#acessibilidade: A imagem é uma ilustração colorida. Ao fundo, como que olhando para uma miniatura, uma garota vestida de azul , com um laço rosa nos cabelos curtos e um rosto amigável observa um mundo feito de doces.
Texto escrito pelo colaborador Artur Keppler
Meu pai sempre me dizia “Um docinho não engorda! Engorda quem come o docinho.”. Eis o resultado de uma associação direta do açúcar ao ganho de peso. Seja no seio familiar ou nos consultórios médicos, invariavelmente o açúcar é tratado como um grande vilão, inimigo da saúde e do corpo esbelto. A história conta que para continuar consumindo seus docinhos sem culpa e fugir das frutas como opção de sobremesa, alguns cientistas inventaram os adoçantes artificiais. Não foi bem assim – hahahaha – esses compostos foram descobertos por acidente, foram isolados de fontes naturais ou simplesmente inventados para mover a roda do capitalismo. O fato concreto é que eles enganam os receptores celulares da nossa cavidade bucal, causando uma resposta palatal similar àquela dos açúcares naturais – sacarose, frutose – e são vendidos hoje como uma solução inofensiva para evitar o consumo de açúcar.
É interessante notar que cada um dos adoçantes que estão no mercado deriva de uma classe química, tem uma origem e uma característica nutricional diferente. Na Parte 1 dessa série sobre adoçantes, falarei de compostos que podem ser classificados como carboidratos.[1] A sucralose, por exemplo, é um carboidrato sintetizado em laboratório e é bem parecido com a sacarose. Os três átomos de cloro inseridos químicamente na sacarose natural, aumentam seu poder de adoçar alimentos e inibem a sua metabolização. O xilitol que consumimos também é sintético.[2] Este poliol, que também pode ser considerado um carboidrato, é encontrado em pequenas quantidades em fungos, nas fibras de plantas e também é produzido por seres humanos.[3] Sua estrutura química tem “pequenas” diferenças em relação à da glicose [Figura 1], e isso faz com que ele seja metabolizado por um mecanismo independente da insulina.[4] Como a sucralose não é reconhecida pelo nosso organismo, seu índice glicêmico é zero. Já o do xilitol, é bem baixinho, IG=7.[5]
#acessibilidade: A imagem contém as fórmulas estruturais de certos adoçantes. Xilitol, à esquerda, recebendo destaque em duas de suas hidroxilas (OH). À direita, Sacarose e Sucralose; a segunda recebendo destaque em seus cloros (Cl). Mais acima, Glicose.
Até recentemente, os adoçantes que conhecemos e que são consumidos em pequenas quantidades, devido ao seu alto poder dulcificante, eram tidos como seguros. Um conjunto de estudos recentes coloca em xeque esse senso comum.[6]
Um grupo de pesquisadores selecionou voluntários que não consumiam adoçantes e a eles, separados em grupos, foram oferecidos pacotes de adoçantes e glicose, que foi usada como controle.[7] Eles foram monitorados em tempo real, através de coleta de amostras de fluidos corporais. Vou restringir a discussão à sucralose, deixando os outros adoçantes para os próximos textos. Voltando ao trabalho: após a coleta e tratamento dos dados, foi detectada uma alteração significativa de parâmetros de glicemia e da microbiota do intestino dos voluntários que consumiram sucralose, em comparação com os que usaram glicose.[8] Assim como os antibióticos que destroem nossa flora, a sucralose teve um efeito similar.
Em um artigo de 2023, um grupo de pesquisa estudou os efeitos do eritritol, um adoçante com estrutura química bem parecido com a do xilitol.[9] Nesse trabalho de três anos com mais de mil voluntários, foi feita uma correlação direta entre o consumo “normal” de eritritol e o aumento dos riscos de problemas cardiovasculares.
Um grupo de pesquisadores selecionou voluntários que não consumiam adoçantes e a eles, separados em grupos, foram oferecidos pacotes de adoçantes e glicose, que foi usada como controle.[7] Eles foram monitorados em tempo real, através de coleta de amostras de fluidos corporais. Vou restringir a discussão à sucralose, deixando os outros adoçantes para os próximos textos. Voltando ao trabalho: após a coleta e tratamento dos dados, foi detectada uma alteração significativa de parâmetros de glicemia e da microbiota do intestino dos voluntários que consumiram sucralose, em comparação com os que usaram glicose.[8] Assim como os antibióticos que destroem nossa flora, a sucralose teve um efeito similar.
Em um artigo de 2023, um grupo de pesquisa estudou os efeitos do eritritol, um adoçante com estrutura química bem parecido com a do xilitol.[9] Nesse trabalho de três anos com mais de mil voluntários, foi feita uma correlação direta entre o consumo “normal” de eritritol e o aumento dos riscos de problemas cardiovasculares.
Escrevi este artigo tendo como base artigos científicos publicados e revisados por pares. Para esse tema “adoçantes”, eu me inspirei e também usei como fonte os artigos de divulgação científica do blog de Derek Dowe,[12] um grande pesquisador e excelente divulgador científico. Como não sou pesquisador da área, fiquei chocado com aquilo que li e senti que era importante ampliar o alcance desses resultados.
Fontes:
Fonte da imagem destacada: Freepik
[1] “carboidratos” é uma classificação para compostos químicos que contém em suas estruturas apenas carbonos e água – carbo + hidratos. Tem geralmente a fórmula empírica [(H2O)]n. Os exemplos mais conhecidos são os “açúcares” – sacarose, glicose e frutose.
[2] Ele é produzido em plantas industriais por conta da alta demanda de consumo. Em 2015, Rueda e colaboradores estimaram que em 2020 o mercado global do xilitol giraria na escala de 1 bilhão de dólares, o equivalente a 242.000 toneladas. RUEDA, C.; CALVO, P.A.; MONCALIÁN, G.; RUIZ, G.; COZ, A. Biorefinery options to valorize the spent liquor from sulfite pulping. Chemical Technology and Biotechnology. v.90, Issue12, p. 2218-2226, (2015).
[3] o xilitol é produzido endogenamente, na rota de metabolismo do glucoronato. O glucoronato ativado (difosfato uridínico do ácido glucônico) é empregado na detoxificação de agentes químicos não naturais e na produção de polissacarídeos, em alguns organismos.
[4] isso quer dizer que pessoas que têm diabetes podem se beneficiar desses alimentos, visto que seus pâncreas não produzem quantidades adequadas de insulina e dessa forma não conseguem processar adequadamente os açúcares ingeridos.
[5] O índice glicêmico mede a rapidez com que um alimento aumenta a glicose no sangue. O IG da sacarose (açúcar refinado) é de 60 a 70.
[6] Quero deixar claro aqui que devemos deixar de lado as absurdas suposições que associam o consumo desses aditivos à epidemias de câncer, falência do fígado, epilepsia, autismo e mais um monte de coisas ruins que você pode imaginar.
[7] Em qualquer estudo científico bem planejado, é necessário estar atento a diversas variáveis, para evitar conclusões equivocadas. Para isso, são feitos experimentos denominados controle. Nesses experimentos são empregadas condições conhecidas e padronizadas, cujo resultado é bem documentado na literatura.
[8] SUEZ, J. e colaboradores. Personalized microbiome-driven effects of non-nutritive sweeteners on human glucose tolerance, Cell. v185, Issue 18, p3307-3328 (2022).
[9] WITKOWSKI, M. e colaboradores. The artificial sweetener erythritol and cardiovascular event risk. Nature Medicine. v29, p710–718 (2023)
[10] WITKOWSKI, M. e colaboradores. Xylitol is prothrombotic and associated with cardiovascular risk. European Heart Journal, v.45, Issue 27, p2439-2452 (2024)
[11] não estou incentivando o uso de açúcar refinado (sacarose), pois seu consumo em excesso também é prejudicial à saúde. Porém, tendo em vista o que sabemos sobre o consumo moderado de açúcar, e recentemente sobre os adoçantes artificiais, a balança pesa favoravelmente à fonte natural de alegria e contentamento.
[12] https://www.science.org/content/blog-post/and-now-xylitol