(Português do Brasil) Zero: o nada que virou tudo (V.8, N.7, P.2, 2025)

Facebook Twitter Instagram YouTube Spotify WhatsApp

Sorry, this entry is only available in Português do Brasil. For the sake of viewer convenience, the content is shown below in the alternative language. You may click the link to switch the active language.

Reading time: 5 minutes

Sorry, this entry is only available in Português do Brasil. For the sake of viewer convenience, the content is shown below in the alternative language. You may click the link to switch the active language.

#acessibilidade: Imagem em preto e branco de um contador mecânico marcando “000.”, com números grandes e fundo escuro. Representa o conceito de início, vazio ou reinício.

Texto pela colaboradora Giovanna Torres dos Santos

Você já parou para pensar como o nada pode ser alguma coisa? Parece contraditório, quase um paradoxo, mas é exatamente isso que o número zero representa. Ele é o símbolo do vazio – e, ao mesmo tempo, uma das maiores invenções da humanidade. Sem o zero, não teríamos computadores, matemática moderna ou até mesmo a possibilidade de contar direito.

O zero representa a ausência de quantidade. Se você tem zero maçãs, não tem maçã nenhuma. Mas ele não é apenas a ausência – ele é um símbolo que representa essa ausência. E isso faz toda a diferença. É como dar forma ao invisível. O zero permite que a ausência seja nomeada, registrada e manipulada.

Parece simples, mas reconhecer o “nada” como algo que pode ser representado e usado exigiu uma revolução de pensamento. Afinal, como algo que não existe pode ser tratado como se existisse?

Durante muito tempo, o mundo viveu sem ele. Civilizações como os romanos, os egípcios e os gregos não utilizavam esse conceito. Seus sistemas de numeração eram extremamente limitados – e fazer contas complexas era um desafio. Isso porque a ideia de “nada” era desconfortável: se não há nada, por que representá-lo?

Para os gregos antigos, por exemplo, a existência estava ligada à substância. O vazio era uma espécie de não-ser, algo próximo ao caos, à ausência total do mundo. Representar isso como um número era quase herético.

Mas algumas culturas começaram a flertar com a ideia. Os babilônios usavam um espaço em branco para indicar a ausência de valor em uma posição, como fazer com o zero no “100”. Já os maias criaram um símbolo específico para o zero, mas ele era usado mais como marcador de tempo do que como número com operações próprias.

image1 - (Português do Brasil) Zero: o nada que virou tudo (V.8, N.7, P.2, 2025)
Figura 1: Símbolo utilizado pelos maias para representar o zero.
Disponível em: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Cero_maya.svg, acesso em 30/06/2025.

Foi na Índia, por volta do século V, que o zero finalmente ganhou força.  Matemáticos como Brahmagupta começaram a tratar o zero não apenas como um símbolo, mas como um número com regras próprias. Pela primeira vez, o nada pôde ser somado, subtraído e até multiplicado – embora a divisão por zero causasse dores de cabeça, como causa até hoje.

Esse passo foi tão importante que muitos historiadores da matemática consideram o zero uma das maiores invenções da história humana. Sem ele, não teríamos o sistema decimal, nem a álgebra como conhecemos, nem os algoritmos que processam dados em nossos celulares e computadores.

O conceito se espalhou para o mundo árabe – que foi o responsável por traduzir e preservar muito do conhecimento indiano – e depois chegou à Europa. Mas levou séculos para que o zero fosse plenamente aceito no Ocidente.

Com o zero, surgiram novas possibilidades: contas mais simples, uma posição clara para cada valor numérico (como a diferença entre 1, 10 e 100), e mais tarde, a base de toda  computação moderna – computadores funcionam em binário, isto é, depende diretamente dos dígitos 0 e 1. O zero, nesse contexto, não significa só “nada”, mas “desligado”, “falso” ou “não”.

Como observa o artigo Much Ado About Zero, sem um conceito estruturado de “nada”, não teríamos sequer como representar corretamente um número como “100”. O zero é o alicerce invisível que dá ordem a todos os outros números.

O zero também é fascinante porque desafia definições simples. O filósofo e matemático Peter Harremoes propôs que o zero é natural como número cardinal, ou seja, quando usamos números para contar quantidades, o zero faz sentido: “nenhuma maçã”. Mas ele  não é natural como número ordinal – ninguém fica em “zero lugar” numa corrida. Essas distinções mostram como o zero é cheio de nuances, mesmo sendo “nada”.

Mais do que um número, o zero é um conceito filosófico poderoso. Ele nos obriga a pensar sobre o que significa a existência, o vazio, e até os limites do pensamento humano. É o ponto de partida do nada que, paradoxalmente, abre caminho para o tudo.

Na física, o zero aparece como ponto de referência absoluto: temperatura correspondente ao zero absoluto, energia potencial zero, ponto zero de uma escala. Na filosofia oriental, o vazio não é ausência, mas plenitude em potencial – algo que está pronto para se tornar. Na arte, no design e na música, o silêncio e o espaço em branco – o “zero” da expressão – são tão importantes quanto os sons ou formas.

O zero também nos ensina uma lição de humildade: nem sempre o que é invisível deixa de ser essencial. Às vezes, é o nada que estrutura o todo.

Por isso, da próxima vez que vir um simples “0”, lembre-se de que por trás dele há uma das ideias mais revolucionárias da humanidade – a capacidade de transformar o nada em algo, e dar sentido ao vazio. Porque, no fim das contas, o zero não é ausência de significado. Ele é o significado da ausência.

Referências 

COSTA, Caroline Ferreira; BARROS, Geovane dos Santos. A origem do zero – o nada que existe. Revista Científica Multidisciplinar RECIMA21, v. 3, n. 11, p. 1–15, nov. 2022. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/365168665_A_ORIGEM_DO_ZERO_-_O_NADA_QUE_EXISTE.

SILVA, Maria Aparecida Moreira da. A origem do zero. 2010. 130 f. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: https://repositorio.pucsp.br/handle/handle/11332

BHATTACHARYA, Ananyo. Much Ado About Zero. arXiv, 2016. Disponível em: https://arxiv.org/abs/1601.05983.

HARREMOËS, Peter. Is zero a natural number? arXiv, 2011. Disponível em: https://arxiv.org/abs/1102.0418.

VIEIRA, Davi Rodrigues; SILVA, Rafael Ruan da. História do número zero. Revista Tecnologia e Humanismo, v. 1, n. 1, p. 26–32, 2021. Disponível em: https://periodicos.utfpr.edu.br/rth/article/view/6206.

WIKIMEDIA COMMONS. Cero maya. [Imagem digital]. Disponível em: https://pt.m.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Cero_maya.svg

Para saber mais:

A Importância da filosofia da ciência

A história do número zero – https://www.obaricentrodamente.com/2012/08/a-historia-do-numero-zero.html

GALILEU. Como a criação do zero revolucionou a matemática. Revista Galileu, 2025. Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/sociedade/curiosidade/noticia/2025/02/como-a-criacao-do-zero-revolucionou-a-matematica.ghtml.

MATEMÁTICA PARA FILÓSOFOS. Mais quatrocentos anos de antiguidade para o Zero? Matemática para Filósofos, 1 maio 2019. Disponível em: https://www.matematicaparafilosofos.pt/mais-quatrocentos-anos-de-antiguidade-para-o-zero/

Outros divulgadores:

Como surgiu o ZERO na matemática, Universo Narrado

O NADA EXISTE? Uma Breve História do Vazio, Marcelo Gleiser

Compartilhe:

Leave a Reply

Your email address will not be published.Required fields are marked *

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.