entre 20 e 45 µg dia-1 dependendo da faixa etária, gênero, entre outras condições, como por exemplo gestantes e lactantes. A dose recomendada para bebês e crianças é inferior à faixa citada.

A “nada” essencialidade da espécie química de Cr(VI) se deve à sua alta permeabilidade em membranas biológicas. A similaridade da estrutura química entre os íons cromato, sulfato (SO42-) e fosfato (PO43-) resulta na entrada do íon cromato nas células. Para complicar um pouco mais… quando a espécie de Cr(VI) entra na célula, ela se torna cromo pentavalente (Cr5+), cromo tetravalente (Cr4+) e por fim a cromo trivalente, por meio da ação de agentes redutores como ácido ascórbico, glutationa e cisteína. Opa! O Cr (III) é essencial e ao final do processo de redução ele aparece novamente? Então não teria problema, certo? Errado! A ação carcinogênica do cromo hexavalente é motivo de muitos estudos ainda, mas um deles indica que durante o processo de redução do Cr(VI) a Cr(III) são formadas espécies reativas de oxigênio (os famosos radicais livres), que juntamente com os compostos intermediários do cromo podem causar danos ao DNA.

Resumidamente, os íons Cr(III) não permeiam facilmente a membrana lipídica, enquanto os íons cromato utilizam os transportadores de ânions (como sulfato e fosfato) para ultrapassar a barreira. Complicado? Um pouco…e o objetivo do texto não é elucidar na totalidade os mecanismos mutagênicos do cromo hexavalente, longe disso, os objetivos são dois: (i) chamar a atenção para importância da essencialidade e toxicidade e sua relação com a espécie química e (ii) contar o final do filme (Erin Brockovich – Uma mulher de talento)… espera, contamos ou não? Melhor não, né? Bom filme!

Para saber mais: 

Verônica Ferreira Lima e Fábio Merçon, Metais Pesados no Ensino de Química (texto)

Renata Maria Padovani, Jaime Amaya-Farfán, Fernando Antonio Basile Colugnati, Semíramis Martins Álvares Domene. Dietary reference intakes: aplicabilidade das tabelas em estudos nutricionais (texto)

Fonte da imagem destacada: Cena do filme “Erin Brockovich – Uma mulher de talento” 

Compartilhe:

Leave a Reply

Your email address will not be published.Required fields are marked *